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quinta-feira, agosto 04, 2022

Procurador de contas defende junto ao TCU regularidade de gastos da Lava Jato




O procurador Rodrigo Medeiros de Lima, do Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas da União, defendeu que a corte julgue regulares as contas de ex-integrantes da extinta força-tarefa da Lava Jato e arquive processo sobre supostas irregularidades na gestão administrativa do grupo, em valores gastos em diárias, passagens e gratificações de desoneração de procuradores que atuaram na operação.

Lima defende dar 'quitação plena' ao grupo alvo do procedimento no TCU: o ex-procurador chefe do Ministério Público no Paraná Januário Paludo; o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros; o ex-chefe da força-tarefa Deltan Martinazzo Dallagnol; e os procuradores João Vicente Beraldo Romão, Isabel Cristina Groba Vieira, Antonio Carlos Welter, Jerusa Burmann Viecili, Carlos Fernando dos Santos Lima, Diogo Castor de Mattos e Orlando Martello Júnior.

Em documento datado desta terça-feira, 2, Lima ainda defende que o caso seja analisado diretamente pelo Plenário da corte de contas, em razão da 'relevância da matéria, com reflexos incidentes sobre procedimentos de gestão a cargo do Ministério Público Federal', em especial por se discutir 'economicidade da forma de atuação finalística' do órgão.

O procurador diz que sua conclusão está em linha com o entendimento da área técnica do tribunal, que considerou que o modelo de trabalho da força-tarefa foi adotado a partir de 'experiência exitosa do Ministério Público Federal no caso Banestado e Contas CC5 e de estudos cristalizados no Manual "Forças-Tarefas: direito comparado e legislação aplicável - MPF", elaborado a pedido da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão'.

Apesar de não ver dano ao erário com os gastos questionados no âmbito da tomada de contas, Lima reconhece que, de 2014 a 2020, 'foram despendidos recursos de grande materialidade a partir da constituição da principal base da força-tarefa em Curitiba, com gastos decorrentes do pagamento de diárias e passagens de mais de R$ 4 milhões'. Ele diz que 'o alto volume de despesas com diárias e passagens aéreas deve ser motivo de reflexão da alta administração' do órgão.

O procurador pontua que o então procurador-geral da República Rodrigo Janot seria o 'único que teria, em princípio, condições de questionar gastos à época', o que não foi feito. No entanto, Lima diz que não há como caracterizar a irregularidade em sua 'a ponto de julgar irregulares suas contas no processo' pois 'seria exigível que o então PGR vislumbrasse, de antemão, o ulterior agigantamento das investigações da Lava Jato'.

"Não há como imputar aos demais responsáveis arrolados nos autos - o então Procurador-Chefe da Procuradoria da República no Paraná e os membros que atuaram na FTLJ em Curitiba, incluso seu coordenador, Sr. Deltan Martinazzo Dallagnol -, responsabilidades próprias da área de administração do MPF (avaliação da economicidade dos gastos com passagens aéreas e diárias), fora do rol da área finalística afeta aos Procuradores e Procuradores Regionais da República que atuaram na força-tarefa ora questionada. Além do PGR, por sua condição de chefe da instituição, os questionamentos veiculados nas citações seriam da alçada, por exemplo, do Conselho Superior do Ministério Público Federal e, de modo mais específico, da SG/MPF", registra o documento.

O procurador ainda ressaltou que, em razão da falta de regulamentação, à época, para o pagamento de diária para integrante da força-tarefa que residia em Curitiba, 'não há nem como atestar a legalidade do pagamento integral de diária nessas condições nem como exigir a devolução, parcial ou total, dos valores das diárias'.

Um terceiro tópico analisado pelo procurador foi a possível irregularidade na escolha dos membros do MPF para atuação na força-tarefa, que não contaria com critérios objetivos. Lima entendeu que apesar da constatação de tal 'falha', corrigida somente em 2020, 'não há evidências de usufruto ilegal ou ilegítimo de diárias no caso sob exame' nem 'indícios de que tenha havido quebra do princípio da impessoalidade na designação dos procuradores que atuaram na força-tarefa'.

"Da leitura do resumo das alegações de defesa (peça 240), verifica-se que, em regra, a expertise dos PRs e PRRs citados nos autos para a atuação funcional em temas ligados ao combate à corrupção pode ser depreendida de seus currículos, o que permite concluir que tais membros do MPF possuíam qualificação para atuação na FTLJ e afasta suspeitas de desvio de finalidade na escolha dos procuradores", sustentou.

Estadão / Dinheiro Rural

Bolsonaro, em modo desespero




Por Ricardo Noblat (foto)

A alguns dos seus ministros, Bolsonaro confidenciou que aceitou o convite da Rede Globo de Televisão para ser entrevistado ao vivo pelo Jornal Nacional no próximo dia 22.

Embora trate a Globo como “lixo”, ele admite que não pode desperdiçar a chance de falar ao telejornal de maior audiência do país. Record, SBT, Rede TV, Jovem Pan que o perdoem.

Bolsonaro entrou em agosto, o mês do cachorro louco, batendo no sistema eleitoral brasileiro, em ministros do Supremo Tribunal Federal e nos que assinaram a Carta pela Democracia.

Na verdade, são duas cartas. Uma da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com mais de 600 mil assinaturas de professores, juristas, intelectuais, empresários e banqueiros.

