Wálter Maierovitch
do UOL
Donald Trump, por ter sido eleito presidente, recebeu uma colher de chá. Passaram o pano antes da dosagem (individualização), numa pena que poderia ter chegado a quatro anos. Ele foi sentenciado pelo caso dos pagamentos à atriz pornô Stormy Daniels e entra para a história como o primeiro chefe de Estado condenado a assumir o poder nos EUA.
Jair Bolsonaro, pelo risco de fuga, deverá ter indeferido, mais uma vez, pelo STF a restituição de seu passaporte, documento necessário para sair do país, após ele divulgar que foi convidado para a posse de Trump. Com isso, aparecer, como papagaio de pirata, ao lado de figurões internacionais, representantes da direita não democrática e a daquela radical, de matriz fascista.
ANISTIA DO VOTO – Pela cabeça americana, nada mais justo aconteceu com Trump. Os cidadãos votantes, que sabiam da sua condenação por júri estadual no caso da compra do silêncio da atriz, cassaram a condenação e deram-lhe um mandato presidencial, ganho com folga contra a democrata Kamala Harris.
No sistema jurídico da common law, a decisão de reconhecer o crime e suspender incondicionalmente a execução da pena não surpreende em nada.
Na plea-bargaining pode-se apagar tudo, como se não tivesse acontecido nada. No Brasil, até quatro anos daria regime prisional aberto.
Trump, sem precisar cumprir pena por ser presidente eleito, estabelece o precedente jurisprudencial — valerá para um próximo presidente em igual situação.
NÃO HOUVE PENA – Como nenhum presidente americano pode ter mais do que dois mandatos, simultâneos ou não, Trump não poderá, no futuro, beneficiar-se do próprio precedente. Enfim, Trump ficou com condenação, mas sem nenhuma pena. Como se diz no popular, ficou incensurável.
No Brasil, durante todo o seu mandato presidencial, Jair Bolsonaro se preocupou com um plano golpista para permanecer no poder.
Cansou de imitar Trump, sem a mesma competência. Em todo 7 de setembro, querendo se apropriar da data, tornava explícita a intenção de passar por cima da Constituição, acabar com o Estado de Direito e se perpetuar no poder.
CRIMES GRAVES – A invasão e destruição das sedes dos Três Poderes, no 8 de janeiro, foi outra imitação. Na verdade, o 8 de janeiro foi o Capitólio de Bolsonaro.
Em breve —e não vai passar de fevereiro próximo—, Bolsonaro deverá ser processado criminalmente por crimes graves. Dentre eles, golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Desde quando teve negado o primeiro pedido de devolução do passaporte, a sua situação só se agravou. Pode-se presumir, com indicativos consistentes, a fuga de Bolsonaro, para evitar ir para a cadeia em regime fechado.
Com a fuga, uma vez exilado, poderá ter um palanque golpista e desestabilizador fora do Brasil.
OUTRAS FUGAS – Bolsonaro já fugiu uma vez para Miami. Um ano depois, passou três dias na embaixada da Hungria, do autocrata e amigo Viktor Orbán, e está à véspera de ser denunciado criminalmente e processado.
Além disso, o seu homem forte do golpismo, general Braga Netto, está preso. E existe a delação do seu “pau-mandado”, o ajudante golpista tenente-coronel Mauro Cid.
Como Bolsonaro não adota o princípio ético militar de “não abandone o companheiro ferido numa batalha”, existe, entre os militares do time golpista abandonados e jogados ao mar por Bolsonaro, uma forte inclinação de colaboração com a Justiça —juridicamente, uma busca do direito premial pela delação, mas, acima de tudo, transmitir um ato de arrependimento, de contrição por amor à pátria.
SEM O PODER – Trump não é fujão. Não entrega aliados. É poderoso economicamente e chegará ao poder real no dia 20. Goza de amplo apoio popular, esperteza, desonestidade e falta de escrúpulos.
Já Bolsonaro não tem mais o poder, o mandato presidencial. É fujão e covarde ao entregar aliados. Não é poderoso economicamente, apenas um peculatário de joias da União. Não goza de apoio popular majoritário.
No fundo, só é desonesto, golpista e populista como Trump.