Marcus André Melo
Folha
O modelo de Simón Bolívar para a América Latina era “reis eleitos, com o título de presidentes”. Mas presidencialismo imperial é coisa do passado. Os presidentes perderam poderes discricionários e alguns constitucionais. Como no Brasil, onde as relações Executivo-Legislativo estão se reacomodando. E há confrontos.
O presidente Lula apresentou a MP da reoneração como para medir forças com os presidentes das duas Casas legislativas. Isso após ter seu veto integral à proposta derrubado no Senado. Ou seja, dobrou a aposta.
UMA SINALIZAÇÃO? – O que explica esta medida audaciosa? Uma hipótese é que se trata de uma estratégia de sinalização de seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Espera ganhar mesmo perdendo: irá recorrer ao episódio para justificar o aumento da arrecadação em 2024.
A rigor, a estratégia de transferência da culpa já se generalizou. As queixas em relação à parlamentarização cumprem esse papel. O Congresso é bode expiatório para a corrupção, imobilismo, irresponsabilidade fiscal etc.
A estratégia parece estar funcionando. O que surpreende considerando que nem os escândalos de corrupção nem o desvario fiscal em governos do PT no passado estiveram associados às emendas orçamentárias ou a medidas do próprio Congresso.
HÁ PRECEDENTE – Aqui há um precedente importante. O presidente do Senado, em março de 2015, Renan Calheiros, recusou uma MP também sobre a desoneração fiscal da presidente Dilma, que teve que reenviá-la como projeto de lei. Demorou seis meses para ser aprovado e só entrou em vigor em dezembro daquele ano.
Renan alegou que “não é um bom sinal para o ajuste, para a democracia, para a estabilidade econômica, aumentar imposto por medida provisória. Qualquer ajuste tem que ter uma concertação, um pacto, tem que ouvir o Congresso Nacional”.
A conjuntura era de confronto entre o PMDB e Dilma Rousseff, e começou já no seu primeiro mandato. Vale lembrar, nas eleições municipais de 2012, o PMDB fez um manifesto contra o favorecimento pelo governo de candidatos do PT em detrimento do partido, principal parceiro do governo. Como o conflito escalou é de conhecimento geral.
VIROU AO CONTRÁRIO – Hoje a situação se inverteu: as emendas orçamentárias (e não só as impositivas) alimentam os parceiros da coalizão, gerando insatisfação no PT, que reclama da parlamentarização.
Sim, a MP impressiona. Faz sentido apenas o timing: os presidentes das duas Casas se tornam patos mancos em 2024. Foram fundamentais para a aprovação da PEC da Transição, do arcabouço fiscal e da reforma tributária.
Quando Rodrigo Maia imperava, quem imaginaria que Lira passasse a deter tanto poder. É que seus poderes são institucionais, independeM de quem ocupa o cargo.
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