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quarta-feira, outubro 06, 2021

Da peste negra à covid: como epidemias definem a história

 




Para se proteger da peste, médicos usavam máscaras como esta exposta em mostra na Alemanha

Doenças infecciosas mataram milhões de pessoas ao longo dos séculos, mas também trouxeram mudanças e progresso, influenciando da ciência a guerras e até o clima do planeta.

Numa das minhas lembranças de infância, estou na escada rolante de uma loja de departamentos, esticando a mão para pegar no corrimão. Minha avó me puxa carinhosamente: "Não faça isso, é sujo", e segura minha mão forte, enquanto descemos.

Deve ter sido no fim dos anos 60, eu tinha uns quatro ou cinco anos de idade. Na época, a "gripe de Hong Kong" varrera o planeta: embora tenha matado de 1 milhão a 4 milhões de seres humanos, hoje ela está praticamente esquecida. E aos poucos foram abandonadas as lições de higiene da época, que a pandemia de covid-19 voltou a popularizar: manter distância, usar máscara, lavar as mãos.

Minha avó, cuja mãe quase morrera da assim chamada "gripe espanhola" de 1918, ainda tinha bem presentes essas precauções de segurança. Antes dos antibióticos e da vacinação em grande escala, durante séculos doenças infecciosas como o tifo, difteria e varíola espalharam terror nos corações dos europeus.

"Perigo tão grande quanto a mudança climática"

Hoje em dia, quem morre dessas infecções são sobretudo as crianças de países menos desenvolvidos, muitos dos quais não têm como arcar com o luxo de vacinações dispendiosas e bons sistemas de saúde. No entanto o vírus Sars-Cov-2 também abalou a sensação geral de segurança e mostrou que ninguém está imune.

"Epidemias são a maior ameaça global, ao lado da mudança climática", afirma Oliver Gauert, curador da "maior exposição de história médica do mundo", segundo afirma. "Elas simplesmente não entraram na consciência do público no mesmo grau. A covid é uma advertência para a humanidade."

Epidemias. Maldição do passado, ameaça do futuro foi inaugurada em 2 de outubro de 2021 no Museu Roemer-Pelizaeus de Hildesheim, no estado alemão da Baixa Saxônia. Ela foi concebida em cooperação com numerosas instituições científicas, entre as quais a Universidade de Ciências e Artes Aplicadas de Hanover e o Centro Helmholtz de Pesquisa de Doenças Infecciosas.

O triunfo da Morte

A entrada para a mostra foi projetada na forma de um enorme livro. Atravessando 30 estações, os visitantes vivenciam momentos-chave da medicina, do teatro anatômico de Pádua, inaugurado em 1595, onde se realizaram as primeiras dissecções de cadáveres, ao laboratório do Nobel da Medicina Paul Ehrlich (1854-1915), que desenvolveu uma cura para a sífilis.

A exposição também reproduz uma unidade de tratamento intensivo de covid-19. Com um manequim conectado a um ventilador, a instalação constitui um impiedoso lembrete de que neste momento há gente lutando assim pela própria vida em hospitais de todo o mundo.

Incluídas estão também obras de arte tematizando as epidemias. Em O triunfo da Morte, do pintor flamengo Pieter Bruegel, o Velho (1525-1569), o céu é sombrio: nuvem cinza-azulado pairam sobre uma paisagem de árvores carbonizadas.

Em primeiro plano está uma pilha de cadáveres, um esqueleto corta a garganta de um homem de camisa branca, enquanto outro, às costas de um rei, ergue uma ampulheta. Atrás de um portão, um exército de outros esqueletos aguarda para levar a peste negra até o povo.

Esse "Ceifador Macabro" está profundamente arraigado na memória cultural da Europa, como emblema das epidemias. E o aterrorizante esqueleto de Bruegel não discrimina entre pobre ou rico, homem, mulher ou criança.

Definindo destinos – para o mal e para o bem

Nem os historiógrafos médicos sabem dizer quantos milhões acabaram morrendo em decorrência de epidemias. Certo está, porém, que a peste "não afetou apenas os pobres, como o tifo ou febre tifoide, mas também as elites da sociedade", relata Gauert. "Então, pode-se imaginar que houve uma redistribuição total de propriedades e poder."

A agricultura, ofícios e guildas tiveram que encontrar novas formas de trabalho. Assim, o processo de superar epidemias promoveu mudanças culturais e políticas. Foi esse o caso da peste: até sua eclosão, no século 14, enfermidades eram consideradas punição divina.

"Mas a peste negra fez tantas vítimas, mesmo nos quadros da Igreja, que o povo se recusou a suportá-la passivamente", prossegue o curador da mostra. "Pela primeira vez, encarregou-se uma instituição científica, a Universidade de Paris, de dar uma opinião especializada sobre as causas. Foi a primeira vez que se abordou uma moléstia assim, de forma sistemática e científica."

As pestes também estancaram guerras e determinaram vitória ou derrota. Como quando, no começo do século 16, o conquistador espanhol Hernán Cortés e um pequeno exército de mercenários fizeram cair o poderoso império asteca. Durante a batalha de Tenochtitlán, uma epidemia irrompeu entre o povo nativo do México, matando metade da população: os invasores haviam trazido consigo sarampo, varíola ou outro patógeno, contra o qual eram imunes – mas os astecas, não.

Clima, doenças e globalização interconectados

Um estudo da University College London, de 2019, sugere que a transmissão de epidemias do Velho para o Novo Mundo possa ter influenciado o clima terrestre. Estima-se que 90% dos povos nativos da América tenham morrido em consequência de pestes importadas, por isso tantos quilômetros quadrados de terra previamente cultivada ficaram abandonados.

