O Brasil será uma das economias emergentes que menos crescerá este ano - se crescer
Fortes desvalorizações do dólar ao longo da pandemia levaram a um superávit comercial recorde no ano passado, de US$ 61 bilhões, e a um recorde em exportações (US$ 280,39 bilhões), mas não evitou a decadência da competitividade dos manufaturados brasileiros. A pauta de vendas ao exterior está cada vez mais concentrada e com seu dinamismo voltado para os bens primários provenientes da agricultura e da indústria extrativa. A balança da indústria de transformação registrou déficit de US$ 53,36 bilhões no ano passado.
Apesar do câmbio favorável, e contrariando os manuais, as importações da indústria de transformação cresceram mais que as exportações - 35,1% e 26,3%, respectivamente. Também em contradição com o que se poderia supor diante de um real superdesvalorizado, o país teve déficits em praticamente todos os mercados compradores relevantes, com exceção da Ásia, onde a participação da China é preponderante. O Brasil teve pequeno saldo negativo em suas transações com a Argentina (de US$ 70 milhões), um resultado negativo pouco maior com União Europeia (- US$ 1,73 bilhões) e outro, substancial, com os Estados Unidos (-US$ 8,28 bilhões).
As commodities agrícolas e minerais garantiram o saldo positivo da balança brasileira, e a China, mercado do qual o país é cada vez mais dependente, assegurou dois terços do resultado comercial, ou US$ 41,4 bilhões. A Ásia compra quase metade dos bens exportados brasileiros (46,3%) e a China, quase um terço (32,1%), embora a fatia da região e do país tenham tido um pequeno declínio no ano passado.
Como esses mercados relevantes são também concorrentes mais competitivos do Brasil em bens manufaturados, as commodities continuaram avançando na composição da pauta de vendas brasileiras. Minério de ferro, óleos brutos e cobre somam US$ 78,1 bilhões das exportações, mais de um quarto do total. Se a eles forem acrescidos, soja e café não torrado, mais farelo de soja e carnes de aves (ambos classificados como produtos da indústria de transformação), as vendas somam US$ 137 bilhões - apenas sete categorias de produtos compõem a metade de tudo o que o Brasil exportou no ano passado.
Em 2022 a performance das exportações brasileiras provavelmente não se repetirá, mesmo que expectativas de valorização do real não se concretizem. 2021 foi o ano de consolidação da recuperação da devastação provocada pela pandemia e o comércio mundial, segundo estimativa da Organização Mundial do Comércio, deve ter crescido 10,8%. Para este ano a cifra cai a menos da metade, 4,7%.
Além disso, o pico da recuperação já ficou para trás nas principais economias desenvolvidas, em particular nos EUA, onde o crescimento deverá desacelerar para 4% este ano, ainda assim bem acima de sua tendência histórica. Esta perspectiva supõe que o início da redução da enorme liquidez global por parte do Fed e dos demais bancos centrais se dê de forma tranquila e previsível e não provoque tumultos financeiros, o que não está de forma alguma assegurado. A China está em desaceleração, sua participação no impulso ao crescimento da economia global diminuiu e é crescente a possibilidade de que não mais repetirá as taxas de expansão aceleradas da última década.
O crescimento mais moderado das economias desenvolvidas deve conter os preços das commodities, que serão mais comportados e possivelmente menos voláteis do que foram nos últimos dois anos. Em 2021, o crescimento dos preços foi determinante para o saldo recorde, com evolução de 28,3%, ante apenas 3,5 nas quantidades vendidas. Nas commodities metálicas, os preços saltaram 62,4%. Dada a dependência crescente delas, o saldo comercial pode cair um pouco. Para a inflação doméstica isto será positivo e poderá aliviar a carga de juros necessária para trazê-la de volta à meta, desde que a variação do dólar em relação ao real não dispare, como no passado recente. As chances de valorização do real em um ano eleitoral, porém, são diminutas.
Por outro lado, o Brasil será uma das economias emergentes que menos crescerá este ano - se crescer. Ainda que seja difícil bater novo superávit recorde, a participação do setor externo no crescimento será positiva, ao contrário de 2021, quando deve ter retirado 1,4 ponto percentual do PIB (segundo previsão do Banco Central). As importações diminuirão com a menor atividade, enquanto que as exportações aumentarão, embora em ritmo mais comedido que no ano passado.
Valor Econômico