Carlos Chagas
Getúlio Vargas estava no seu primeiro período de governo, ainda como presidente provisório da República, quando morre em Belo Horizonte um dos sustentáculos da Revolução de 30, o velho governador Olegário Maciel. Imediatamente dois grupos se posicionam para influenciar a nomeação do sucessor: Flores da Cunha, todo-poderoso governador do Rio Grande do Sul, queria Gustavo Capanema, jovem secretário de governo, braço direito de Olegário. Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda, indicava Virgílio de Mello Franco.
Getúlio demorava a escolher, com Capanema de governador interino. Não queria inflar o balão de Flores nem de Aranha. O ex-governador (chamava-se presidente do estado), Antonio Carlos, foi designado coordenador do processo de escolha.
Certa noite, no Rio, no Palácio Guanabara, residência do presidente, examinaram mais uma vez a situação. Getúlio pediu que o Andrada fizesse uma lista de pretendentes, que ele decidiria em poucos dias. O sagaz mineiro já ia saindo, estava na porta, quando o gaúcho recomendou: “Olhe, para maior de espadas, também ponha aí o nome desse Benedito Valadares”. Maior de espadas era uma carta que diferia das outras, num daqueles jogos de salão da época.
Antonio Carlos, que de bobo não tinha nada, apesar da hora avançada foi ao hotel onde se hospedava Benedito Valadares, desconhecido mas prestigiado por ter sido chefe de polícia na região do túnel da Mantiqueira, pouco antes, quando os mineiros derrotaram os paulistas na revolução de 32. Sem mais aquela, foi anunciando: “Benedito, eu decidi que você vai ser o governador de Minas”.
Tão esperto quando o visitante, Benedito ficou calado e, depois, foi acordar a mulher, que já dormia: “Odete, acorda. Eu sou o novo governador de Minas! O Antônio Carlos veio aqui dizer que tinha me escolhido, mas eu sei que foi o Getúlio.”
A santa esposa, sem se levantar, exclamou apenas: “Benedito, você bebeu de novo?” Dias depois o casal estava instalado no Palácio da Liberdade, de onde só saiu em 1945, com a deposição de Getúlio.
Por que se conta essa história? Porque o presidente Lula quer incluir um “maior de espadas” na lista de um nome só que o PMDB pretende entregar-lhe para compor a chapa de Dilma Rousseff. O partido indicará Michel Temer, seu presidente, mas quem o primeiro-companheiro irá sugerir, só para enfeitar a relação?
Pode ser Henrique Meirelles, pode ser Roberto Requião, pode ser Edison Lobão, os três do PMDB, como poderá ser Ciro Gomes, de fora. Quem quiser que se fantasie de Antonio Carlos…
O círculo se fecha
Faltam dez dias úteis para vencer o prazo das desincompatibilizações de ministros, governadores e altos executivos das estatais que disputarão as eleições de outubro. A exceção fica para os governadores capacitados a pleitear um segundo mandato, tendo em vista a abominável emenda constitucional da reeleição, imposta ao Congresso por Fernando Henrique Cardoso. Para não precisar deixar o governo no período eleitoral, o sociólogo inventou que presidentes da República, governadores e prefeitos poderiam disputar um segundo mandato no exercício de suas funções. Mas se fossem atrás de cadeiras no Senado ou até de olho na presidência da República, precisariam sair. A situação de ministros e dirigentes de estatais não comportou exceções. É pedir as contas ou tornar-se inelegível.
Muita gente fica pensando por que o Legislativo, passados tantos anos, não corrigiu essa aberração. Ou a permanência nos cargos vale para todos ou para ninguém, nem se falando da prerrogativa de deputados e senadores que não necessitam ir para casa quando disputam a reeleição ou outro lugar. São os interesses variados que se cruzam e imobilizam todo mundo.
Tem ministros sem dormir, analisando ainda a hipótese de concorrer às eleições ou de permanecer até dezembro onde estão. Com a decisão do presidente Lula de aproveitar a maioria dos secretários-executivos nos ministérios a ficar vagos, logo os insignes partintes poderão arrepender-se de deixar os insignes ficantes em suas cadeiras. Afinal, como ministros, encontram-se em área de exposição bem maior do que como simples candidatos, mesmo aqueles que retornarão ao Congresso. Afinal, são 37 ministérios cotejados com 81 senadores e 513 deputados.
Estes raciocínios dão a medida da insônia registrada na Esplanada dos Ministérios…
Pelo menos uma vez
Corre em Brasília que depois de outubro, sejam quais forem os resultados eleitorais, o presidente Lula deverá promover um monumental festival de despedidas. Se puder, visitará todos os estados pela última vez, ao tempo em que comparecerá ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal. É provável que reúna também o Conselho da República, até hoje virgem de reuniões, e até se anime a convidar todos os ex-presidentes da República para uma cautelosa confraternização. A única vez que o Lula promoveu esse encontro foi a bordo do avião presidencial, em viagem a Roma para a posse do novo Papa. Mesmo assim, faltou um, Fernando Collor, que naqueles idos ainda não havia sido absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Agora, não faltaria ninguém, de José Sarney a Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Isso, é claro, se aceitassem o convite.
Dificuldades
Ainda para ficar no tema, vale enfatizar as dificuldades para ser ex-presidente da República. De repente, o tapete parece desaparecer do chão. Salamaleques e rapapés vão sumindo, desde a subserviência da maioria dos auxiliares até as mordomias, das necessárias às exageradas. Não há mais mordomos para botar os chinelos ao pé da cama, nem chefes de cozinha especializados em preparar as iguarias preferidas. Para entrar no carro, mesmo dispondo de viaturas oficiais e minigabinetes de segurança, não raro pegarão na maçaneta. Pior quando se dirigem a reuniões ou solenidades: devem esperar ser convocados para as mesas, em vez de buscarem por conta própria o lugar principal. Toques de corneta e bandas de música ficaram para trás.
Tudo isso parece bobagem, mas pega mais do que sarampo. Já não há mais lugar garantido na mídia, muito menos nas calçadas, quando bissextamente as freqüentarem. Sobre tudo isso deverá meditar o presidente Lula, ainda que pelas suas origens e sua própria natureza, possa até dar graças a Deus pela falta de tanta fantasia.
Fonte: Tribuna da Imprensa