Árvores e arbustos voltaram a crescer livremente, absorvendo dióxido de carbono da atmosfera. O clima global esfriou, causando a "Pequena Era do Gelo" por volta de meados do século 16. O evento demonstra quão intimamente clima, enfermidades e globalização estão interconectados.

"As moléstias infecciosas estão avançando", adverte Oliver Gauert, citando quatro fatores decisivos. O primeiro é o trânsito global de mercadorias e pessoas, propiciando que as doenças se alastrem em escala mundial numa questão de semanas.

Em segundo lugar está a mudança climática, gradativamente ampliando as zonas tropicais e subtropicais. Espera-se que, dentro de dez anos, por exemplo, a dengue, doença infecciosa tropical-subtropical transmitida por mosquitos, tenha chegado à Alemanha.

O terceiro fator é a penetração humana em regiões da selva cada vez mais remotas, onde estão latentes vírus perigosos, como se evidenciou com o ebola e a aids. E, por fim, cai a efetividade dos antibióticos na luta contra infecções bacterianas, devido à resistência crescente dos patógenos.

Avanços na medicina não são para todos

O curador da exposição enfatiza, contudo, que essas ameaças são basicamente controláveis hoje em dia. Ao contrário das gerações anteriores, a humanidade não está mais indefesa diante de vírus e bactérias.

Além disso, enquanto no passado levava décadas até se desenvolver uma vacina, a primeira contra o novo coronavírus já estava disponível após um ano. Assim, "cada pandemia faz a ciência, a medicina e os sistemas de saúde avançarem".

Esses avanços, no entanto, não ocorrem na mesma velocidade por toda parte. Mesmo durante a atual pandemia, evidencia-se uma enorme lacuna entre os países ricos e pobres.

Ainda assim, todos podem contribuir para a luta contra os vírus e bactérias. Quando criança, eu ficava aborrecida quando ia correndo faminta para a mesa e minha avó me ralhava: "Não esqueça de levar as mãos!" Hoje, em meio à pandemia, eu sigo os preceitos de higiene dela mais conscienciosamente do que nunca.

Deutsche Welle

Opinião: Caso Facebook lembra como 'whistleblowers' são importantes




Facebook vem enfrentando acusações como a de ter ocultado influência danosa do Instagram em adolescentes. A autora das acusações é a ex-funcionária Frances Haugen (foto). Ela merece respeito e proteção, opina Martin Muno*.

Há várias semanas, controvérsias voltaram a cercar aquela que ainda é a maior rede social do mundo: uma série de artigos no Wall Street Journal revelou montes de anomalias no interior do grupo Facebook.

Segundo as denúncias, os cerca de 5,8 milhões de donos das chamadas "contas VIP" só precisavam respeitar as rigorosas regras de publicação da rede até certo ponto. Foi possível, por exemplo, o craque brasileiro do futebol Neymar postar fotos de uma mulher nua que o acusara de estupro. Os moderadores não puderam apagar a publicação: só uma instância superior deu a ordem nesse sentido. A essa altura, porém, cerca de 56 milhões de usuários já haviam visto as imagens.

O que causou maior celeuma, entretanto, foi um artigo tratando da influência prejudicial do Instagram à saúde psíquica de jovens. Num estudo interno, o Facebook chegou à conclusão de que aquela rede social reforça a insatisfação dos adolescentes – sobretudo de meninas – com o próprio corpo, resultando em distúrbios alimentares e depressão. A direção do Facebook teria ocultado intencionalmente essa informação.

A companhia fez o mesmo que em outros casos polêmicos: negou as acusações, mas ao mesmo tempo congelou seus planos para um versão "kids" do Instagram, dirigido a crianças de 10 a 12 anos.

"O Facebook está dilacerando nossas sociedades"

Desde o último fim de semana, está claro quem é responsável pelas revelações: a cientista de dados Frances Haugen, que trabalhou para o Facebook entre 2019 e 2021. Ela deu entrevista na televisão americana, levantando sérias acusações contra seus antigos empregadores.

O cerne de sua mensagem é que a empresa protagoniza um conflito de interesses "entre o que é bom para o público e o que é bom para o Facebook" e, nesse contexto, a rede social "sempre se decidiu por otimizar os próprios interesses". Haugen fundamenta suas afirmações com documentos internos e conclui: "Essa versão do Facebook dilacera nossas sociedades e causa violência no mundo."

Nesta terça-feira (06/10), a ex-especialista em gestão algorítmica de produto depõe diante do Congresso dos Estados Unidos. Agora ela requereu oficialmente proteção como denunciante (ou "whistleblower"), a fim de se proteger de uma ação jurídica de seus antigos empregadores. 

Proteção para a whistleblower

Paralelos com outros whistleblowers mostram como esse passo é corajoso. Edward Snowden – que proporcionou insights profundamente perturbadores sobre a dimensão das práticas de vigilância global dos serviços secretos, desencadeando assim o escândalo da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA – vive há anos em exílio na Rússia. Uma família que o escondeu das autoridades americanas em 2013 obteve há poucos dias asilo no Canadá.

Também alguns dias atrás, revelou-se que o governo americano sob o presidente Donald Trump teria considerado mandar assassinar Julian Assange, o fundador da plataforma de revelações Wikileaks. Assange está há mais de dois anos encarcerado na Inglaterra, sob ameaça de ser deportado para os EUA.