A outra carta, chamada de manifesto ou documento, foi iniciativa da Federação das Indústrias de São Paulo, apoiada pela Associação Comercial de São Paulo e a Federação Brasileira de Bancos.

Embora sem citar Bolsonaro nem o governo, a primeira carta diz que a democracia no Brasil corre perigo. Menos incisiva, a outra sugere algo parecido ou se limita a defender a democracia.

Bolsonaro já disse que não assinará nenhuma delas porque não precisa provar que é um democrata. Uma piada. Democrata não defende ditadura, tortura e fuzilamento de presos políticos.

Democrata não tenta desacreditar as urnas eletrônicas que lhe deram cinco mandatos de deputado e um de presidente. E não reúne embaixadores para falar mal do seu próprio país.

Quem está louco no mês em que os cachorros costumam entrar no cio é ele, que tem dito que reagirá à bala se um dia receber ordem de prisão. Está convencido de que assim será se não se reeleger.

Daí ter entrado em modo desespero, segundo comentário de um dos seus ministros. Acha que será processado (sentimento de culpa) e que seus filhos se tornarão alvos fáceis de investigações.

Alguns dos seus auxiliares dizem que Bolsonaro está “transtornado”, outros que está “descontrolado”, outros que ele chega a chorar às vezes por julgar muito difícil se reeleger.

“Nunca serei preso”, repete com frequência. Sente-se perseguido pela Justiça e aponta como seus algozes os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo.

Estica a corda quando fala deles com a esperança de que os militares não o abandonem se for o caso de aplicar o golpe. Vê o próximo 7 de setembro como data para demonstrar sua força.

Nesse dia, quer misturar militares e bolsonaristas em desfile na praia de Copacabana ao final da tarde. Em Brasília, na parte da manhã, pretende que a parada militar seja a maior da história.

Orientado por ele, o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, enviou um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral com o selo de “urgentíssimo” pedindo acesso aos códigos-fontes das urnas.

O tribunal respondeu que o acesso foi liberado há 11 meses e que as Forças Armadas sabem disso. O general se faz de bobo porque quer, só para criar tumulto e ajudar o seu supremo chefe.

No que de fato importa, as eleições, Bolsonaro vai mal. Em Minas Gerais, o terceiro maior colégio eleitoral do país, não conseguiu o apoio do governador Romeu Zena (Novo), líder das pesquisas.

Jornal Metrópoles

As contas no azul, e os juros em alta




Governo diz que pode fechar o ano com superávit primário, mas a verdade é que as taxas de juros estão em alta pela falta de confiança nas contas públicas

Por Alvaro Gribel (foto)

O Banco Central vai anunciar hoje um novo aumento nos juros, e o Tesouro vem pagando taxas ao mercado tão altas quanto as do pior momento do governo Dilma. Apesar disso, o ministro Paulo Guedes e sua equipe têm dito ao país que as contas públicas estão em ordem. A prova seria a chance de o governo federal ter superávit primário este ano, ou seja, fechar no azul, ainda que com antecipação de dividendos das estatais, que deveriam compor o orçamento do ano que vem, e de uma superarrecadação que tem inflado os cofres do Tesouro, dos estados e municípios.

Se as contas estivessem mesmo no azul, com o país voltando ao equilíbrio depois de sete anos de déficit, seria um fato extraordinário. E isso, naturalmente, levaria à queda dos juros. Mas a melhora é pontual, e as taxas estão em alta justamente pela falta de confiança nas contas públicas.

O economista-chefe de um grande banco, que teve passagem pelo setor público, me fez um alerta: o anúncio de um plano fiscal pelo próximo presidente pode não ser suficiente para acalmar o mercado. O cenário atual é de um país que perdeu credibilidade, e agora parte dos investidores quer “ver para crer”. A explicação, disse, é que a atual legislatura, sustentada pelo trio Bolsonaro, Pacheco e Lira, banalizou as mudanças na Constituição, com a aprovação de PECs em série, muitas em regime de urgência.

— Em 2016, o Congresso aprovou o teto de gastos e o mercado antecipou a queda das taxas longas de juros. Houve um ganho imediato. Muita gente no mercado acha que isso não vai acontecer novamente. Todos viram como ficou fácil neste governo mexer na Constituição para aumentar despesas — afirmou.

A verdade é que as leis do país foram alteradas de maneira irresponsável nos últimos 12 meses. Com a política fiscal frouxa, de um lado, o aperto monetário terá que ser mais forte, de outro. Por isso, a Selic subirá mais uma vez hoje, e o país passará mais tempo convivendo com juros elevados e, portanto, baixo crescimento.

O cofre do Tesouro

Para se ter uma ideia de como a arrecadação do governo federal subiu de forma pontual, a receita primária total chegou a 18,8% do PIB este ano. Com as desonerações, caiu para 18,2%. As estimativas do Tesouro para o restante da década, no entanto, apontam para uma volta à normalidade já a partir do ano que vem, com números na casa dos 17% até 2030. Ontem, Bolsonaro fez nova promessa de corrigir a tabela do IR em caso de reeleição. A isso se somará o auxílio de R$ 600, os cortes de impostos e agora a briga em torno do ICMS. O mercado faz as contas e percebe que os números não fecham e cobra mais caro para financiar a dívida pública.

