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quarta-feira, outubro 20, 2010

Duas leis diferentes para contar os mesmos votos

Além da validade da ficha limpa, há outra questão judicial que precisa ser resolvida: o que acontecerá com os votos dos candidatos barrados nas eleições proporcionais?

Divulgação
Ainda é um mistério: se for barrado, os votos de Garotinho valerão ou não para eleger outros deputados da sua coligação?

Mário Coelho

Uma polêmica silenciosa atinge dois dos candidatos mais votados no Brasil para a Câmara dos Deputados. Anthony Garotinho (PR) e Valdemar Costa Neto (PR) correm o risco de perderem o registro de candidatura por conta de ações na Justiça. O primeiro pode ter o registro indeferido a qualquer momento por conta de uma liminar obtida contra condenação por uso indevido dos meios de comunicação. Já o segundo, por ter renunciado ao mandato de deputado, deve ser barrado pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10). Mas a polêmica não é essa, mas o destino que será dado aos votos de cada um caso as suas candidaturas acabem barradas.

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A pergunta feita pelos ministros é qual será o destino dos votos de Garotinho e de Costa Neto nessa hipótese. O sistema usado nas eleições proporcionais, como as de deputado federal, estabelece a criação de um coeficiente eleitoral, o número de votos necessários para eleger o parlamentar, um cálculo que leva em conta o número de votos válidos e o número de candidatos em cada estado. Quando um candidato recebe mais votos que o coeficiente eleitoral, esse número excedente é repassado para o segundo mais votado na coligação, e assim por diante. Com suas votações, portanto, Garotinho e Costa Neto puxaram outros candidatos que foram eleitos com o excedente que tiveram. O que acontecerá com esses votos no caso da cassação dos dois é ainda uma incógnita. Isso porque a legislação eleitoral é contraditória. O Código Eleitoral (Lei 4737/65) e a Lei das Eleições (9.504/97) prevêem soluções diferentes. Diante da confusão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é que terá que dizer qual das duas leis valem.

Dependendo da decisão, a formação das assembleias legislativas e da Câmara dos Deputados pode mudar. Em todo o país, aproximadamente 11 milhões de votos foram dados a candidatos com registro indeferidos pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) e por outros motivos, como a não apresentação de documentos e de quitação eleitoral. Pelo menos 6 milhões destes para deputados estaduais e federais. São nestes votos que reside a polêmica. E ela é melhor exemplificada nos casos de Costa Netoa e Garotinho.

Confusão legal

O parágrafo quarto do Código Eleitoral prevê que, se o candidato tiver o registro negado após as eleições, eles serão considerados nulos para ele, mas continuam valendo para a coligação ou partido. Ou seja, a aliança ou a legenda não perdem a vaga deixada pelo candidato com a inscrição indeferida.

Na hipótese do Código Eleitoral, se no dia da eleição o candidato estiver com registro, e, depois, for barrado, os votos vão para a legenda. Então, pela jurisprudência da corte, se a liminar de Garotinho for derrubada, os 694.862 sufrágios que ele recebeu seriam mantidos para o partido. Portanto, os deputados Neilton Mulim, Dr. Paulo Cesar, Liliam Sá e Paulo Feijó, todos do PR, estariam garantidos na Câmara a partir de 2011.

O problema é que a minirreforma eleitoral, aprovada pelo Congresso sob forma da Lei 12.034/09, estabeleceu uma regra diferente. Em um dos seus artigos, que modifica a Lei das Eleições, a minirreforma estabelece que os votos serão nulos tanto para o candidato com registro indeferido quanto para a legenda. Aí, seria necessário fazer novamente o cálculo dos quocientes partidário e eleitoral. E, provavelmente, os candidatos que foram puxados ficariam de fora, alterando toda a composição da bancada do estado. A minirreforma não mexeu no Código Eleitoral. Ele continua valendo. Portanto, há duas regras diferentes, com a mesma força legal, convivendo na legislação que ordena as eleições.

Por enquanto, o silêncio

Os integrantes do TSE não comentam o assunto abertamente desde a realização do primeiro turno. Antes, porém, opiniões não faltaram. Dois dias antes das eleições, em sessão administrativa, a corte decidiu que os votos em candidatos seriam divulgados após a totalização das urnas em todos os estados. Na mesma discussão, o ministro Marco Aurélio Mello questionou o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, se a corte não apreciaria a questão dos votos nulos. A resposta foi de que o tribunal analisaria a situação depois.