Estas e outras histórias demonstram que whistleblowers não são nem delatores egomaníacos, nem traidores da pátria. Também a revelação dos Pandora Papers não teria sido possível sem eles. Se as imputações da ex-funcionária Frances Haugen tiverem base factual – e tudo indica que este seja o caso –, ela deve ser protegida por todos os meios, também no nosso mais legítimo interesse próprio.

*Martin Muno é jornalista da DW. 

Deutsche Welle

Qual é o limite da liberdade de expressão no Brasil?




A Constituição protege a livre manifestação do pensamento, desde que este não viole o direito de terceiros. 

Por Thaméa Danelon (foto)

A liberdade de expressão é assegurada pelo artigo 5º da Constituição Federal. O inciso IV do referido artigo dispõe ser livre a manifestação do pensamento, sendo vedado, contudo, o anonimato. Já o inciso IX assegura ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Assim, nossa Carta Magna protege a livre manifestação do pensamento.

Entretanto, essa liberdade apresenta alguns limites, pois toda manifestação é acompanhada pela responsabilidade de seu interlocutor, e, caso a manifestação viole o direito de terceiros — na hipótese da prática de crimes —, seu autor poderá responder judicialmente por essa violação.

Importante ressaltar que embora a Constituição assegure inúmeros direitos aos cidadãos brasileiros e aos que habitam nosso país nenhum desses direitos é absoluto; ou seja, por vezes o próprio sistema jurídico autoriza a violação de alguns direitos, em nome da defesa de terceiros.

Exemplificando, o direito natural mais importante é o direito à vida, mas esse direito pode ser mitigado, ou seja, pode ser “violado”, pois a própria lei autoriza que alguém possa matar outra pessoa caso esteja em legítima defesa ou em estado de necessidade. O próprio Código Penal assegura que um indivíduo poderá retirar a vida de outrem se o objetivo for preservar sua própria vida ou a de terceiro.

Nesse sentido, concluímos que o direito à liberdade de expressão poderá ser limitado caso haja a ofensa indevida a outra pessoa. Nesse sentido existem os denominados crimes contra a honra, também previstos no Código Penal, e que punem criminalmente alguém que pratica uma injúria, calúnia ou difamação.

Caso uma pessoa se valha da liberdade de expressão para ameaçar alguém, também poderá ser punido judicialmente. A Lei nº 7.716/19, conhecida como a lei contra o racismo, também pune severamente os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; crimes esses conhecidos como racismo, apologia ao nazismo ou xenofobia.

Desta forma, percebemos que embora a nossa Constituição assegure a liberdade da manifestação de pensamento, essa liberdade possui limites, e esse limite é a prática de um crime. Assim, caso o interlocutor cause algum dano à honra ou imagem de terceiros, além de responder criminalmente, também poderá ser condenado civilmente ao pagamento de danos morais e materiais ao terceiro eventualmente ofendido.

Por outro lado, certas autoridades públicas apresentam uma imunidade maior em relação às suas palavras, pois a Constituição da República assegura em seu artigo 53 que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Caso um parlamentar cometa um delito através de sua palavra — seja um crime contra honra ou uma suposta ameaça — ele será imune, e não poderá ser processado nem na esfera criminal, nem na cível.

Contudo, havendo excesso nessa liberdade de expressão, a suposta ofensa poderá configurar quebra de decoro parlamentar, e o deputado ou senador poderá responder a um processo disciplinar perante sua respectiva casa legislativa.

Feitas essas considerações, importante pontuar que a censura prévia jamais poderá ser admitida em um Estado Democrático de Direito. Assim, impedir previamente que alguém exponha sua opinião, seja censurando redes sociais ou exigindo autorizações de forma antecipada, viola frontalmente o artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal.

Infelizmente, nos últimos tempos, temos testemunhado que nosso Poder Judiciário vem realizando prisões de parlamentares por crimes de opinião, e também impedindo o exercício da livre manifestação do pensamento, através da desmonetização de redes sociais e também ao impedir que indivíduos se utilizem de referidos canais.

Atitudes como essas não consagram a liberdade de opinião, ao contrário, pretendem calar vozes que deveriam ser tuteladas e protegidas pela Justiça, em nome da livre manifestação de pensamento e da opinião, e em defesa do natural e constitucional direito à liberdade

Gazeta do Povo (PR)

O mundo chegou ao tempo da renda básica




Em 2019 eram 24 milhões na pobreza extrema. Agora são 35 milhões

Por Antônio Carlos de Medeiros

A pandemia recolocou a desigualdade no topo da agenda global. A ideia da Renda Básica se fortaleceu. Vários experimentos estão em curso. Na Finlândia, no Quênia, no Canadá, na Holanda e outros países. Desde 2008, o interesse já vinha aumentando. Rutger Bregman é cirúrgico: “mais pessoas estão sedentas por um antídoto verdadeiro e radical tanto para a xenofobia quanto para a desigualdade”.

Aqui no Brasil, é agora incontornável a adoção de alguma forma de Renda Básica. Criada por lei em 2005 como renda básica universal, agora o STF determinou que o governo federal comece a pagar. Virou urgência. A fome tem pressa. A convulsão social está na espreita. Não é figura de retórica. O governo tem que encarar o problema e buscar formação de consenso com o apoio da sociedade civil e do Congresso, onde uma Frente Parlamentar está mobilizada.