O cofre dos estados

Os estados estão com os cofres cheios. O dinheiro em caixa subiu de R$ 60 bilhões, em 2019, para R$ 220 bi, em 2022. O que ajudou a arrecadação foi a inflação de commodities. O problema de o Congresso mexer na cobrança do ICMS é que o dinheiro em caixa é uma espécie de poupança, enquanto a queda do imposto vai reduzir o fluxo de recursos de forma permanente. Além de um contrassenso econômico, a medida fere a autonomia tributária estadual. Por isso, as liminares de alguns ministros do STF estão tentando consertar o que nasceu torto. A reunião ontem com Gilmar Mendes foi descrita como “preliminar” pelo Comsefaz.

A indústria patina

O gráfico não deixa dúvidas de que o quadro na indústria de transformação é de estagnação crônica. O setor continua muito abaixo de janeiro de 2015, quando entrou em queda livre após a reeleição da presidente Dilma, e até hoje não recuperou o nível pré-pandemia. O setor teve duas quedas com recuperação em “V”, depois da greve dos caminhoneiros, em 2018, e mais recentemente, com a crise sanitária. Apesar disso, sempre perde fôlego e oscila, com períodos de altos e baixos, sem crescimento de fato.

O Globo

Consequências da libertação




O direito das mulheres é fundamental para uma sociedade justa e eficiente

Por Tiago Cavalcanti*

Uma das principais transformações observadas nos mais variados países nas últimas décadas, com consequências profundas na renda, cultura e na formação das famílias, foi o aumento de participação feminina no mercado de trabalho.

Essa transformação não aconteceu de um dia para o outro e sem esforços de pessoas e mobilizações sociais que se dedicaram à questão. O movimento para os direitos das mulheres foi fundamental para elas terem voz e alcançarem conquistas importantes.

No país, 36% dos ganhos de produtividade entre 1970 e 2010 podem ser atribuídos à maior participação feminina

Em seu livro Sapiens, o historiador Yuval Noah Harari descreve como em algumas sociedades as mulheres eram propriedades dos homens (pai ou marido). O estupro de uma mulher nessas sociedades era uma violação de propriedade e a vítima era o homem que tinha o direito sobre a mulher. Em inúmeros lugares, ainda hoje em dia, o marido não pode ser preso por violentar sexualmente sua esposa.

Outros direitos importantes foram adquiridos ao longo do tempo. No Brasil, até 1962, as mulheres precisavam de aprovação legal do marido para trabalhar e só a partir de 1974 passaram a poder receber crédito sem a autorização do cônjuge. Assim, as mulheres eram juridicamente controladas pelos maridos.

Em 1970, mais de 90% dos médicos e advogados eram homens no Brasil. De acordo com nosso último Censo Demográfico de 2010, aproximadamente 50% dos nossos médicos e advogados eram mulheres.

Em várias profissões antes dominadas por homens, as mulheres elevaram sua participação relativa nos últimos 50 anos. Fenômeno parecido ao observado no Brasil aconteceu em muitos países, como nos Estados Unidos. Em outros lugares essas mudanças não foram tão visíveis, como na Índia. Há ainda no Brasil e nos Estados Unidos profissões que são dominadas por homens, como, por exemplo, de engenheiros.

Não existe nada inerente aos homens que os tornem mais competentes do que as mulheres na medicina, advocacia, engenharia e outras profissões. O viés deve refletir diferenças na formação do capital humano (ex. a ideia de que as mulheres não são boas em matemática) ou alguma forma de discriminação de gênero no mercado de trabalho.

Ocorre também que a carreira das mulheres pode ser interrompida pela maternidade, afetando a progressão profissional, o ganho de experiência continuada e a remuneração. De fato, o diferencial de salários entre homens e mulheres é maior para as trabalhadoras que são mães do que para as que não são. A diferença é significativa: no Brasil, as mulheres com filhos ganham 67% do salário dos homens, enquanto as que não são mães recebem cerca de 80% do que os homens.

O grosso das atividades domésticas ainda são exercidas pelas mulheres e quanto mais filhos, maior é a demanda por tais atividades. O custo profissional causado pela maternidade pode variar bastante entre profissões. Algumas ocupações exigem maior presença física, de contatos diretos com clientes, viagens ou longas horas de atividades, dificultando a conciliação do trabalho com os afazeres domésticos e a formação de uma família segundo as normas sociais vigentes.

Quando escolhem formar uma família, as mulheres podem buscar ocupações onde os custos de oportunidade de ter filhos não são tão elevados. Por exemplo, no magistério, profissão dominada por mulheres, as férias dos pais tendem a coincidir com as dos filhos. Trabalhos que podem ser feitos remotamente parecem relativamente mais atrativos para mulheres com filhos. De fato, a taxa de natalidade das mulheres varia entre ocupações, mesmo ajustando pelos anos de escolaridade.

As transformações no mercado de trabalho brasileiro e americano elevaram a concorrência em várias profissões, gerando importantes ganhos de eficiência. Em artigo recente (“Women and Men at Work: Fertility, Occupational Choice and Development”) que escrevi com os pesquisadores Letícia Fernandes, Laísa Rachter e Cézar Santos, procuramos calcular os ganhos de produtividade atribuídos à melhor alocação de talentos com a queda de barreiras à participação feminina no mercado de trabalho.

Em nosso modelo, a escolha profissional e da família são decisões conjuntas que dependem das normas sociais, das barreiras à participação feminina no mercado de trabalho e da penalidade que as mães enfrentam em termos de salário quando têm filhos. O modelo replica a participação dos homens e das mulheres que são mães ou não nas diferentes profissões.

