Na semana passada, estarreceram-me as interpretações dadas por alguns meios de comunicação sobre o episódio em que se envolveu Ronaldo na belíssima noite carioca. Que o fato foi pitoresco ninguém tem dúvida alguma, mas querer extrair do acontecido definições equivocadas a respeito das opções comportamentais do craque é um claro exagero. Quando não, sensacionalismo. Podemos admitir que ele tenha sido ingênuo ao não discernir entre uma mulher e um travesti, mas me digam: quem nunca se enganou em uma questão como esta? Sem pretender comparar as qualidades físicas das que com ele estiveram naquele motel com a que passo a me referir, diria que uma das mulheres mais lindas que já vi na vida foi Roberta Close. A qual, apesar da aparência mais que feminina, de ter sido escolhida a mais bela do País em determinada ocasião e capa das principais revistas masculinas nos anos 80, era definida como Homem em sua carteira de identidade no espaço dedicado ao sexo. Feliz ou infelizmente, jamais tive a chance de me aproximar dela, pois erraria feio, como Ronaldo. Depois da escolha equivocada, o cidadão Ronaldo foi claramente vítima de uma tentativa de extorsão, como, aliás, vários brasileiros já o foram nas mesmas condições, inclusive e, eventualmente, pelas mesmas pessoas. Agora, querer levar o assunto para outras plagas é pretender destruir um ser humano que em várias ocasiões demonstrou ser alguém muito maior do que a pequenez dessas ridículas linhas editoriais. Não falo do jogador, apenas do seu lado profissional, e sim do indivíduo que ultrapassou as fronteiras do campo de jogo para emprestar sua imagem vencedora em prol dos mais necessitados. E não venham me falar em demagogia, porque no rosto de quem se expõe transparece o compromisso com suas atitudes. E Ronaldo sempre se entregou verdadeiramente a essas causas, mesmo sem entender muito bem o resultado concreto de suas intervenções. Compará-lo a David Beckham é outra besteira da grossa. O inglês nasceu para ser bom moço, o que, inevitavelmente, leva os conservadores e reacionários a utilizá-lo como referência. Ronaldo não é um certinho, gosta do que é bom e aí se incluem sexo e mulheres. Além de festas, amigos, cervejas e gargalhadas. Como eu, aliás. Seria como me colocar na mesma cumbuca do meu irmão Raí, uma figura excepcional, da qual extraio muita coisa boa, graças ao privilégio de poder com ele compartilhar múltiplas ocasiões. Porém, somos muito diferentes, ainda que com o mesmo grau de compromisso com a nossa nação. Sou agressivo, ele não. Sou extrovertido, ele não. Gosto de estar com gente, de trocar experiências, de conviver com todo tipo de ser humano, e ele já tem mais dificuldade, gosta de estar só, de curtir sua genial sensatez, isolado e tranqüilo – nada de confusão. Por isso, ele é São Paulo e eu, Corinthians. Analogia absolutamente compatível com nossas personalidades. Ele fez a sala Raí no Morumbi e eu, um dia, espero, terei o boteco do Magrão, no sonhado estádio da fiel. Ronaldo sabe, mais do que ninguém, dos processos relativos à sua própria imagem. Tem plena consciência de que muitos dos nossos prazeres, mesmo distantes do longínquo maio de 1968 e suas conquistas libertárias, em particular no quesito sexo, são questionados pela face mais antiga da nossa sociedade, ainda que muitas vezes a mais promíscua de todas. Mesmo assim, e assino embaixo, não abre mão de usufruir como lhe cabe. Gostar de festas e mulheres não é crime nem para as igrejas que tentam nos converter em pequenos deuses humanos, desde que tenhamos o altruísmo de lhes oferecer o dízimo. Inverter essa lógica é muito mais que sacanagem, é má-fé. Levantar suspeitas de consumo de cocaína ou de qualquer outro tipo de droga e de homossexualismo é de extrema maldade, pois quem o acompanha, por jornais e revistas, que seja, sabe que em momento algum se viu em seu olhar qualquer sinal de estar drogado. E quem saiu e casou com as belezas que ele conquistou não pode gostar de travestis. Esta mesma mídia careta que o quer derrubar foi aquela que não soube valorizar o gesto de Leandro, em 1986, que abdicou de seu posto no Mundial do México, e por conseqüência de sua carreira, em solidariedade a um colega. A mesma mídia que não sabe participar da educação do nosso povo, pois a ela não interessa que isso aconteça. É infame, ridícula e absolutamente irracional. Que se dane!
Sócrates
Fonte: Carta Capital
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domingo, maio 11, 2008
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