Em 2019 eram 24 milhões na pobreza extrema. Agora são 35 milhões, segundo a FGV social. Além disto, 32 milhões de brasileiros deixaram a classe “C” e retrocederam para as “D” e “E”. Estima-se que a insegurança alimentar atinge 117 milhões de brasileiros. Cresceram a miséria, a pobreza e a desigualdade. Vem daí a pergunta: quem vai pagar a conta?

A decisão força a sociedade, o Congresso e o governo a olhar de frente o conflito distributivo na repartição do bolo do Orçamento da União. Significa reestruturar os gastos públicos e reorganizar os programas de assistência social, para começar. Marcos Lisboa mostrou que os aumentos de carga tributária – que cresceu 6 pontos mais que o PIB entre 1998 e 2007 -, se perdem nos interesses que capturam o Estado: subsídios para o setor privado e reajustes para as corporações. É a “nossa disfuncional economia política”, diz ele.

Além de reestruturar gastos, poderá ser necessário outro aumento de carga tributária, combinado com emissão de dívida e atuação do Banco Central na compra de títulos. Persio Arida afirmou há poucos dias que não está escrito em nenhuma teoria que existe um patamar ideal para a relação dívida/PIB. É preciso conciliar responsabilidade social com responsabilidade fiscal. Mas há que se reconhecer que o debate está enviesado por mitos. Investimentos em áreas que alavancam o crescimento não causam inflação, desde que a economia tenha espaço para crescer.

Ao contrário do discurso neoliberal, nas economias avançadas os países se endividaram regularmente. A dívida pública disparou. Nos Estados Unidos, chegou a 120% do PIB no ano passado. Ruchir Sharma afirma: “o encolhimento do Estado é um mito…as idéias de livre-mercado não enxugaram o Estado”. Por exemplo, nos Estados Unidos e no Reino Unido, diz ele. Como o Brasil, também estes países continuam fugindo para a frente, com endividamento.

Todos na esteira da financeirização macroeconômica global. No meio do caminho, se o mundo não encarar a desigualdade, o capitalismo vai dar um tiro no pé. Imaginemos um capitalismo sem mercado!

Jornal Metrópoles

“Já ganhou” preocupa Lula

 




Devido ao peso do Estado e à capacidade de influência política da máquina do governo, o petista avalia que Bolsonaro ainda não estaria fora da disputa

Por Luiz Carlos Azedo (foto)

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em Brasília para conversar com todo mundo, ou melhor, “com quem queira conversar com ele”, destaca o deputado Carlos Zaratinni (PT-SP), que ontem participou da conversa do líder petista com as bancadas de deputados e senadores da legenda. Acompanhado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Lula também se encontrou com os governadores do PT no Nordeste: Camilo Santana (Ceará), Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte), Rui Costa (Bahia) e Wellington Dias (Piauí). Também estiveram na reunião a vice-governadora do Sergipe, Eliane Aquino, e o senador Jaques Wagner (PT-BA).

Domingo à noite, Lula teve um encontro com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), acompanhado do senador Humberto Costa (PT-PE), em mais um passo para consolidar a aliança com o PSB, cujas negociações estão muito adiantadas. Esqueçam o apoio dos caciques do MDB ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Amanhã, Lula jantará na casa do ex-senador Eunício de Oliveira (CE) com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, o ex-presidente José Sarney, os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e os ex-senadores Edison Lobão (MDB-MA) e Romero Jucá (MDB-RR).

Na conversa de ontem com os parlamentares petistas, Lula traçou a linha de suas conversas. Primeiro, não existe “já ganhou”. Devido ao peso do Estado e à capacidade de influência política da máquina do governo, avalia que o presidente Jair Bolsonaro ainda não estaria fora da disputa — pode se recuperar e se reeleger. Obviamente, o petista faz essa avaliação olhando para o final do seu primeiro mandato, quando teve dificuldades para se reeleger em razão dos escândalos do mensalão e dos dólares na cueca de um petista, às vésperas do primeiro turno. Em 2006, teve que disputar o segundo turno com o tucano Geraldo Alckmin.

Segundo, Lula não vai reinventar a roda. Pretende apresentar propostas baseadas nas realizações de seu governo, que lhe garantiram alta aprovação no final do segundo mandato, que agora pretende resgatar. A desconstrução das políticas públicas por Bolsonaro, de certa forma, facilita a comparação entre os dois governos, ainda mais num cenário com alta da inflação, fome e desemprego.

Terceiro, nada de radicalização. Lula orientou as bancadas petistas a não embarcarem no discurso de ódio e focar a narrativa na questão social, no aumento das desigualdades e injustiças sociais. Sua intenção é apresentar um programa eleitoral com propostas para melhorar a vida do povo, não entrar na polarização ideológica. Por isso mesmo, não contem com o PT para o impeachment de Bolsonaro.

Adversário ideal

O jantar com os velhos aliados do MDB foi encomendado pelo próprio Lula, durante encontro com Eunício Oliveira, no Ceará. Não existe um assunto específico, mas a conversa a entre esses velhos políticos gira sempre em torno de um assunto: a conquista e/ou manutenção do poder. Com um pé no governo e outro na oposição, as bancadas do MDB derivam para o ex-presidente, principalmente no Norte e Nordeste, embora a senadora Simone Tebet (MS) seja pré-candidata a presidente da República e o presidente da legenda, Baleia Rossi (SP), tenha uma aliança forte com os tucanos em São Paulo, tão robusta que a legenda herdou a Prefeitura da capital com a morte do ex-prefeito Bruno Covas.

