Mesmo marcado por escândalos e condenação por evasão fiscal, ex-premiê está disposto a concorrer a cargo de influência decisiva em crises no país. Analistas veem poucas chances de Silvio Berlusconi virar presidente.
Por Bernd Riegert
Sério? Silvio Berlusconi? Sim, o ex-chefe de governo da Itália, com a carreira política maculada por diversos escândalos e processos jurídicos, quer tentar mais uma vez. Aos 85 anos, vai se candidatar ao posto mais alto do Executivo italiano: quer se tornar presidente do país. O primeiro turno das eleições foi marcado para 24 de janeiro.
"Creio que Silvio Berlusconi pode ser útil para o país", disse sobre si mesmo o veterano conservador, que na Itália é chamado de Il Cavaliere ("O Cavaleiro"): "Não desistirei e farei o que o meu país precisa." No início de dezembro de 2021, o político, que foi primeiro-ministro da Itália quatro vezes, enviou uma imagem de seu rosto esticado por plásticas aos deputados no Parlamento em Roma, acompanhada de uma coleção de seus mais belos discursos.
Na Itália, a ação foi interpretada como pontapé inicial para uma discreta campanha eleitoral pela presidência. Muitos observadores nos diversos programas de debate na TV italiana consideram que o Cavaliere, que chegou a ser condenado por sonegação fiscal, só tem chances mínimas.
Mas ele é apoiado pelos populistas de direita Matteo Salvini e Giorgia Meloni, líder da legenda nacionalista de direita Irmãos da Itália. Antes das festas de fim de ano, ela se posicionou claramente: "Queremos um patriota. Berlusconi é um. Draghi não é."
Draghi quer ou não ser presidente?
Ao citar Mario Draghi, Meloni fala do candidato que, provavelmente, tem mais chances de obter o posto. O atual primeiro-ministro, que chefia um governo tecnocrata bem-sucedido e surpreendentemente estável, tem prestígio tanto na Itália como na Europa.
O porém: ele ainda não se declarou candidato. Na Itália, se auticandidatar para a presidência é tabu, apenas Berlusconi não teve problemas com isso. As ambições à presidência de Draghi, de 74 anos, são conhecidas, mas o governo provavelmente implodiria em pouco tempo sem a liderança do ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE).
No Parlamento, o governo é sustentado por uma coalizão unificada nacional atípica, integrada por todos os partidos do país – com exceção dos Irmãos da Itália de Giorgia Meloni.
Essa maioria se desintegraria, acredita Lutz Klinkhammer, especialista em assuntos relacionados à Itália do Instituto Histórico Alemão em Roma. Segundo o estudioso, o governo está no poder principalmente para distribuir de maneira sensata os 200 bilhões de euros (cerca de R$ 1,3 trilhão) do fundo de reestruturação da pandemia de coronavírus concedido pela União Europeia ao país. "Sem o dinheiro de Bruxelas, essa grande coalizão não teria se formado. E, de fato, ela é capenga. Sabemos disso. Por isso vejo grandes dificuldades. Não acredito na estabilidade desse governo se Draghi for eleito presidente."
A consequência poderia ser a realização de novas eleições, que talvez resultem num governo populista de direita e eurocético. Mas, se a recuperação econômica da Itália fracassasse depois da pandemia, isso inevitavelmente afetaria os demais países-membros da UE.
"Eleições são mais que um ritual"
Por isso, Enrico Letta, líder dos social-democratas da Itália, acredita que é muito melhor Draghi continuar na chefia de governo até o fim da legislatura atual, no início de 2023, finalizando seu programa de reformas.
"A Itália continua sendo o membro mais fraco da zona do euro, o que significa que a política italiana e os tomadores de decisão por trás dela serão decisivos para a sobrevivência e o bem-estar da UE nos próximos anos", escreveram Nouriel Roubini, economista e consultor financeiro de Nova York, e Brunello Rosa, da Universidade de Economia Bocconi, de Milão, num artigo de opinião conjunto para a revista social-democrata
Project Syndicate, intitulado "Por que a eleição na Itália importa".
"Se partidos populistas voltarem ao poder devido às já altas dívidas e déficits, a filiação da Itália à zona do euro poderia ser questionada. Isso resultaria em todo tipo de abalo e distorção dos mercados", escrevem os especialistas, para quem a futura eleição presidencial italiana é tudo, menos um simples ritual sem maiores consequências.
'Atual premiê Mario Draghi é considerado candidato com mais chances'
Diferentemente do presidente na Alemanha, cujo papel é mais simbólico apesar da designação de chefe de Estado, o presidente da Itália tem influência decisiva durante crises políticas. Ele pode nomear o chefe de governo e é quem aprova os ministros. Além disso, tem o poder de dissolver o Parlamento.
Com esses direitos, o atual titular do posto, Sergio Mattarella, instaurou seu amigo Mario Draghi no cargo de primeiro-ministro há um ano, encerrando uma crise de governo.
Pode ser que Draghi queira ocupar esse posto como manipulador-mor nos próximos sete anos. Com um premiê que lhe agrade, ele poderia chefiar a Itália durante muito tempo.
Porém não está claro se o Parlamento que será eleito nos próximos meses participaria do jogo. Sobre o assunto, em coletiva de imprensa recente Draghi só comentou que é um criado experiente de seu Estado. "Meu próprio destino não importa."
"É como escolher o Papa"
Também não está claro como serão as relações de maiorias no grêmio de 1.009 delegados que em 24 de janeiro decide quem será o novo presidente. Devido às suas regras complexas, o especialista Klinkhammer compara o processo eleitoral do presidente italiano à eleição de outro cargo de destaque que acontece em Roma.
"É como na escolha do papa. A maioria dos representantes do povo precisa encontrar a pessoa mais digna para o cargo nesse conclave", explica o pesquisador do Instituto Histórico Alemão.
Não existem cédulas de votação com nomes impressos dos candidatos. Todo deputado, senador ou delegado de uma região precisa anotar um nome completo à mão. Teoricamente, portanto, qualquer nome pode ser escrito.
Se ninguém alcançar uma maioria de dois terços nos três primeiros turnos, os turnos seguintes podem ser vencidos simplesmente com maioria absoluta – ou seja, a metade dos votos, mais um.
O processo pode demorar. Em 1972, por exemplo, foram necessários 23 turnos para que o candidato Giovanni Leone obtivesse maioria. Há sete anos, Sergio Mattarella precisou de quatro turnos.
No primeiro fim de semana de janeiro, representantes do setor cultural exigiram publicamente o fim do semicorrupto troca-troca amigável de cargos entre políticos idosos, e indicaram duas candidatas: a ministra da Justiça Marta Cartabia e sua ex-colega Paola Severino.
Provavelmente, elas têm as mesmas chances mínimas de Silvio Berlusconi. Contudo, conforme escreveu a revista britânica The Economist sobre a política doméstica italiana: "É improvável. Mas já aconteceram coisas mais estranhas."
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