Nossos resultados analíticos e quantitativos sugerem que 31% do aumento da produtividade dos EUA nos últimos 50 anos pode ser atribuídos à melhor alocação de talentos com a queda de barreiras (redução de viés oculto da discriminação, mudanças nas normas sociais) quanto à participação de mulheres em algumas ocupações. As mulheres que mais se beneficiaram foram aquelas com filhos.

No Brasil, nossos cálculos sugerem que 36% dos ganhos de produtividade observados entre 1970 e 2010 podem também ser atribuídos a essa melhora da alocação do trabalho com a maior participação feminina em várias profissões. A maior concorrência elevou a produtividade e os ganhos de eficiência alocativa foram acompanhados por uma maior diversidade.

Até hoje, os homens preferem mulheres que são menos ambiciosas profissionalmente. Fato demonstrado por experimentos controlados, conduzidos com estudantes de MBA da Universidade de Harvard. Tal estudo foi conduzido pelos brasileiros Leonardo Bursztyn e Thomas Fujiwara junto com a norte-americana Amanda Pallais.

O direito das mulheres é fundamental para uma sociedade justa e eficiente. A oferta de creches e escolas em tempo integral são importantes não só para o capital humano futuro das nossas crianças, mas também para apoiar as mães que trabalham, com efeitos positivos nas normas sociais de longo prazo.

*Tiago Cavalcanti é professor de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.

Valor Econômico

Balança comercial no mundo em conflito - Editorial




Nosso comércio exterior ainda vai bem, mesmo com mudanças bruscas no mundo, mas já começa a sentir efeitos negativos

A balança comercial continua a registrar resultados expressivos, que vêm garantindo uma situação confortável para o País na área externa. Não é pouco para uma economia que, embora venha demonstrando certo vigor, ainda está fraca. As projeções para o crescimento da economia neste ano estão sendo gradualmente revistas para cima por órgãos do governo e instituições privadas, mas ainda assim o resultado final será modesto e deixará um peso para o desempenho no ano que vem. Nesse ambiente, é animador o crescimento contínuo das exportações e das importações, com a consequente expansão da corrente de comércio (soma das vendas e compras externas), assegurando saldos expressivos.

Em julho, as exportações registraram crescimento de 23,0% sobre as de um ano antes. As importações cresceram em ritmo mais acentuado, com aumento de 41,6% sobre julho de 2021. Desse modo, o saldo comercial vem se contraindo. O de julho, de US$ 5,444 bilhões, foi 22,7% menor do que o de um ano antes. No acumulado do ano, o saldo de US$ 39,750 bilhões é 10,4% menor do que o dos primeiros sete meses de 2021. Por esse lado, não há motivo para preocupação. Embora menor, o saldo ainda é confortável, e o governo continua a projetar superávit comercial de US$ 81,5 bilhões no ano. 

Alterações bruscas, e intensas em certos casos, no cenário mundial, porém, vêm sinalizando mudanças na evolução da balança comercial do País que, embora ainda discretas, talvez recomendem alguma atenção. A guerra na Ucrânia vem afetando o fluxo comercial mundial desde seu início, em fevereiro deste ano. Produtos de grande impacto no comércio mundial, e no atendimento de necessidades de populações de muitos países, tiveram sua comercialização suspensa ou fortemente reduzida, com impactos brutais sobre os preços.

A reversão da recuperação da economia mundial, que se observava desde que a pandemia passou a arrefecer, reduziu a demanda de muitos produtos, o que, para os resultados do comércio em valores, foi compensado em parte pela alta dos preços. A economia da China, motor da economia mundial em outros períodos de queda da atividade produtiva, vem apresentando seus piores resultados em muitas décadas.

A China é, há anos, o principal destino dos produtos brasileiros, especialmente minérios e commodities agrícolas. Em julho, as exportações do País para a China, Hong Kong e Macau caíram 0,5%, somando US$ 7,98 bilhões. No resultado acumulado do ano, a queda é de 1,1%. As importações brasileiras da China, de sua parte, aumentaram 31,0%.

As exportações brasileiras para outros grandes mercados, como os Estados Unidos, Argentina e União Europeia, continuam em expansão. Mas o resultado acumulado de 12 meses na comparação com o período imediatamente anterior, embora continue aumentando, mostra perda de vigor. As exportações, que até fevereiro cresciam a um ritmo próximo a 40%, agora crescem pouco mais de 20%. 

De onde quer que se olhe, portanto, o Brasil começa a sofrer os efeitos das mudanças aceleradas no cenário internacional, e seria prudente começar a se preparar para um horizonte bem mais desafiador, que já se avizinha. 

O Estado de São Paulo

Picaretagem na ciência: milhões de dólares podem ter sido desperdiçados em pesquisa fraudulenta sobre Alzheimer.




Apesar de ser relutante em afirmar a certeza de fraude, Matthew Schrag medita: “Você pode trapacear para publicar um artigo. Pode trapacear para conseguir uma verba. [Mas] não pode trapacear para curar uma doença". 

Por Eli Vieira (foto)

Uma aparente fraude pode ter resultado no desperdício de milhões de dólares de financiamento público destinados às pesquisas sobre o Alzheimer, atrasando a descoberta da cura da doença. Investigações conduzidas pelo médico neurocientista Matthew Schrag, da Universidade Vanderbilt, no estado americano do Tennessee, e pela revista Science apontaram sinais de imagens adulteradas ou duplicadas em dezenas de artigos científicos, alguns deles importantes para a aprovação do medicamento Simufilam, da farmacêutica Cassava Sciences.