No momento, o maior temor de Lula é o surgimento de uma candidatura de terceira via que possa deslocar Bolsonaro do segundo turno, caso o governo continue derretendo. Por seu turno, o presidente só não considera Lula o adversário ideal porque o petista é favorito nas pesquisas e ameaça ser eleito já no primeiro turno. Entretanto, Bolsonaro ainda aposta no antipetismo para ganhar as eleições. Todas as pesquisas mostram que ele também teria dificuldades de se reeleger numa disputa de segundo turno com outros candidatos.

A um ano das eleições, o terceiro colocado nas pesquisas de opinião continua sendo o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, que continua às turras com os petistas. O governador paulista João Doria (PSDB) continua patinando nas pesquisas. Sua candidatura subiu no telhado, porque o governador gaúcho Eduardo Leite vem recebendo apoios internos importantes. Ninguém sabe qual será o desfecho das prévias tucanas, marcadas para novembro. Essa indefinição estimula outras pré-candidaturas, como as do ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), ambos do DEM, e a do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que vem se destacando na CPI da Covid.

Correio Braziliense

Diferença já não é entre esquerda ou direita, mas entre futuro e passado

 




Por José Eduardo Agualusa (foto)

Stephanie Grisham, que foi porta-voz da Casa Branca entre julho de 2019 e abril de 2020, está lançando no mercado norte-americano um livro de pequenas intrigas políticas, “I’ll take your questions now”, que traz, entre outras, uma curiosa revelação: a de que Donald Trump integrou ao seu gabinete uma espécie de Shazam e DJ particular, apelidado de “homem da música”. O trabalho deste personagem consistiria em apaziguar as constantes birras e zangas do presidente.

O cargo, inédito em regimes republicanos modernos, foi muito popular nas monarquias europeias, durante séculos. Era, afinal, parte do ofício dos bardos, menestréis e bobos da corte. Suponho que terá caído em desuso nas democracias modernas, não por ineficácia dos bardos, mas porque em democracia ninguém está disposto a aturar as birras dos presidentes. Regra geral, quanto mais avançada for uma democracia, menos tolerante se mostra para com as pirraças de presidentes e políticos em geral. A ligeireza com que a democracia norte-americana tolerou os amuos, as grosserias e os crimes de Trump durante quatro loucos e longos anos diz muito sobre sua frágil saúde, e, em particular, sobre a infantilização e a degradação intelectual, ética e moral do Partido Republicano.

Stephanie não revela no livro o nome do suposto DJ. Contudo, segundo alguns jornais norte-americanos, ele não seria outro senão Max Miller, ex-namorado da própria Stephanie. A relação terminou após Miller agredir a namorada. A designação de “homem da música” teria sido dada pelo próprio Trump, impressionado com a capacidade de Miller em reconhecer qualquer melodia aos primeiros acordes. Stephanie revela ainda que a música preferida de Trump seria “Memory”, que Andrew Lloyd Webber escreveu para o musical “Cats”.

O que mais surpreende em toda esta bizarra historieta não são as birras de Trump, tampouco a presença no seu gabinete de um moderno menestrel, mas o bom gosto musical de ambos. A canção parece mais apropriada para apaziguar não tanto Donald Trump, mas os americanos de bom senso, democratas e republicanos, que sempre o combateram: “Quando o amanhecer chegar, esta noite será só uma lembrança / Um dia novo irá começar”.

O novo dia já começou. Contudo, ainda é cedo para cantar vitória sobre a irracionalidade, a imaturidade e o populismo. Por um lado, embora Donald Trump tenha sido derrotado, o seu pensamento (se podemos chamar-lhe assim) continua a dominar as estruturas do Partido Republicano. Por outro lado, também o Partido Democrata enfrenta, no seu próprio seio, correntes obscurantistas.

Nos dias que correm, as diferenças já não são tanto entre quem está à esquerda ou à direita, mas entre quem está à frente, no futuro, e quem luta pelo direito de permanecer lá atrás, no passado — pondo em causa o futuro de todos. Quem defende políticas ambientais, por exemplo, está à frente. Quem não acredita que o aquecimento global é consequência direta da incúria humana está atrás. Também está atrás quem insiste em construir muros, em vez de pontes, dividindo a humanidade em todo o tipo de tribos. E isso uma certa esquerda faz tão bem, ou até melhor, do que a pior direita.

O Globo

O pensamento (conservador) antiliberal




É assustadora a indigência cultural dos que se vêem acima dos cidadãos livres e iguais em sua diversidade

Por Luiz Gonzaga Belluzzo* (foto)

Instigado (ou provocado?) pelo avanço do pensamento conservador no Brasil e no mundo, cuidei de me entregar à releitura do livro de Karl Mannheim sobre o tema. “O Pensamento Conservador” é mais uma obra que enriquece os estudos do grande sociólogo, considerado o patrono da sociologia do conhecimento. Os leitores devem saber que ele escreveu um livro fundador - “Ideologia e Utopia” - para o desvendamento das raízes sociais e culturais do pensamento nos mundos da modernidade.

Mannheim morreu em 1947 aos 55 anos, na aurora do período mais glorioso e igualitário do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos. Entre outras obras, escreveu os clássicos “Ideologia e Utopia” e “Ensaios Sobre a Sociologia da Cultura”. No livro “Liberdade, Poder e Planejamento Democrático”, publicado postumamente, cuidou do papel da educação no fortalecimento das democracias que acordavam dos pesadelos totalitários dos anos 1930.

