Carlos Chagas
Desde ontem e até amanhã o presidente Lula promove uma alegoria destinada a produzir efeitos na próxima sucessão. Está levando Dilma Rousseff e Ciro Gomes no Aerolula, para o périplo de três dias ao redor do rio São Francisco.
A diplomacia do PT apressou-se em afirmar a ausência de qualquer ilação político-eleitoral na viagem. O convite a Ciro Gomes seria devido ao fato dele haver iniciado as obras de transposição do rio, como ministro da Integração Nacional por quase quatro anos. Não vamos responder com o “me engana que eu gosto”, mas é quase isso.
Porque o objetivo do Lula, por enquanto, é seduzir Ciro Gomes para que aceite candidatar-se ao governo de São Paulo. A primeira etapa até que foi vencida, com a transferência do título de eleitor do ex-governador, do Ceará para São Paulo. Mas a segunda, quer dizer, a candidatura ao palácio dos Bandeirantes, parece sonho de noite de verão. O presidente desconhece as principais características de Ciro, que são a obstinação e a teimosia. Dificilmente ele deixará de pleitear o palácio do Planalto apenas para agradar o atual inquilino, ainda mais quando vem superando Dilma nas pesquisas eleitorais.
Tudo indica que já conversaram e mais conversarão Lula e Ciro, Ciro e Dilma e Dilma e Lula, isoladamente e em conjunto, na aeronave e nas barracas do Exército onde estão pernoitando, à luz dos vagalumes e ao som dos grilos. Pelo jeito, nem o PT nem o presidente hostilizarão o ex-ministro, se ele for mesmo candidato, ainda que deixando claro que Dilma é “a cara”. Até porque, se o segundo turno travar-se entre José Serra e Ciro Gomes, imaginem quem o primeiro-companheiro apoiará…Trocar seis por meia duziaAdianta alguma coisa o presidente Lula querer Eike Batista no lugar de Roger Agnelli, na presidência da Vale? Nada, em termos de recuperação desse vultoso patrimônio público que a sanha de Fernando Henrique Cardoso entregou à banca privada. Nem existem condições para a reestatização da empresa e nem o presidente ousaria tanto.
Mesmo sabendo que a Vale foi privatizada a preço de banana podre, com recursos do BNDES e dos fundos de pensão, nada aconteceria. De tal maneira a operação foi amarrada pelos privatistas que qualquer juiz de primeira instância se obrigaria a mantê-la, caso o governo tentasse reverter o anterior crime de lesa-pátria.
O Lula pode estar irritado com mais esse exemplo flagrante de malandragem neoliberal ou até com a falta de sensibilidade de Agnelli, que ao primeiro sinal de crise econômica demitiu 4 mil trabalhadores. Também não gostou de a Vale estar encomendando navios na Coréia em vez de nossos estaleiros. Muito menos engoliu a imensa campanha publicitária com que a empresa irrigou os meios de comunicação.
Só que trocar de presidentes equivalerá a trocar seis por meia dúzia…
Saiu tosquiado
Nenhuma imagem se aplicaria melhor do que aquela lembrada por nossas avós, sobre o cidadão que foi buscar lã e saiu tosquiado. Assim ficou o ministro Guilherme Cassel, da Reforma Agrária, na Comissão de Agricultura do Senado. Como sócio-atleta do MST, o ilustre integrante do governo Lula jurou que nem um real do governo foi canalizado para a entidade, nos últimos sete anos. Outra vez ouviu-se no Congresso o refrão do “me engana que eu gosto”, já que por carecer de personalidade jurídica, o MST não poderia tornar-se beneficiário direto das benesses dos cofres públicos. O que Cassel não contou foi que os 175 milhões repassados desde o início do atual governo chegaram ao MST através de dezenas de ONGs fajutas, irrigadas com dinheiro do tesouro nacional.
Foi tão gritante o choque de quantos ouviram o desmentido do ministro que o próprio presidente da Comissão de Agricultura, senador Walter Pereira, mesmo sendo do PMDB, não agüentou aquela imitação do Pinóquio encenada diante dele. Reagiu em nome do bom-senso.
A sinfonia tem que seguir a partitura
Irritou-se Aécio Neves com a manobra de alguns grão-tucanos empenhados em mandar para o espaço a realização de prévias no PSDB para a indicação do candidato presidencial. Está tudo acertado para, até fevereiro, ser realizada a consulta às bases do partido. Mesmo sabendo dispor de poucas chances de bater José Serra, o governador mineiro não abre mão dos compromissos celebrados há meses. O golpe de alguns colegas açodados poderá prejudicar o verdadeiro objetivo do maior partido de oposição nacional, que parece a apresentação da chapa Serra-Aécio, de potencial invulgar. A sinfonia tem que seguir a partitura…
Fonte: Tribuna da Imprensa
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