A doença de Alzheimer, um tipo de neurodegeneração que afeta principalmente a memória dos idosos, ainda é incurável. Diferentes intervenções que reduzam o risco já foram propostas: de tomar café a fazer palavras cruzadas e tomar uma dose anual da vacina para gripe. Há também um componente genético. Quando teve o seu genoma sequenciado em 2007, o codescobridor da estrutura do DNA James Watson não quis saber se carregava variantes genéticas de predisposição para a doença, pois “não há muito o que possamos fazer”.

Uma das bases genéticas propostas para o Alzheimer envolve a proteína beta-amiloide, que se acumula em placas nos neurônios, prejudicando sua função. Diferentes tentativas de desenvolver drogas com base nessa hipótese fracassaram. Com o Simufilam veio algo novo: aparente fraude.

Schrag foi contratado por um cachê de 18 mil dólares como investigador pelo advogado de dois outros neurocientistas interessados na falência da Cassava Sciences, segundo reportagem da revista Science. Schrag analisou a literatura científica e encontrou sinais de imagens adulteradas ou duplicadas em dezenas de artigos, incluindo aqueles dos quais a aprovação da droga depende. O relatório da investigação foi enviado às principais agências de fomento de pesquisa dos Estados Unidos.

Um dos artigos impugnados pela investigação de Schrag é um estudo publicado na revista Nature em 2006 citado por mais de dois mil outros estudos, segundo o próprio periódico, que acrescentou uma nota de preocupação à publicação. O primeiro autor é Sylvain Lesné, da Universidade de Minnesota. O artigo relata a descoberta de um subtipo da beta-amiloide que causaria demência similar ao Alzheimer em roedores. O ano de publicação marcava cem anos desde que o próprio neuropatologista alemão Alois Alzheimer, que dá nome à doença, observou as placas de proteína no cérebro de um paciente vítima de demência. Que as placas de beta-amiloide realmente estão nos pacientes, há poucas dúvidas. A questão premente é se são causa ou consequência da degeneração.

Fabricações “chocantemente óbvias”

O cientista detetive evita a palavra fraude pois não tem acesso a possíveis imagens originais não publicadas, mas aponta que há sinais indicativos de problemas. A Science conduziu uma investigação própria de seis meses que corroborou os achados de Schrag e encontrou motivos para duvidar de mais de 70 imagens nos estudos de Lesné, entre outros. Lesné não respondeu ao contato da revista. Em maio deste ano, ele obteve a aprovação de uma verba de pesquisa do governo americano de mais de US$760 mil com validade de cinco anos. Um responsável pela aprovação da verba foi coautor do estudo de 2006.

Elisabeth Bisk, bióloga molecular e consultora em análise forense de imagens, disse à revista científica que “os resultados experimentais obtidos podem não ter sido os desejados, e os dados podem ter sido adulterados para se encaixar melhor numa hipótese”. Para ela, há figuras que parecem montagens feitas a partir de imagens de diferentes experimentos. Algumas são fabricações “chocantemente óbvias”, comentou a especialista em Alzheimer Donna Wilcock, da Universidade de Kentucky.

As imagens são, na maior parte, fotos de resultados do teste conhecido como “Western blot”, que mostra as proteínas como bandas em blocos de gel. Por mais cuidado que se tenha na manipulação, é raríssimo que duas bandas fiquem com formatos ou imperfeições iguais, o que seria indício de manipulação. Nos estudos de Lesné, há fileiras inteiras de bandas idênticas.

Se as suspeitas forem confirmadas, são dezenas a centenas de milhões de dólares em financiamento público de pesquisa desperdiçados. Somente em 2021, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA investiram 287 milhões em pesquisas que mencionam a beta-amiloide e o Alzheimer. Cientistas que propõem hipóteses diferentes para explicar a doença de Alzheimer reclamam de uma “máfia da amiloide” que dificulta seu acesso a recursos e forma cartéis no principal processo decisório da publicação de artigos — a revisão por pares.

Alguns, como John Forsayeth, professor de neurocirurgia da Universidade da Califórnia, comparam a hipótese da beta-amiloide a modelos ptolomaicos do sistema solar que punham a Terra no centro. Quando enfrentavam problemas na ideia de que os planetas giram em órbitas circulares em torno da Terra, os astrônomos ptolomaicos, em vez de abandoná-la, propunham que as órbitas não pareciam à primeira vista com círculos porque eram círculos sobre círculos, ou “epiciclos”. Grande esforço para não mudar de ideia — como quem adultera fotos de proteínas para defender uma hipótese favorita sobre a doença de Alzheimer.

Karen Ashe, uma médica neurocientista colaboradora de Lesné e coautora do estudo de 2006, é reticente a rebater completamente os problemas achados por Schrag, mas foi a um fórum online onde Schrag encontrou os primeiros indícios para dar explicações alternativas. Ela forneceu algumas imagens originais em maior resolução. Mas as imagens só aumentaram as suspeitas de Schrag, dando mais detalhe das bandas copiadas.