Mannheim acolhe a ideia de Ortega y Gasset sobre o homem educado: aquele que se distingue pelo conhecimento das filosofias que regem sua época. Isso deveria ser complementado, diz ele, por um conhecimento dos fatos que permitam a todos formar ideias sólidas acerca do lugar do homem na natureza e na sociedade. Cabe à educação examinar os problemas de nossa sociedade, especialmente aqueles relacionados com a vida democrática. Uma vez tratadas essas questões fundamentais para o homem moderno, o estudante vai encontrar o lugar adequado para a boa formação profissional.

Ainda no livro “Liberdade, Poder e Planejamento Democrático”, Mannheim escreveu: “... não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”. Para Mannheim, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes que exercem sua influência no “interior” das sociedades.

Uma das marcas registradas do pensamento conservador, o novo e o velho, é a convicção da bondade natural do indivíduo criado na família. Só a família torna o indivíduo capaz de discernir entre o justo e o injusto, o certo e o errado. A sociedade e as instituições, ao contrário, são corruptas e corruptoras.

Não são outros os fundamentos da ideologia da direita brasileira, como ficou demonstrado no discurso do depoente Otávio Fakhoury na CPI da covid. Atolados no neopentecostalíssimo da grana, do desamparo e do ressentimento, esses fiéis, ricos ou pobres, estão convencidos da excepcionalidade de suas virtudes e de suas crenças. No universo do conservadorismo contemporâneo, não só no Brasil, as instituições construídas ao longo da história das sociedades, sobretudo o Estado Moderno, com suas garantias jurídicas e instâncias de controle da violência, são consideradas negacionistas das liberdades. Suas leis ambíguas e seus métodos de punição são considerados insuficientemente rigorosos pelos fanáticos da virtude auto alegada.

Para eles, o formalismo da lei transforma a Justiça numa farsa, num procedimento burocrático e ineficaz. Não por acaso, está bem esculpida nos corações e nas mentes dos “homens bons e virtuosos” a figura do vingador, aquele destemido que se desembaraça das limitações dessas instituições corruptas e corruptoras para se dedicar à limpeza do país. A sociedade está suja, contaminada pelo vírus da tolerância. Só o herói solitário pode salvá-la, consultando sua consciência, recuperando, portanto, a força da moral “natural”, aquela que Deus infunde no coração de cada homem.

É esse Totalitarismo da Boa-Consciência que reivindica o fechamento do Supremo Tribunal Federal.

Nos últimos anos, os “homens bons” não se cansaram de disseminar, em seus tuites e congêneres, as consignas que moveram homenzinhos que se exibem na Avenida Paulista: “direitos humanos só para os humanos direitos”. Nas manifestações dos moralistas transcendentais vejo a autoconvocação dos soi-disant iluminados para substituir a onisciência divina e, nessa condição, desferir sentenças irrecorríveis, como as desferidas pelos juízes do Juízo Final, em contraposição aos humanos, os pobres-diabos que se debatem para sobreviver aos ditames da falibilidade e da incerteza.

No estágio atual da sociedade de massas, o controle social despótico dispensa a obviedade dos dólmãs, dos coturnos ou da cadeira do dragão. O totalitarismo do Terceiro Milênio não usa coturnos nem câmaras de gás. Usa a “informação” que não pensa em si mesma. O propósito da manipulação e da espetacularização disparadas nas redes sociais é tornar os indivíduos incapazes de compreender a natureza perversa da frenética guerra de fatos e versões “construídas” sob o acicate da concorrência para alcançar o “fundo do poço”.

As redes sociais, onde as ideias e as opiniões deveriam trafegar livremente, se transformaram num espaço policialesco em que a crítica é substituída pela vigilância. A vigilância exige convicções esféricas, maciças, impenetráveis, perfeitas. A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida, disposta ao linchamento.

Seria uma descortesia dizer aos conservadores de passeata que desperdiço vela com defunto de segunda. Para não descumprir regras de civilidade, teimo em repetir aos ouvidos de quem quiser escutar: a sociabilidade moderna se move entre a inevitável pertinência a uma cultura produzida pela história e a pluralidade dos indivíduos “livres”. A história dessas sociedades “produziu” o mercado, a sociedade civil, o Estado Moderno, suas liberdades e seus interesses.

Essa forma de sociabilidade, reivindicada pelo liberalismo político, rejeita a submissão dos indivíduos livres a transcendências religiosas, moralistas e midiáticas. É assustadora a indigência cultural dos que pretendem se colocar "fora" das misérias do mundo da vida, acima do penoso exercício de compartilhar a razão com os demais cidadãos livres e iguais em sua diversidade.

*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp

Valor Econômico

Rejeição e desconfiança




Tudo é incerto em 2022, porque a maioria do Brasil é de desinteressados e/ou indecisos

Por Eliane Cantanhêde (foto)

O desconhecido empresário Romeu Zema virou governador de Minas, um dos três principais Estados do País, em quatro dias. Com 43% de indecisos, o eleitorado rejeitava tanto Antonio Anastasia, por representar o PSDB de Aécio Neves, quanto Fernando Pimentel, que concorria à reeleição pelo também vulnerável PT. Os indecisos descobriram Zema, do Novo, num debate na terçafeira anterior às urnas. De quarta a domingo, ele disparou de 5% para 41% e venceu a eleição.

Se Romeu Zema é ou não um bom governador, e a quantas andam sua gestão e aprovação, são outros 500, mas os tucanos usam essa história de 2018 para defender com unhas e dentes que uma “terceira via” entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula é não apenas possível como bastante provável, com muita chance de chegar ao segundo turno e vencer. Até por isso Lula corre atrás de MDB, PSD, PP e PSB.

