Publicado em 9 de janeiro de 2024 por Tribuna da Internet
José Casado
Veja
Dois janeiros separados por imagens diferentes. Ano passado, depois dos ataques às sede das instituições, a cúpula dos Três Poderes e 27 governadores uniram-se em manifestações públicas de louvor ao regime democrático.
Nesta segunda-feira, no primeiro aniversário da barbárie do 8/1, a cena foi bem diferente, marcada pela ausência deliberada de 14 governadores, da cúpula da Câmara e o protesto de dezena e meia de senadores.
FORA DA ORDEM – Não há razão para se acreditar que tantos políticos tenham atravessado as últimas 53 semanas em profunda reflexão coletiva sobre virtudes e defeitos da democracia e, agora, concluíram que é o pior de todos os regimes de governo.
Por isso, é evidente que alguma coisa ficou fora da ordem no evento montado pelo governo para a celebração democrática em em Brasília com “um eloquente NÃO ao fascismo” — expressão destacada por Lula em discurso.
O que deu errado? Entre os ausentes, a resposta mais frequente foi o uso político da solenidade no plenário da Câmara. Entre os presentes, a explicação mais constante foi “a polarização” em ano de eleições municipais.
DEMOCRACIA ABALADA – Os dois lados têm razão. E , nesse caso, significa uma sinalização ruim: a democracia segue “inabalada”, mas sem consenso mínimo sobre como poderá prover as necessidades básicas de duas centenas de milhões de pessoas, por exemplo, em renda, educação, segurança, saúde e previdência.
Lula escolheu fazer um discurso raso, metade impregnado pela fórmula sectária do “nós contra eles” e outra metade recheada de autorreferências.
Ofereceu-se à Justiça Eleitoral como garoto-propaganda: “Quando alguém colocar dúvidas sobre a democracia no Brasil, seria importante que vocês não tivessem receio de utilizar a minha história e a história do meu partido como garantia da existência inabalável da democracia nesse país.”
BOLSONARO E FILHOS – Dedicou-se ao adversário, sem nomeá-lo, que derrotou nas urnas do ano passado e que está inelegível, por condenação judicial, pelos próximos sete anos: “As pessoas que duvidam das eleições e da legalidade da urna brasileira, porque perderam as eleições, por que que não pede para o seu partido renunciar todos os deputados e senadores que foram eleitos? Os três filhos dele que foram eleitos? Por que que não renunciam em protesto à urna fraudulenta?”
Lula acabou reduzindo a celebração da democracia a uma briga de palanque. A fórmula tem se mostrado funcional para ele e Jair Bolsonaro manterem inflamados corações e mentes das respectivas torcidas. E só.
No domingo 8 de janeiro do ano passado, quando aliados de Bolsonaro começaram a invasão das sedes do governo, do Congresso e do Judiciário, o juiz Gilmar Mendes estava em Lisboa. Almoçava com Nuno Piçarra, juiz da Corte Europeia, sediada em Luxemburgo, e conversavam sobre o final pacífico da transição de governo no Brasil, com a posse de Lula uma semana antes. Surpreso com o noticiário sobre a devastação em Brasília, voltou ao Brasil e foi ao STF depredrado.
DUAS PERGUNTAS – “Diante do estrago, fiz duas perguntas” — contou Gilmar Mendes ao repórter João Almeida Moreira, do Diário de Notícias, de Portugal: ‘O que fizemos de errado para chegarmos aqui, dado o ódio, refletido nos danos, muito maior sobre o tribunal do que sobre o Congresso e o Planalto? E o que devemos fazer para evitar que se repita?’, e neste ponto entra um dever de todos que têm responsabilidade na vida pública, de tentarmos pensar em formas de fortalecermos a democracia.
Pode-se dizer que Lula jogou pela janela a chance de assumir a liderança de iniciativas para evitar que a barbárie política se repita.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Quanto ao fato de Lula citar a história de sua vida como consagração da democracia, seria melhor não tocar no assunto, porque teremos de falar no “Barba”, no “Mensalão”, no “Petrolão” e na existência oficial da segunda-dama Rosemary Noronha, que são quatro episódios picantes de nossa evolução democrática. (C.N.)