Outro coator de Lesné é Denis Vivien, biólogo celular da Universidade de Caen na Normandia, em cinco dos artigos suspeitos. Vivien crê que os artigos sobreviverão ao escrutínio, mas confessa que já desconfiava do colega. Quando estavam trabalhando para um artigo que seria publicado na revista Nature Neuroscience, Vivien achou algumas fotos preparadas por Lesné suspeitas e pediu a estudantes que refizessem o experimento. Os estudantes falharam em replicar o resultado. Confrontado, Lesné negou que havia algo errado. Vivien diz que removeu o artigo da esteira da publicação “para preservar minha integridade científica” e rompeu contato com o colaborador.

Apesar de ser relutante em afirmar certeza de fraude, Matthew Schrag medita: “Você pode trapacear para publicar um artigo. Pode trapacear para conseguir uma verba. [Mas] não pode trapacear para curar uma doença. A biologia não se importa”. Ele acredita que a beta-amiloide ainda pode ter algo a ver com as causas do Alzheimer. Mas as fundações estão abaladas.

Sobre as reclamações contra a “máfia da amiloide”, o psicólogo britânico Stuart Ritchie comenta em seu livro de 2020 Science Fictions (“Ficções Científicas”, em tradução livre) que “as histórias de bullying e intimidação que acontecem quando os pesquisadores desafiam a hipótese amiloide sugerem uma área na qual o viés se tornou coletivo, onde novas ideias não alcançam a vez que merecem, e onde os cientistas rotineiramente falham em aplicar a norma do ceticismo organizado às suas próprias teorias favorecidas”.

Gazeta do Povo (PR)

Economia argentina se arrasta de crise em crise - Editorial




Inflação dispara e fuga de capitais se acelera

A economia argentina voltou a se desmanchar em nova e grave crise. Desta vez, não por influência direta ou indireta de um acordo com o Fundo Monetário Internacional - o acerto entre o Fundo e o governo argentino da dupla Alberto Fernández e Cristina Kirchner foi relativamente generoso. E, diferentemente de crises passadas, em que os peronistas saíam da crise vencendo eleições e demonizando governos liberais, é agora um governo peronista que, incapaz de executar boas políticas, coloca a Argentina mais uma vez perto do precipício.

A crise ganhou celeridade com a fuga de dólares - o dólar blue, paralelo, ao redor dos 300 pesos, é mais do que o dobro do câmbio oficial de 132 pesos - após a saída de Martín Guzmán do Ministério da Economia, poucos meses após ter assinado novo acordo com o FMI, em 25 de março. O acordo postergou o pagamento de US$ 45 bilhões da dívida com o Fundo para 2024 e é um dos principais motivos pelos quais não há volumoso débito externo a ser quitado a curto prazo, o que seria uma tragédia para um país que dispõe de pouco mais de US$ 2 bilhões de reservas.

Guzmán, que tinha a confiança do presidente Alberto Fernández, foi empurrado para fora do governo pela vice-presidente Cristina Kirchner, em mais um capítulo do trágico jogo paralisante em que os dois mandatários não se entendem e mal se falam. Cristina se opôs ao acordo com o FMI, ainda que ele seja mais flexível do que todos os outros feitos pela Argentina. Comedido nas exigências, ele prevê redução do déficit público moderada, mesmo assim algo tido como inaceitável pela vice-presidente.

A inflação voltou a castigar os argentinos - 64% em doze meses - e segue subindo. Boa parte dos analistas prevee algo como 90% no fim do ano. A alta dos preços é sempre seguida da fuga de dólares, de um cortejo de restrições a importações e a todo tipo de compra de divisas. Ao mesmo tempo em que anunciou a troca da breve ministra da Economia, Silvina Batakis, nomeada em 4 de julho, o Banco Central emitiu decreto elevando os juros em geral e também os dos financiamentos de gastos acima de US$ 200 com cartão de crédito no exterior.

Sinal inequívoco de agravamento da crise é a troca acelerada de ministros - e da maneira mais imprópria. Silvina, que não durou um mês na pasta, tinha acabado de garantir ao FMI em Washington que o acordo seria cumprido e que tinha apoio firme do governo para isso. Foi demitida após retornar a Buenos Aires. Para seu lugar foi nomeado Sergio Massa, líder da Frente Renovadora, que concorreu à Presidência, é dissidente dos kirchneristas, com os quais se recompôs depois e presidia a Câmara dos Deputados.

Dificilmente Massa conseguirá fazer algo transformador em um governo conflagrado, em que o presidente não tem mais força nem popularidade e aceita os ultimatos de Cristina. Alberto Fernández perde ainda mais do pouco poder que tinha, o que não significa que Massa terá melhor sorte. Vários ministérios serão reagrupados sob o guarda-chuva da Economia, mas isto já ocorreu outras vezes e quer dizer pouca coisa. A crise é política também: um governo eleito assina um acordo com o FMI com a vice-presidente do país se opondo por palavras e atos a ele e expulsando do gabinete o ministro que o negociou. O que fazer com o acordo, cujas metas serão descumpridas, é um dos grandes problemas à frente.

A Argentina segue financiando gastos com emissões e a meta acertada com o FMI já foi praticamente para o espaço em sete meses. Não há outra receita econômica visível a ser testada, fora a do acerto com o Fundo ou as maluquices de Cristina. Massa terá de fazer malabarismos para conduzir o país até as eleições de 2023, quando os peronistas deverão perder. Um detalhe é que Massa é presidenciável, assim como o filho de Cristina, Máximo, que renunciou ao comando da Câmara por se opor ao entendimento com o FMI - colocando-se como alternativa se o acordo fracassar.