As pesquisas de hoje cristalizaram a dianteira confortável de Lula e um quarto do eleitorado com Bolsonaro, mas, segundo os tucanos, esse cenário estático só parece irreversível para quem não tem experiência de pesquisas e eleições. “Não é (irreversível). O importante é se há ou não espaço para o sentimento essencial que uma candidatura representa. Se há, o eleitor encontra essa candidatura”, diz o ex-deputado Marcus Pestana, de Minas, um dos coordenadores das prévias de novembro do PSDB.

O governador Eduardo Leite (RS) tem o apoio de Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Minas, Bahia, Ceará, Alagoas, Paraíba e Amapá. O também governador João Doria (SP) tem São Paulo, Pará, DF, Tocantins e Acre. Ainda faltam 13 Estados e o que vale não é o número de diretórios, mas de eleitores. São Paulo, sozinho, tem 32% dos votos.

Para os tucanos, e não só para eles, mas para especialistas em política, terceira via é quase sinônimo de candidatura do PSDB, que venceu as eleições presidenciais em primeiro turno em 1994 e 1998 e disputou o segundo turno em todas as quatro seguintes (2002, 2006, 2010 e 2014), até ficar fora em 2018, com a polarização feroz entre o PT e Bolsonaro.

Na semana passada, enquanto o experiente senador Tasso Jereissati (CE), ex-governador e ex-presidente nacional do PSDB, desistia das prévias em favor do novato Leite, Doria jantava com Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Sérgio Moro (sem partido). Os três são vivamente a favor de um nome de centro, mas, assim como Doria está amarrado às prévias tucanas, Mandetta depende da fusão DEMPSL e a Moro interessa menos disputar a Presidência e mais resgatar o legado da Lava Jato.

Vez ou outra, pingam nomes, como o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM, que está nas mãos de Gilberto Kassab, do PSD; o próprio Zema, que precisa encorpar em casa, ou seja, em Minas; João Amoêdo, que não une nem o Novo; e os senadores Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania), que ganharam muita visibilidade na CPI da Covid e têm como bandeira o combate à corrupção, mas estão mais para vices do que para cabeças de chapa.

Correndo por fora, Ciro Gomes (PDT) é bom de palanque, tem o recall de três eleições presidenciais e um marqueteiro top, João Santana, que criou o “Lulinha Paz e Amor”. Ciro, porém, não tem para onde crescer, porque atrai desconfiança. A esquerda está com Lula e a direita olha para ele e vê um esquerdista.

Não custa lembrar que Lula tem muito esqueleto no armário, Bolsonaro coleciona desastres e, tal como em 2018, em Minas, metade do eleitorado ainda está, ou completamente alheio, focado na covid, no desemprego e na inflação, ou muito desconfiado com os dois favoritos. Logo, o que há hoje são incertezas e muita água vai rolar a partir de janeiro, com a definição de nomes, partidos, estratégias e um cenário desconhecido: o pós-pandemia.

O Estado de São Paulo

Missão: redução da desigualdade




Por Merval Pereira (foto)

Recentemente, a propósito da tentativa de aprovar a volta dos jogos de azar no país, petistas denunciaram que o sonho de Bolsonaro é transformar o Brasil numa Cuba da época do ditador Fulgencio Batista, um cassino onde os americanos iam se divertir. Os bolsonaristas há muito atacam o PT afirmando que o ex-presidente Lula pretende transformar o Brasil numa ditadura como a cubana, regime apoiado pelo petismo.

O paralelo cruzado reflete bem a polarização que já está marcando a campanha presidencial antecipada do ano que vem e escancara o caminho que existe para uma candidatura de terceira via que tenha um projeto para o país que não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O grande problema do mundo atualmente é a desigualdade de renda, que sempre esteve presente, mas ganhou dimensão planetária nos últimos anos, especialmente em países periféricos como o Brasil.

Não apenas no Brasil, a relação entre democracia e capitalismo já não é mais tão absoluta quanto foi nos últimos anos do século passado. Buscam-se modelos para aperfeiçoar a democracia representativa, que tem como um dos pilares a ideia de “uma pessoa, um voto”, criticada na China, pois não levaria às escolhas mais corretas, muito sujeitas a pressões financeiras.

Um modelo meritocrático é o que se busca nas empresas privadas ocidentais, e o que temos de fazer é buscar a legitimação da democracia representativa por reformas estruturais na educação e na distribuição de renda e das regras eleitorais, para que o cidadão tenha capacidade de escolher melhor candidatos melhores. O economista francês Thomas Piketty, um dos mais atuantes debatedores da desigualdade como fator de enfraquecimento das economias ocidentais, em seu mais recente livro em português, editado pela Intrínseca, faz uma análise sobre “uma breve história da desigualdade”. Em seguida será lançado o novo livro “Vivement le socialisme!”, ainda sem título em português.

Em entrevista à revista Le Point, Piketty diz que os Estados Unidos “inventaram um imposto progressivo bastante elevado, como em nenhum outro lugar, mas logo em seguida, com o mesmo vigor, foram no sentido oposto”. Referia-se à política do presidente Ronald Reagan, que, segundo ele, embora não fosse absurda, não deu certo. “Trinta anos mais tarde, constatamos que os americanos não alcançaram o aumento de renda esperado e, ao contrário, a taxa de crescimento da renda por habitante caiu pela metade entre 1990 e 2020.”

