Milton Temer
Lamento pelos impacientes, mas volto a me preocupar com os desdobramentos do confronto delegado Protógenes x protetores do megaespeculador Daniel Dantas. E não o faço, como podem cogitar alguns, por estar preocupado em conquistar a qualquer preço a participação do delegado em uma das listas eleitorais do PSOL. Ou seja; não o faço pelo que desejo, e imagino poderá vir a acontecer, mas o faço pelo que já aconteceu. Seu desempenho corajoso na defesa da coisa pública, e contra o verdadeiro crime organizado em nosso País - o gerado pelos agentes do grande capital, que se escondem por trás dos vidros opacos das grandes corporações financeiras, operando em permanente ilegalidade consentida por podres Poderes - marcou um momento significativo na definição de campos na luta de classes em nosso País.
Semana passada, o ínclito juiz Ali Mazloum, em São Paulo, resolveu aceitar denúncia por supostas irregularidades, e transformou o delegado em réu do processo em que ele, a partir das investigações da Operação Satiagraha, reuniu as provas que levaram o megaespeculador Daniel Dantas à condenação por uma sequência de crimes contra a Receita, para além de formação de quadrilha. Provas que permitiram a cortes de Justiça, em vários países, determinar o bloqueio de suas contas no exterior. Cortes de Justiça, é verdade, bem menos vulneráveis a manobras de poderosos escritórios de advocacia que aqui protegem o meliante já condenado em primeira estância.
Não é surpreendente. Quem fizer uma consulta no Google, pesquisando sobre Ali Mazloum, não vai encontrar um currículo, mas uma comprometedora relação de bizarras referências. Destaque para as denúncias contra ele produzidas pela Operação Anaconda, onde a Polícia Federal e o Ministério Público da União fulminaram alguns luminares corrompidos da magistratura paulista. Vai encontrar, ainda, seu ponto em comum com Daniel Dantas. Também ele, Mazloum, livrou-se de denúncia de abuso de poder contra um policial rodoviário por conta de voto do implacável defensor dos fortes e protegidos, o também ínclito magistrado Gilmar Mendes, ora assinando ponto no Supremo Tribunal Federal.
Independentemente de qualquer definição ideológica por que o delegado Protógenes se transformou no alvo preferencial das classes dominantes brasileiras, através do fogo cerrado de seus representantes nas diversas instâncias de poder real - a partir da mídia conservadora, indo ao Congresso e ao Judiciário? Não foi por acaso. Sem se declarar revolucionário, ele vinha se afirmando como agente fundamental dos golpes mais certeiros contra essas classes dominantes.
Nos primeiros passos a ninguém ocorria conhecer os métodos de investigação que utilizara em algumas de suas missões anteriores; todos com grande repercussão no noticiário, sem que seu nome aparecesse. Hildebrando Paschoal, o deputado cassado e encarcerado pelos assassinatos de desafetos com motosserras; o chines de São Paulo, cujo nome não me ocorre, mas que todos lembram quando divulgado como o maior contrabandista brasileiro; Paulo Maluf, preso juntamente com o filho por crimes incontáveis; tudo isso teve mão e cérebro investigativo de Protógenes de Queiroz.
Mas até aí, os verdadeiros capos não tinham por que se preocupar. O delegado lidava com uma série de meliantes desprestigiados, embora poderosos. Nenhum outro delegado da Polícia Federal foi convocado, portanto, para investigar irregularidades na utilização do deputado Luiz Antonio Medeiros, fundador da pelega Força Sindical, na geração do flagrante que propiciou a prisão do contrabandista chines. Nem houve preocupação maior com a utilização de um doleiro na investigação que propiciou a prisão de Maluf. Por que? Porque não se cogitava, nesses casos, de ataque aos agentes essenciais do setor hegemônico das classes dominantes, entre os quais se inscreve, com destaque, Daniel Dantas. O mesmo Daniel Dantas que, no governo FHC, impunha ao presidente da República o constrangimento de se ver flagrado em conversas onde acertava, com seus acólitos no BNDEs, a fraude que beneficiaria Dantas no processo de privatização das telecomunicações.
Ou seja; na investida contra Dantas, Protógenes atacou o núcleo do grande capital brasileiro. Atacou, repetimos, não como revolucionário de esquerda, ou como futuro candidato a cargo eletivo. Atacou como agente do Estado com uma visão nova de sua obrigação - agente de Estado que não hesitou em neutralizar os donos privados do Estado, ferindo a velha tradição em que o aparelho policial sempre se movimentou, de proteger os poderosos e prender os pés-de-chinelo.
É nesse contexto que precisa ser compreendida a solidariedade a Protógenes. Porque as barreiras ideológicas e de formação profissional por ele rompidas para executar a prisão de Dantas, logo liberado pelo mais ouvido porta-voz da direita conservadora brasileira, o ministro Gilmar Mendes, são infinitamente mais difíceis de superação do que os obstáculos de caminho eventualmente encontrados pela maior parte dos tradicionais militantes das esquerdas partidárias. Nas universidades, nos movimentos sociais ou na luta sindical, a construção de consciências se dá no sentido oposto das lavagens cerebrais das Academias militares ou de Polícia. E, nesse cenário, mesmo sem o pretender, mesmo sem assim se definir, ele agiu como representante do mundo do trabalho na luta contra os agentes do capital. Dentro do aparelho do Estado, onde a força do capital ainda é a hegemônica.
A solidariedade a Protógenes não pode, portanto, se interromper. A derrota de Protógenes é a vitória de Daniel Dantas, de Gilmar Mendes e de todos os outros que se pretendam defensores do status quo, sob hegemonia do capital, dentro das instituições ditas republicanas.
Milton Temer é jornalista e presidente da Fundação Lauro Campos
Fonte: Socialismo.org
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