O Fed navega até certo ponto em mares desconhecidos
As discussões na última reunião do Federal Reserve continham algo mais do que o que foi transmitido com um ar sereno por seu presidente, Jerome Powell, em entrevista, ou no comunicado emitido ao término do encontro. A ata de ontem mostra que houve praticamente consenso de que a inflação já foi longe demais e de que a meta do pleno emprego foi praticamente atingida. O Fed concluiu que é o momento de agir, ou seja, antecipar o início do ciclo de aumento dos juros e outras providências que comecem a reduzir a enorme liquidez extra criada pelas medidas destinadas a combater os estragos econômicos provocados pela pandemia.
Os mercados se inquietaram com o tom mais urgente e duro, ligeiramente diferente do de Powell ao fim da reunião. A iminência de o país atingir o pleno emprego e uma inflação generalizada e mais persistente do que se esperava levou o banco a determinar a redução mais drástica de sua compra de ativos, antecipando seu fim para a metade de março. As apostas do mercado dão dois terços de chance de um aumento de 0,25 ponto percentual vir logo em seguida, seguidos de mais 2 antes do fim do ano - antes, estimava-se que o torniquete dos juros começaria a ser usado a partir do segundo semestre de 2022. No gráfico de pontos, a maioria dos membros do Fomc já sinalizava sua inclinação por levar a taxa a 1%.
Esta percepção formou-se pelo relato da ata na qual “os participantes notaram que, segundo suas perspectivas individuais para a economia, para o mercado de trabalho e para a inflação, pode se tornar justificável aumentar a taxa dos fed funds antes ou a um ritmo mais rápido do que eles próprios previam”.
Havia mais na ata, porém. O Fomc fez uma intensa discussão não apenas sobre antecipar o prazo de compras de ativos, mas também quando e de que forma iniciar a redução do balanço do banco, que hoje ultrapassa US$ 8 trilhões. A aparente pressa pode ter relação com o perigo inflacionário, ou não. Em um cenário em que o risco deflacionário era predominante, o Fed parou de adquirir ativos em 2014, subiu os juros e só começou a diminuir o seu balanço em outubro de 2017. Nada de muito relevante aconteceu.
Agora, a predisposição do Fed, sempre condicionada ao desempenho da economia, é tornar esse processo bem mais rápido, logo após o primeiro aumento de juros, possivelmente em junho, o que seria justificável pela diferença de condições das duas circunstâncias nas quais o Fed tomou essa iniciativa. “Os participantes ressaltaram, notadamente, que a perspectiva econômica atual é mais robusta, com inflação maior e um mercado de trabalho mais apertado que no início da normalização anterior”, menciona a ata, além do fato de que o balanço do Fed ser hoje muito maior em termos absolutos e relativos (como proporção do PIB).
Outra característica do balanço do Fed é particularmente importante: o prazo dos títulos em posse do banco é hoje menor, ou seja, segundo alguns participantes, dependendo do limite fixado para a redução do balanço ele pode encolher mais rápido do que na iniciativa anterior. E alguns membros do Fomc consideraram que seria apropriada uma redução significativa durante o período de normalização monetária, dada a “liquidez abundante” nos mercados monetários e o elevado uso das compras reversas no overnight.
A ata mostra concordância sobre o processo ter de ser previamente anunciado, detalhado, e com tetos fixados para a redução ao longo do tempo. Mas ao estabelecer como primeiro e principal instrumento de política monetária a taxa de juros, o Fed reconhece que há menos incertezas sobre os efeitos de mudanças nos juros do que no balanço do banco central.
Não é trivial reduzir um balanço dessa dimensão e o Fed navega até certo ponto em mares desconhecidos. Se der prioridade aos títulos curtos, sua taxa de juros tende a subir, reforçando a ação aperto monetário, mas achatando a curva já que os títulos de longo prazo não se moverão muito. Se quiser evitar isso, o Fed teria que atuar na ponta longa, ou seja, na prática, influir em toda a curva a termo das taxas de juros.
De qualquer forma, o Fed incluiu mais um instrumento para a normalização monetária que ainda não estava no radar dos investidores e sinalizou premência em agir contra a inflação, em um grau inexistente antes. Para o Fed, a taxa de juros de curto prazo só irá a 3% em 2024 - um ritmo mais que moderado. Não se sabe se a cadência prescrita já foi ultrapassada pelos acontecimentos - e por isso os investidores estão ficando nervosos.
Valor Econômico