Militares da Ucrânia estão sendo treinados em bases americanas em solo alemão. Berlim, por sua vez, vem fornecendo armas para Kiev. Ações podem colocar Alemanha em rota de confronto direto com a Rússia?
Por Matthias von Hein
Pressath é uma pequena cidadezinha tranquila no leste da Baviera. Com quase 5 mil habitantes, a localidade é conhecida por suas trilhas na natureza e seus vários castelos.
No entanto, recentemente, a imprensa local começou a relatar que a tranquilidade tem sido interrompida ocasionalmente por estrondos, que fazem as paredes sacudirem e o chão tremer.
A origem não está longe: Pressath fica a apenas 20 quilômetros do centro da área de treinamento militar de Grafenwöhr. Com mais de 200 quilômetros quadrados, esse é o maior campo de treinamento militar dos Estados Unidos na Europa. E seria nesse local que as forças americanas estariam treinando tropas ucranianas a operarem peças de artilharia.
Na sexta-feira passada, o porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA, John F. Kirby, confirmou "que os Estados Unidos começaram a treinar as forças armadas ucranianas em sistemas de armas-chave nas instalações militares dos EUA na Alemanha".
Além do treinamento na operação de obuses, Kirby também afirmou que os ucranianos estão recebendo instrução para uso de sistemas de radar e veículos blindados, que fazem parte dos pacotes de assistência anunciados por Washington à Ucrânia.
As Forças Armadas dos EUA "organizarão esse treinamento em coordenação com o governo da República Federal da Alemanha e, é claro, agradecemos o apoio contínuo da Alemanha", disse o porta-voz do Pentágono. Kirby não quis fornecer detalhes sobre potenciais locais de treinamento fora da Alemanha.
As promessas em Ramstein
Os tremores em Pressath são sinais visíveis do ímpeto que o "ponto de virada" anunciado há mais de dois meses pelo chanceler federal Olaf Scholz devido ao ataque russo à Ucrânia vem recebendo nos últimos dias.
Isso também pode ser sentido nas falas da ministra da Defesa, Christine Lambrecht, na reunião organizada pelos EUA na semana passada na base militar americana em Ramstein, no estado da Renânia-Palatinado. Na presença do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, Lambrecht prometeu fornecer à Ucrânia armas pesadas, incluindo blindados antiaéreos Gepard.
A ministra da Defesa da Alemanha também anunciou em Ramstein que tropas ucranianas seriam treinadas em solo alemão "junto com nossos amigos americanos". A Alemanha "juntamente com a Holanda fornecerá treinamento para obuses autopropulsados e munição para a Ucrânia, porque todos sabemos que a artilharia é um fator essencial neste conflito", acrescentou Lambrecht.
Além do campo de Grafenwöhr, os soldados ucranianos também podem vir a receber instrução em equipamentos militares ocidentais na área de treinamento militar de Hohenfels. Com mais de 160 quilômetros quadrados, o local também é usado pelas Forças Armadas dos EUA. Mais de 300 quilômetros de estradas existem no campo, que também conta com pequenas cidades cenográficas para se treinar para a guerra da maneira mais realista possível.
Alemanha arrisca se envolver mais diretamente no conflito?
Ao auxiliar no treinamento de soldados ucranianos em seu solo, a Alemanha arrisca se envolver ainda mais na guerra na Ucrânia? Esse medo foi despertado recentemente por um relatório do serviço de pesquisa do Parlamento alemão (Bundestag).
Com o título "Questões jurídicas do apoio militar à Ucrânia por membros da Otan: entre neutralidade e participação no conflito", o relatório avaliou as ações do governo alemão na guerra.
Os autores consideraram que entregas de armas por si só são irrelevantes sob o direito internacional – independentemente de serem armas "ofensivas" ou "defensivas".
Mas essa posição é mais delicada quando passa a incluir treinamento: "Quando você começa a considerar aconselhar os envolvidos no conflito ou fornecer treinamento com armas, você deixa a zona de segurança do não envolvimento", conclui o relatório.
Questionado sobre essa conclusão na segunda-feira, o porta-voz do governo alemão Steffen Hebestreit admitiu que Berlim está "constantemente em uma situação difícil". Mas "somos da opinião de que treinar soldados ucranianos em sistemas de armas na Alemanha não significa se envolver diretamente na guerra", disse ele.
A posição do porta-voz do governo é compartilhada por Stefan Talmon. Em entrevista à DW, o especialista em direito internacional argumentou que "uma guerra de agressão é ilegal sob o direito internacional, então não há mais nenhuma obrigação sob o direito internacional de permanecer neutro". "Isso significa que as armas geralmente podem ser fornecidas e você também pode usar essas armas para treinamento."
Treinar outros para lutar é diferente de lutar diretamente, acrescentou Talmon, mesmo que nem todos vejam dessa maneira. "Se isso importa para Putin ou não é uma questão completamente diferente", diz o especialista.
Além disso, o treinamento de tropas ucranianas em solo alemão não é em si uma novidade. Wolfgang Richter, ex-coronel da Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) e atual membro do think tank SWP, sediado em Berlim, afirmou à DW que soldados ucranianos já recebem há algum tempo treinamento em território alemão por parte dos militares dos EUA, especificamente nos campos de Hohenfels e Grafenwoehr na Baviera. E tudo isso é feito às claras.
O jornal militar americano Stars and Stripes relatou em dezembro passado um exercício de dez dias no Centro Multinacional Conjunto de Prontidão de Hohenfels com 4.600 soldados do Leste Europeu. Também estavam presentes unidades da 92ª Brigada de Infantaria Mecanizada da Ucrânia.
Deutsche Welle