Dora Kramer
A CPI da Petrobras faz 20 dias hoje e, segundo consta, ainda não começou a funcionar porque a base do governo não se entende sobre a escolha do presidente e do relator. Com todo respeito (in) devido à confiabilidade da palavra de suas excelências, não é o que parece. Pelo balanço da carruagem, parece mesmo é que a CPI atrasa porque a base do governo está se entendendo muitíssimo bem.
Briga interna de verdade é negada, quando muito, amenizada. Mas aqui se observa o contrário: um empenho quase ansioso dos governistas em revelar detalhes da aludida guerra.
Uma hora é o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, que odeia o líder do PT, Aloizio Mercadante, outra é o petista que desanca o peemedebista, que intriga Mercadante com o presidente Luiz Inácio da Silva, que desautoriza o companheiro de partido e não se importa em ver o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, declarando que o bate-cabeça entre os aliados é realmente muito grave.
Isso tudo e ao Planalto não aflige o fato de a articulação política do governo no Senado ter virado uma baderna. Fala-se com a maior naturalidade de conversas fracassadas, de tentativas desastrosas de acertos, de ódios viscerais que até outro dia simplesmente não existiam.
Romero Jucá e Renan Calheiros, por exemplo: sempre tocaram de ouvido e de repente viraram inimigos.
O líder do PMDB alegara dificuldade para escolher os representantes na CPI por excesso de oferta, mas, de uma hora para outra, a motivação é oposta: falta mão de obra. Alguns senadores se recusam, outros são vetados pela ala adversária, uma dificuldade que nem a intervenção do presidente da República foi capaz de resolver.
Aliás, note-se que as divergências na base recrudesceram mesmo a partir na entrada de Lula na história, mandando cancelar um acordo com a oposição para a divisão do comando da CPI. Desde então, a base se desorganiza no Congresso enquanto, na rua, os sindicatos organizados abraçam prédios em defesa da pátria aí entendida com sinônimo de Petrobras.
Se alguma dúvida pudesse existir, a história do fogo amigo revelou-se de artifício na terça-feira, quando a CPI deveria abrir seus trabalhos. Não apareceu um governista, além do segundo suplente de senador Paulo Duque, para abrir e fechar a sessão na metade do tempo regulamentar.
Outra chicana dos governistas é a exigência da entrega do cargo de relator da CPI das ONGs, aberta desde 2007 e para a qual ninguém dá a menor bola. Esses dois estratagemas executados em conjunto evidenciaram a unidade da base aliada na execução da tarefa de protelar o início da CPI. Até quando, é a questão.
Pode ser que seja só até hoje, conforme o prometido. Mas também pode ser que a pendenga se estenda, obrigando a oposição a recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Um caminho perigoso. Da outra vez em que isso ocorreu, quando os governistas se recusaram a indicar integrantes para a CPI dos Bingos (aquela do caso Waldomiro Diniz), a CPI demorou para sair e começou bem no meio do escândalo do mensalão. Agora, o risco é a CPI da Petrobras acontecer em plena campanha eleitoral.
Vivendo e aprendendo
O presidente Luiz Inácio da Silva conquistou o direito de expor ideias desconexas, bem como se expressar em agressivo e arrevesado português, em razão de um acordo tácito segundo o qual sua origem de gente humilde o torna inimputável e enquadra como preconceito de classe qualquer crítica nessa área.
Fica, portanto, acertado que não se trata de exacerbação nacionalista com viés de oportunismo explícito a comparação entre a busca dos destroços do avião da Air France e os trabalhos de prospecção da Petrobras. “Um país que pode achar petróleo a seis metros de profundidade, pode achar um avião a 2 mil metros” é uma declaração sensata, lógica e absolutamente adequada à ocasião.
Da mesma forma, é plausível o seguinte raciocínio, desenvolvido por Lula sempre que nega querer um novo mandato: “É muito engraçado que as críticas (sic) que fazem aos presidentes da Amé-rica Latina que querem um terceiro mandato não se fazem aos primeiros-ministros na Europa que ficam 16 ou 18 anos”.
Não há erro nem sombra de má-fé na comparação entre regimes presidencialistas – de mandatos fixos, legalmente interrompidos apenas por processos de impeachment – e parlamentaristas, cujos governos podem ser derrubados a qualquer tempo mediante voto de desconfiança do parlamento.
A tolerância é um dom. Mas o problema de tolerar o intolerável é que, uma vez rompida a barreira do aceitável, perde-se a percepção dos limites, o senso crítico e a noção do ridículo.
De fato
O Brasil realmente não é “comandado pelos ruralistas”, como afirmou o ministro Carlos Minc. Embora seja, em boa medida, sustentado.
Fonte: Gazeta do Povo
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quinta-feira, junho 04, 2009
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