BRASÍLIA - O anúncio histórico do Banco Central de que o Brasil tornou-se credor externo em janeiro surpreendeu até mesmo assessores do Ministério da Fazenda. A expectativa era que os ativos brasileiros em moeda estrangeira só ultrapassassem a dívida externa brasileira (pública e privada) por volta de março, com o aumento das reservas internacionais brasileiras.
O que mais surpreendeu foi a decisão do BC de antecipar o anúncio agora, sem esperar a próxima divulgação das contas externas, marcada para a segunda-feira. "O BC se antecipou na divulgação e ele não costuma se antecipar", disse uma fonte. "Sem dúvida, foi uma ação de marketing", completou a fonte, numa demonstração de que a forma de divulgação do estudo desagradou a equipe da Fazenda.
A expectativa anterior do governo era de fazer um anúncio oficial, quando esse momento histórico chegasse, provavelmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, estava ontem no Palácio do Planalto em reunião sobre Reforma Tributária, quando o BC divulgou o informe. Somente no meio da tarde, horas depois do anúncio, a Fazenda informou que Mantega daria uma entrevista, no Rio, para comentar o anuncio do BC.
Como o estudo do BC não deu mais detalhes sobre a redução da dívida externa líquida, os assessores do Ministério da Fazenda especularam sobre o motivo de o País já ter se tornado credor em janeiro. Uma das possibilidades para é de que tenha havido cancelamento da dívida externa privada, só agora registrado pelo BC. O mercado, porém, não identificou nenhum movimento nessa direção.
Aumento de ativos
Há também outra possibilidade, de aumento de ativos do Brasil no exterior que foram registrados pelo BC. Esses ativos têm crescido fortemente, nos últimos anos, com aquisições feitas por empresas brasileiras no exterior. O anúncio alimentou ainda mais os rumores que circulam no mercado financeiro de que o Brasil receberá em breve a melhora na classificação de seu rating pelas agências de classificação de risco, com a concessão do grau de investimento ao País.
A maior expectativa, no entanto, é de que a melhora ocorra somente depois de julho, quando se completa um ano e dois meses do último upgrade concedido pela Standard & Poor's. Em maio de 2007, a agência elevou o rating soberano do Brasil para BB+ para moeda estrangeira, com "perspectiva positiva". Pelos cálculos da própria S&P, em 73% dos casos dos países que recebem a nota "perspectiva positiva" a avaliação se torna um upgrade em um prazo de um ano e dois meses. A resistência mostrada às turbulências internacionais pode favorecer o Brasil.
Brasil deve reduzir dívida pública interna
No Rio de Janeiro, o ex-ministro do Planejamento, João Paulo de Reis Veloso, diz que agora queo Brasil é credor na dívida externa líquida, o governo deveria se esforçar mais para reduzir a dívida pública interna em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
O ex-ministro de Planejamento e organizador do Fórum Nacional, lembra, em entrevista, que a passagem de devedor a credor líquido deve-se aos seguidos saldos positivos em conta corrente (formado pelos resultados das balanças comercial, de serviços e a conta de transferências unilaterais) obtidos pelo País nos últimos anos.
"Esse superávit em conta corrente temporariamente é bom, principalmente num momento de turbulência internacional, mas não é uma situação para permanecer para sempre", disse. Veloso lembrou que um país com superávit em conta corrente é exportador de poupança "por definição" e entende que em um cenário externo mais tranqüilo seria melhor que o Brasil fosse importador de poupança externa e tivesse déficits "não muito grandes" nas transações correntes com o exterior.
"Um país como o Brasil ser credor líquido é como uma empresa sem dívida: não é uma situação normal, mas como o ambiente internacional como está, é bom", afirmou. "Isso permite a gente não ficar preocupada quando há saída de hot money como houve recentemente na Bolsa, do sujeito vender ação aqui para cobrir prejuízo na Bolsa de Nova York", afirmou.
Crise e melhora fiscal
Reis Velloso observa que o resultado em conta corrente está mudando e deve fechar o ano em déficit, mas entende que, mesmo com crise externa, o Brasil não terá problemas como os que teve em crises passadas por não ter dívida e ter grandes reservas.
O ex-ministro defende que o governo melhore sua situação fiscal, reduzindo a dívida em relação ao PIB e deixando mais recursos para o setor privado, que tem mais propensão a importar.
Aumentando a importação, o dólar deve se valorizar. "O câmbio continua flutuando só para baixo e isso prejudica muitos setores", disse, defendendo o aumento da importação, com conseqüente influência negativa sobre o resultado em conta corrente, para reduzir a desvalorização do dólar.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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