Desde a crise de 2001 nenhum governo teve sorte em dotar a Argentina de uma moeda de verdade. Apostam a favor do dólar, ao primeiro sinal de descontrole inflacionário, tanto os investidores externos quanto os domésticos e a classe média. O corralito deu o exemplo final do que pode acontecer com o dinheiro que fica no país em crises extremas. Não ter de fazer desembolsos externos dá fôlego e tempo ao governo para tentar novo caminho. Mas as dissenções internas tornam essa tarefa mais difícil do que já é e não deixa espaço para otimismo.

Valor Econômico

Bolsonaro insiste em riscar o fósforo



Organizadores do ato em prol da democracia temem encontro com apoiadores do presidente

Por Vera Magalhães (foto)

O presidente Jair Bolsonaro parece ter feito um estoque ilimitado de caixas de fósforo para riscar de forma indiscriminada até as eleições. Isso não costuma resultar em nada produtivo, como se viu há um ano, no 7 de Setembro.

Não basta ao presidente da República ofender, com adjetivos a cada dia mais pesados, os signatários da nova Carta aos Brasileiros e do manifesto das entidades patronais e de trabalhadores, ambos em defesa da democracia.

Na lógica de fomentar o caos, Bolsonaro achou por bem antecipar sua participação no ciclo de sabatinas da Fiesp, não por acaso a idealizadora do manifesto, para 11 de agosto, dia do ato da leitura dos dois documentos na Faculdade de Direito da USP.

O caldo de cultura para a primeira confusão está fermentando. Organizadores do ato em prol da democracia temem o encontro com apoiadores do presidente que podem se concentrar na Avenida Paulista, símbolo de manifestações políticas nos últimos anos, ainda que os eventos tenham horários distintos.

Qual a necessidade desse tipo de provocação? É difícil, à luz da lógica que costuma reger as estratégias de uma campanha eleitoral, entender o que Bolsonaro julga ter a ganhar confrontando mais de 660 mil cidadãos brasileiros e algumas das principais organizações do país que pedem apenas respeito ao Estado Democrático de Direito.

Ao reforçar em doses diárias de declarações apopléticas que se considera o alvo único dos dois textos, o presidente assina um atestado de que reconhece ser, aos olhos de amplos segmentos da sociedade civil do país que governa, um iliberal, antidemocrático.

Sim, suas ações de achincalhe aos demais Poderes, ao sistema eletrônico de votações, aos adversários políticos, à imprensa e a qualquer instituição que não lhe preste reverência já o colocam nessa posição. Mas que ele vista essa carapuça de forma tão desesperada causa surpresa mesmo depois de quase quatro anos desse padrão de comportamento no poder.

Se está tornando o 11 de agosto mais um dia de confronto, o que dizer do que o presidente vai construindo para a celebração do Bicentenário da Independência? Deu na veneta de Bolsonaro mudar o desfile do Rio da Avenida Presidente Vargas, onde tradicionalmente ocorre, para a orla de Copacabana — ou “inovar”, como anunciou em plena convenção que lançou o carioca Tarcísio Gomes de Freitas para o governo de São Paulo.

Não combinou com os militares, não avisou o prefeito do Rio, Eduardo Paes, apenas fez o típico aceno para atiçar sua militância, desvirtuando o caráter nacional de uma festa que é de todos os brasileiros.

Como sua característica é ir “aquecendo” a convocação para esses atos de cunho golpista que convoca, e de que participa desde o início de 2020, agora Bolsonaro já associou, em entrevista a uma rádio, diretamente o evento do Rio à contestação das urnas eletrônicas.

Chama “seu exército” para a rua para defender a “transparência” das urnas, enquanto conta com a ambivalência do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, que, depois de jurar lealdade à democracia diante do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, na semana passada, agora já está de volta ao script de chancelar a pressão do presidente sobre a Justiça Eleitoral.

Pressão descabida e desinformada, aliás, uma vez que cobra urgência em obter informações que já estão disponíveis há nove meses.

Tanto o presidente quanto os militares (sim, enquanto for o próprio ministro da Defesa a encabeçar esse roteiro, cabe a generalização) agem para incendiar o paiol às vésperas da eleição.

Nem o recado altivo e inequívoco da sociedade de que não aceita essa brincadeira é suficiente para pará-los. E para isso estão prestes a usurpar duas datas importantes como parte dessa escalada.

O Globo

Mudança gradual na infraestrutura




Nos próximos cinco anos, 83% da nova capacidade de geração elétrica virá das usinas contratadas no mercado livre

Por Daniel Rittner (foto)

Ex-secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord acaba de assumir o cargo de sócio-líder de infraestrutura e mercados regulados na consultoria EY (antiga Ernst & Young). Depois de três anos e meio no governo, onde teve papel-chave no novo marco legal do saneamento e na privatização da Eletrobras, ele volta para o setor privado e observa que há uma mudança importante em andamento.

Até a década de 1990, era basicamente o investimento público que guiava a expansão da infraestrutura. A partir daí, houve uma guinada: concessões se espalharam em rodovias, em ferrovias, portos, energia elétrica, telefonia. Nos últimos anos, um movimento que vai ganhando corpo é o de investimentos por meio do regime de autorizações.