Em 3 de outubro, data do primeiro turno, o ministro Arnaldo Versiani disse que as eleições para as assembléias e para a Câmara dos Deputados só seria definida em dezembro. Isso por dois motivos. Primeiro, pela indefinição da corte no caso dos votos em candidatos barrados. Outro pela quantidade de recursos a serem analisados. "Os votos em candidaturas com registros indeferidos, hoje, não valem para nada. Se eles forem deferidos, não há problema, o candidato é eleito e os votos contam para a legenda. A situação vai ficar problemática se eles forem indeferidos definitivamente", disse Versiani.

Para aumentar a confusão, os ministros, quando analisarem algum caso específico tratando do destino dos votos, devem se debruçar sobre a constitucionalidade do dispositivo. Esta é a opinião do advogado especialista em direito constitucional Rodrigo Pires Ferreira Lago, em artigo publicado no site Jus Navigandi. Para ele, a determinação de anular os votos também para a legenda vai contra a Constituição Federal. “É incompatível com o texto constitucional. Deve sempre ser preservada a manifestação do eleitor”, afirmou.

Condenação

Em 27 de maio, Garotinho e sua mulher, Rosinha Garotinho, foram condenados por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Na oportunidade, os integrantes do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) entenderam que integrantes houve "práticas panfletárias" por parte da rádio e do jornal O Diário que ajudaram na eleição de Rosinha à prefeita de Campos dos Goytacazes (RJ).

Depois, em 28 de julho, o TRE-RJ aceitou o registro de candidatura até que o mérito da liminar concedida para suspender a condenação por uso de indevido dos meios de comunicação seja analisado. Ou seja: é uma concessão precária. Caso os ministros do TSE entendam que a condenação dada em maio deva ser mantida, o registro do ex-governador fluminense será negado. O TSE só volta a se reunir para sessões plenárias na próxima semana, quando o recesso forense será encerrado.

Renúncia

Valdemar Costa Neto renunciou ao mandato de deputado federal em 1º de agosto de 2005 por conta do mensalão do PT. Ao admitir que recebeu dinheiro do PT, ele preferiu deixar o cargo para evitar uma possível cassação do mandato e a consequente perda de seus direitos políticos. No ano seguinte, ele se reelegeu para a Câmara dos Deputados. Em 3 de outubro, ele recebeu 174.826 votos e foi eleito para mais um mandato.

Ele teve a candidatura contestada por um adversário político em São Paulo com base na Lei da Ficha Limpa. No entanto, a maioria dos integrantes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) entendeu que, por não haver procedimento por quebra de decoro parlamentar aberto, ele não pode ser atingido pelas novas regras de inelgibilidade. Dependendo da decisão do TSE, a coligação que elegeu Valdemar pode perder a vaga dele e, ao ser refeito o cálculo do quociente partidário, outra vaga também.

Tiririca

Outro caso chama a atenção. É o do deputado federal eleito Tiririca (PR). O palhaço, candidato mais votado em todo o país com mais de 1,3 milhão de votos, teve o registro deferido pelo TRE de São Paulo sem ressalvas. Não houve recurso contra a decisão na época. Depois, no entanto, o Ministério Público Eleitoral (MPE) denunciou o candidato por ter fraudado a declaração de que sabe ler e escrever.

Segundo o juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Aloísio Sérgio Rezende Silveira, a prova técnica produzida pelo Instituto de Criminalística paulista aponta para uma discrepância de grafias. Por isso, ele aceitou a denúncia e abriu uma ação penal contra Tiririca. Ou seja, a suspeita é de que outra pessoa escreveu a declaração de alfabetização entregue pelo palhaço ao TRE-SP.

Mesmo a ação penal sendo sobre a falsificação de um documento necessário para o registro de candidatura, Tiririca pode até perder o mandato, mas seus votos não devem, à princípio, ser anulados. Isso porque a ação não contesta a inscrição dele, mas sim a autenticidade de um documento apresentado. Se for considerado culpado até antes da diplomação, em dezembro, Tiririca pode assumir o cargo caso recorra da decisão. Aí surge outro problema. Com o foro privilegiado de deputado federal, seu caso terá que ser levado para o Supremo Tribunal Federal (STF). E se arrastar por um longo tempo.

RESULTADO JÁ!

Assine o abaixo-assinado



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