Piketty cita a questão da educação, fundamental na redução da desigualdade, como indicativo negativo do desenvolvimento americano: “O país ainda tem grandes universidades, ricas e no topo dos rankings, mas 70% dos americanos mais pobres não têm acesso a uma boa educação”. Piketty diz que o Imposto de Renda progressivo “permitiu reduzir muito a desigualdade sem impedir o crescimento, pois a receita gerada — pelos encargos — serviu para investir na educação, na saúde e nas infraestruturas”. Não é à toa que bilionários e milionários americanos fazem campanha pedindo para pagar mais impostos.

Entre nós, a discussão sobre a desigualdade de renda ganha contornos ideológicos que transformam o capitalismo na maldição da humanidade, e o comunismo, abandonado por Cuba e pela própria China, na salvação. Recentemente, o ex-presidente Lula festejou o centenário do Partido Comunista Chinês ressaltando que a China tem um partido político forte e um governo forte, por isso o governo tem controle e poder de comando.

Partido único e governo forte são a receita perfeita para a imposição de ideias e decisões do Partido Comunista da China, mas não nas democracias ocidentais como a nossa. O próprio Piketty, em entrevistas, já reconheceu “a tremenda redução da desigualdade de renda em termos globais, advinda da elevação de padrão de vida nas partes pobres do planeta nos últimos 30 anos, um aspecto muito positivo da globalização”. Ao analisar o modelo de desenvolvimento chinês, deveríamos fazer o mesmo que eles, em direção contrária: copiar as coisas boas do socialismo e adaptá-las ao capitalismo.

O Globo

Cativeiro eleitoral - Editorial

 




Troca de comando do BNB se presta a favorecer o Centrão e Bolsonaro na eleição de 2022

O episódio da demissão de Romildo Carneiro Rolim da presidência do Banco do Nordeste (BNB) revela como o presidente Jair Bolsonaro é figura acessória em um governo de facto exercido pelo Centrão. Por sua vez, a razão que motivou a troca do presidente do banco de economia mista exemplifica como políticas públicas, como o programa de microcrédito do BNB, o Crediamigo, são corriqueiramente instrumentalizadas a fim de produzir uma espécie de cativeiro eleitoral em todo o País, particularmente na Região Nordeste, historicamente a mais dependente dessas políticas por concentrar os piores indicadores de pobreza do País.

Desde a redemocratização, todos os presidentes da República tiveram que governar com o Centrão, dividindo mais ou menos poder com o Legislativo, a depender da força política do mandatário. Com Bolsonaro na Presidência, o notório bloco parlamentar vislumbrou a oportunidade de atingir um grau de protagonismo que, até então, jamais experimentara. Bolsonaro, não é de hoje, já não dá um passo sem a anuência do grupo a quem diz ter entregado a “alma” de seu governo. Contribuem para esse novo arranjo, em que é o Centrão quem dá a palavra final, a aversão do presidente ao trabalho, a falta de uma agenda programática a ser defendida pelo Executivo no Congresso, a incapacidade de Bolsonaro para construir uma sólida base parlamentar e a fraqueza política do presidente em virtude do aumento consistente de seus índices de impopularidade. Tudo isso somado torna Bolsonaro vulnerável como nenhum outro antes dele às pressões de um grupo político cujo atributo mais notável é a enorme capacidade de parasitar cada célula de um governante fraco.

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, o presidente nacional do PL, o multicondenado Valdemar Costa Neto, prócer do Centrão, mostrou-se “surpreendido” com uma mensagem de Bolsonaro questionando-o a respeito de “irregularidades” no contrato firmado em 2003 entre o BNB e uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) para gerir o programa Crediamigo, no valor de cerca de R$ 600 milhões por ano. Costa Neto foi “cobrado” por Bolsonaro porque a indicação dos presidentes do banco de desenvolvimento regional cabe ao PL no arranjo entre os partidos para nomeações para cargos em estatais e bancos públicos.

Ao que tudo indica, essa “cobrança” de Bolsonaro ao chefão do PL foi o pretexto para que Costa Neto pedisse a demissão de Romildo Rolim, que se mostrava avesso à ideia de uma nova licitação para a administração do contrato de gestão do programa Crediamigo. Com ele, caiu toda a cúpula do BNB. Um novo contrato para gestão do bilionário programa de microcrédito atende tanto o PL, de olho nas eleições de 2022, como Bolsonaro, que enfrenta forte resistência à sua reeleição nos Estados da Região Nordeste. Ademais, a ONG que hoje administra o programa, o Instituto Nordeste Cidadania (Inec), é ligada ao PT, o que alimenta os temores de Bolsonaro de que a manutenção da parceria fortaleça seu principal adversário na eleição presidencial do ano que vem até o momento, o ex-presidente Lula da Silva.

A reportagem do Estado ouviu diferentes fontes políticas e econômicas com experiência na administração do BNB. Todas afirmaram que nada há de concreto a indicar que haja corrupção, desvios ou má gestão na execução do contrato, mesmo passando por escrutínios os mais diversos ao longo dos 18 anos da parceria entre BNB e Inec.

Fica claro, portanto, que a ligação do Inec com o PT foi o argumento usado para convencer Bolsonaro a trocar o comando do BNB e, assim, permitir ao PL e ao Centrão instalar no banco uma diretoria favorável a uma nova licitação do programa de microcrédito, que tem enorme potencial eleitoral. O primeiro ato do presidente interino do banco, Anderson Possa, foi abrir a licitação à qual seu antecessor se opunha. Possa recebeu um telefonema de Bolsonaro no fim de semana. “Bota moral aí”, determinou o presidente.

O Estado de São Paulo

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