Contratos mais flexíveis vão ganhando espaço

São contratos mais flexíveis para o investidor privado, que toma a iniciativa de apresentar um projeto e busca no governo uma licença para construí-lo. Ninguém precisa ficar à espera do planejamento estatal para tocar estudos de viabilidade, passar pela demorada análise dos tribunais de contas, entrar em um leilão, manter tarifas controladas por agências reguladoras, gastar anos em discussões intermináveis sobre reequilíbrios econômicos. É verdade que também não existe compartilhamento de risco com o poder público, se aparecer algum problema grave no meio do caminho (como obstáculos ambientais ou de engenharia). Em compensação, o investidor tem muito mais liberdade para gerenciar e adaptar seus planos.

“Quando falamos em projetos de infraestrutura, são contratos necessariamente de longo prazo. São 30 anos à frente, e o mundo tem passado por transformações cada vez mais rápidas”, nota Mac Cord. “Em três décadas, é inviável prever tudo o que pode dar certo e tudo o que pode dar errado em um contrato. A flexibilidade ajuda na captura de inovações.”

Exemplifica o ex-secretário: as concessionárias de telefonia eram obrigadas, por força dos contratos de concessão de 1997, a fazer manutenção de orelhões até recentemente. Quem é capaz de assegurar se a exigência, hoje, de oferta gratuita do serviço de wi-fi nos aeroportos fará sentido ao fim dos contratos em 2052?

Não são só reviravoltas na tecnologia, mas novos rumos econômicos. Outro dia mesmo, no governo Fernando Henrique Cardoso, o sonho do campo era alcançar uma safra de grãos de 100 milhões de toneladas. Hoje colhe-se quase três vezes mais. A demografia também ganha outra cara. “A partir de 2040, começaremos a ver um declínio da população economicamente ativa no país. Em 2049, teremos mais aposentados do que jovens. E os contratos de concessão que forem firmados hoje ainda vão estar válidos lá na frente”, afirma.

Em vários segmentos da infraestrutura, o regime de autorizações tem avançado. Merece atenção especial, em um país que adora reinventar políticas públicas a cada troca de governo, como essa pauta atravessou diferentes gestões e não foi vítima de polarização.

Nos portos, Dilma Rousseff alterou a lei para permitir mais terminais de uso privado - que são conhecidos pela sigla TUP. Já foram autorizados 259 projetos, que somam R$ 55 bilhões em investimentos previstos. Outra mudança, por decreto mesmo, viabilizou novos aeroportos à aviação geral. O Catarina, que funciona em São Roque (SP) e tornou-se rapidamente a meca dos jatinhos executivos, saiu pelo modelo de autorização. Se no futuro for erguido um novo aeroporto destinado à aviação regular, em São Paulo, ninguém duvide: não será por concessão.

Jair Bolsonaro sancionou leis que replicam esse regime de autorizações para a construção de gasodutos e de ferrovias. No caso das ferrovias, houve uma rara convergência política: o projeto de lei foi apresentado pelo senador José Serra (PSDB), relatado por Jean Paul Prates (PT), negociado diretamente pelo então ministro Tarcísio Freitas. Dezenas de pedidos de licenças foram aprovados ou estão em análise. Muitos são só papel, de empreendedores que buscam um “título” para então sair atrás do dinheiro real, mas outros tantos são para valer e criarão novas linhas de trens.

Mac Cord avalia que uma série de oportunidades hoje inexistentes podem acabar surgindo. “Não precisamos pensar cada setor de forma isolada. Às vezes uma ‘short line’ (ramal ferroviário de pequena extensão) pode usar sua faixa de servidão para um gasoduto. E tudo isso, junto, talvez seja o que viabilizará um TUP ou um parque eólico”, diz.

O setor elétrico está em processo de liberalização e não são mais os leilões organizados pelo governo que puxam sua expansão. Nos próximos cinco anos, 83% da nova capacidade de geração virá das usinas contratadas no mercado livre.

O ex-secretário pondera que algumas áreas da infraestrutura, como mobilidade urbana, estão defasadas. “A regra tem sido ver ônibus poluentes, ineficientes e atrasados. Há oportunidades de consolidação, com operadores otimizando linhas. Em muitos terminais, com todo aquele fluxo enorme de gente, às vezes não se consegue comprar um saquinho de pipoca”, nota Mac Cord, para ilustrar como é subaproveitado o potencial de receitas comerciais.

Evidentemente há outros setores, como saneamento e rodovias, em que o sistema de concessões sempre fará mais sentido. Ninguém imagina duas estradas paralelas ou redes de esgoto construídas voluntariamente. Não importa para onde se olhe, entretanto, Mac Cord acredita que ambos os lados - governo e iniciativa privada - têm procurado mais convergência. Os empresários querem lucro, e para isso não gostam de projetos mal feitos ou marcos regulatórios ruins. Governos, para funcionarem bem e terem sucesso nas urnas, precisam dos recursos privados.

Graduado em engenharia, Mac Cord tem mestrado em administração pública por Harvard. As duas escolas mais prestigiosas da universidade americana - Business School e School Government - ficam em margens opostas do rio Charles, que separa Boston e Cambridge. Cada cidade põe a culpa no outro lado por seus problemas. Há impaciência e falta de compreensão mútua.

“Não importa de qual lado se estiver - se no mercado ou no governo - temos que entender as expectativas de cada um para fazer um jogo de ganha-ganha”, comenta Mac Cord. Também é imprescindível, sempre, ter a clareza de que infraestrutura é um meio e não uma finalidade em si. Não basta propiciar bons negócios. Acima de tudo está a qualidade do serviço prestado ao usuário e não constituir um entrave ao desenvolvimento.

Valor Econômico

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