Publicado em 8 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
O general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército, fez um pronunciamento na tarde de quinta-feira, estabelecendo a vacinação dos militares e estendendo a sua decisão aos que praticarem fake news, sugerindo inclusive que alertem os seus parentes para tal atividade perniciosa.
O pronunciamento do ministro do Exército, podemos chamá-lo assim, tornou-se extremamente oportuno, talvez por coincidência do destino, no mesmo dia em que Bolsonaro gravou um vídeo que colocou na internet, levantando suspeição sobre a Anvisa no seu empenho para vacinar a população infantil de 5 a 11 anos de idade.
DECLARAÇÕES – O Globo de ontem, reportagem de Jussara Soares, destaca o assunto realçado também na Folha de S. Paulo, por Vinicius Sassine. Na noite de quinta-feira, tanto a GloboNews, quanto a TV Globo no Jornal Nacional, colocaram no ar o vídeo contendo as declarações de Bolsonaro, e nele reproduziu entrevista que fez a uma emissora de televisão do Nordeste.
A manifestação de Bolsonaro, francamente, não poderia ter sido pior e mais prejudicial à sua própria campanha em busca de votos, num esforço muito grande para reduzir a diferença que Lula da Silva abriu sobre ele, assinalada tanto pelo Ipec quanto pelo Datafolha. Pelo Ipec, 48 a 21, pelo Datafolha, 48 a 22. A rejeição ao governo permaneceu alta. A situação eleitoral do chefe do Executivo revela-se precária e a sua vulnerabilidade só pode ter crescido depois de novamente condenar a vacinação infantil. E não é só.
RECEITA MÉDICA – Depois de uma audiência pública cujos integrantes foram selecionados pelo ministro Marcelo Queiroga, mas que mesmo assim não aprovou a obrigatoriedade de receita médica, o desastre tornou-se ainda mais amplo. Não é possível que num momento em que a população brasileira adere maciçamente à vacinação contra a Covid-19, haja alguém disposto a votar em Bolsonaro em função de seu posicionamento contrário a que crianças de 5 a 11 anos sejam imunizadas.
A vacinação tem o apoio da comunidade científica de modo geral não apenas no Brasil, mas em mais 31 países, entre os quais os Estados Unidos, o Reino Unido, a França, a Itália e a Espanha. Não faz sentido que alguém deixe de levar o seu filho ou sua filha para vacinar-se em função do que disse literalmente o presidente da República. No episódio, ele só pode ter perdido votos para as eleições de outubro deste ano.
AMEAÇA – Reportagem de Igor Gielow, Folha de S. Paulo desta sexta-feira, revela que o comando do Exército decidiu adiantar exercícios militares diante do temor de violência no caminho das urnas de outubro. O texto da decisão publicada por Igor Gielow é elucidativo.
A decisão do comando, que evidentemente inclui o ministro Paulo Sérgio Nogueira, diz: “Todos os 67 exercícios militares principais previstos para o ano que se encontram marcados para o último trimestre foram adiantados e deverão ser executados no máximo até setembro. Depois disso, todo o efetivo estará à disposição para eventuais necessidades”.
Acrescenta a reportagem que as conversações mantidas pelo Alto Comando do Exército tratam do tema polarização política levando em conta o cenário atual das pesquisas eleitorais. Generais temem que a animosidade entre os dois grupos possa descambar para incidentes pontuais de violência ou contaminar discussões em disputas estaduais.
CONVERGÊNCIA DEMOCRÁTICA – Na minha opinião, apreciando-se o documento do general Paulo Sérgio Nogueira com a manifestação do Alto Comando focalizada por Igor Gielow, verifica-se inevitavelmente uma convergência democrática previamente consolidada para impedir que aconteça nas urnas brasileiras de outubro o que ocorreu há um ano nos Estados Unidos, quando radicais do Partido Republicano invadiram o Congresso na mais que alucinada tentativa de impedir a proclamação da vitória de Joe Biden.
Alguns comentaristas admitem que a atitude alucinada poderá render votos para o Partido Republicano para as eleições deste ano. A democracia, porém, é muito mais forte do que impulsos partidários, sobretudo os que vêm da extrema-direita. Se a violência (parto deste princípio) pudesse assegurar a vitória dos violentos, eles nunca perderiam o poder nos países do mundo. Refiro-me ao mundo democrático, claro.
MENSAGEM – E, por isso, vejo claramente na manifestação do general Paulo Sérgio Nogueira e na instrução do Alto Comando um sentido tão claro quanto transparente de respeito ao resultado das urnas, e acho que a mensagem foi endereçada ao Palácio do Planalto e aos antigos apoiadores que na Esplanada de Brasília já pediram a intervenção militar e o fechamento do Supremo Tribunal Federal.
Só pode ser esse o motivo, porque na realidade, não faz sentido recorrer à violência a corrente política que está na frente da maratona eleitoral. A violência decorre do inconformismo e do reconhecimento tácito de que os seus autores tentam escapar dos limites democráticos, um patrimônio popular brasileiro.
ESCOLAS DE SAMBA – O prefeito Eduardo Paes, mais uma vez, foi ao encontro da reivindicação turística dos hotéis do Rio de Janeiro. Proibiu o Carnaval de rua, mas liberou o desfile das escolas de samba. Como os médicos já assinalaram, a decisão não faz sentido. A contaminação pelo desfile das escolas de samba é muito maior, sobretudo porque são dois dias de aglomerações no sambódromo e também nas concentrações das próprias escolas. Além disso, há o problema dos ensaios nos diversos bairros da cidade.
É recomendável que a questão seja revista para evitar um novo surto da pandemia que subiu exatamente no início deste ano, consequência das aglomerações causadas pelos festejos da passagem de 31 de dezembro, o que não pode representar uma coincidência em todos os países nos quais o fenômeno ocorreu.