Ricardo Brito e Izabelle Torres
Desde meados da década de 1990, quando foi promovido ao topo da carreira do Ministério Público Federal (MPF), o curitibano Miguel Guskow mora com a família numa confortável casa no Lago Sul, de propriedade da União. Há cinco anos, o então subprocurador-geral da República pediu aposentadoria do cargo no rastro de investigações contra ele feitas pelos seus pares do MPF. Ele foi denunciado por crime contra o sistema financeiro nacional, exploração de prestígio e falsidade ideológica. Por lei, o servidor público aposentado tem de desocupar imediatamente o imóvel funcional. Contudo, Guskow avisa que não sai de lá por ter feito benfeitorias na casa.
Não fosse pouco, subprocuradores de fora da capital perderam em setembro de 2006, por força de ato do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, direito ao auxílio-moradia de R$ 1,8 mil para trabalharem em Brasília. Um subprocurador ganha por mês R$ 23.275.Para completar a situação, o Ministério Público tem dois apartamentos funcionais de luxo na Asa Sul vagos há mais de dois anos. "Isso é uma imoralidade", critica o subprocurador Moacir Guimarães. "É uma situação, no mínimo, vexatória", completa o também subprocurador Alcides Martins, um dos que pagam do próprio bolso para viver num flat durante a semana de trabalho.
Em março de 2004, um mês depois de ser aposentado, Miguel Guskow teve cassada sua outorga de uso do imóvel. No final daquele ano, a pedido do MPF, a Advocacia-Geral da União moveu na 21ª Vara Federal uma ação de reintegração de posse contra ele. Contudo, o subprocurador aposentado informou na ação que, desde 1998, tentava comprar a propriedade, o que paralisou o andamento do processo. Em 16 de fevereiro último, o juiz Hamilton de Sá Dantas mandou prosseguir a ação porque a União não aceitou liberar o imóvel para venda.
Em resposta por e-mail, Guskow disse que pretende ser ressarcido pelas benfeitorias e, se não o for, ainda deseja comprar o imóvel. Embora concorde com a afirmação de que o uso da casa cesse com a aposentadoria, ele ressalta que a "lei garante o direito de retenção por benfeitorias". Uma casa simples na Quadra 13 do Lago Sul, onde ele mora desde 1994, não sai por menos que R$ 800 mil. Ele paga apenas uma taxa de ocupação à União.
Por outro lado, dois imóveis da reserva técnica do MPF estão vazios. Na SQS 203 Sul, Bloco C, um apartamento de quatro quartos e 190 m² de área útil está fechado há dois anos. Moradora do imóvel desde 1991, Elizete Pinheiro da Costa, viúva do subprocurador Roberto Casali, tentou várias vezes, sem sucesso, comprar o imóvel. Em 2007, deixou o apartamento. Desde então, os cofres públicos bancam R$ 710 de condomínio do imóvel ocioso e fechado. Problema idêntico ocorre num apartamento na 316 Sul, Bloco F. Gasta-se atualmente R$ 730 de condomínio num imóvel vazio que deveria ser ocupado pelo procurador-geral da República, que optou morar na própria residência. Funcionários do prédio afirmam que o apartamento de quatro quartos está abandonado há quatro anos e possui vazamentos, pisos quebrados e paredes dos banheiros sem azulejos. Pela avaliação do mercado, os dois imóveis ociosos valem cerca de R$ 1 milhão cada.
Briga de egos
Subprocuradores que não têm moradia em Brasília se queixam, reservadamente, de que Antonio Fernando de Souza privilegia colegas mais afinados com ele na Procuradoria-Geral da República na hora de escolher os imóveis. O órgão afirma que o principal critério para ocupar um imóvel funcional é não ter residência fixa na capital. Mas não explica, no entanto, por que alguns subprocuradores não conseguem a benesse, apesar de não terem casa própria aqui.
Servidores do órgão ouvidos pela reportagem dizem que há uma briga de egos pelo loteamento dos imóveis. De um lado, o grupo ligado a Antonio Fernando teria prioridade de ocupação dos imóveis em detrimento de outros subprocuradores mais independentes. Esses, por sua vez, fazem um lobby dentro da corporação contra a venda dos imóveis, até mesmo dos que estão vazios. Em 2005, o próprio Antonio Fernando articulou, sem sucesso, um movimento para comprar o apartamento onde morava.
Diante do que entendem como distorções, os subprocuradores preteridos estudam mover uma ação na Justiça para ter alguma compensação da União. Eles sustentam que, se não moram num imóvel funcional, deveriam receber alguma ajuda de custo para pagar a hospedagem em Brasília. "Há um tratamento desigual entre os subprocuradores", observa Moacir Guimarães. No meio da briga de parte dos 62 subprocuradores, gastar mais dinheiro público pode ser a solução para o impasse.
Fonte: Correio Braziliense (DF)
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