PSB está com pouco poder de barganha para negociar com PT
Por César Felício (foto)
A federação partidária é uma velha aspiração do PSB. Não à toa foi um parlamentar do partido que propôs o projeto aprovado no ano passado. Isso em 2015, iniciativa do então senador Antonio Carlos Valadares.
O parceiro preferencial de quase todas as articulações partidárias sempre foi o PT. Está claro, portanto, que ainda que possam acontecer outros matrimônios no jogo das legendas, os protagonistas da novela que o mundo político acompanha são PT e PSB. Partidos de centro-direita podem se federar, mas a Federação é uma antiga ideia da centro-esquerda.
Andam mal as negociações, dada a resistência petista em ceder espaços, e caciques partidários de fora da esquerda apostam que o casamento não irá se concretizar.
“A questão central é a governança. Vai ser preciso um estatuto da federação. São muitas as dúvidas. As convenções serão conjuntas ou cada sigla terá que fazer a sua? se forem juntas, como vai ser a ponderação? quem vai ter mais peso?”, indaga um adversário certo da esquerda este ano.
Ele enumera outras dificuldades: a federação valerá por quatro anos, depois de celebrada. Ou seja, vigorará nas eleições municipais de 2024. Não se trata apenas de uma coligação presidencial, mas de 27 acertos este ano, uma vez que ela precisa ser repetida em todos os Estados. E daqui a dois anos precisa se repetir nos 5.570 municípios.
A resolução aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral em dezembro estipula que o arranjo todo precisa ser oficializado pela justiça até o dia 2 de abril. Daqui a menos de três meses, portanto. Sendo que o exame da federação pelo TSE só está assegurado para aqueles que requererem o registro até 1º de março. Faltam 53 dias.
Tudo precisará estar posto sobre a mesa com clareza, até porque, conforme o TSE consignou no artigo 11 da resolução, “as controvérsias entre os partidos políticos relativas ao funcionamento da federação constituem matéria ‘interna corporis’, de competência da justiça comum”.
A conclusão deste adversário das esquerdas é que a federação é factível quando há uma assimetria muito grande entre uma sigla e outra, de maneira a que haja um partido que mande e outro que obedeça. Poderia ser o caso, por exemplo, do PT com o PCdoB. Ou do PSDB com o Cidadania, para citar um possível enlace em outro campo ideológico. O PSB é um partido de porte médio, com controle de máquinas estaduais, sendo Pernambuco a mais relevante.
O que conta, e muito, a favor é que a proximidade entre os partidos é histórica. Principia em 1994, a primeira eleição geral das duas siglas, de presidente a deputado estadual. PT e PSB firmaram alianças em 18 Estados, inclusive em São Paulo, algo que não mais se repetiria. O PSB só não compôs a chapa com Luiz Inácio Lula da Silva porque um escândalo atingiu o senador José Paulo Bisol, que havia sido escalado como vice.
Também foi significativamente forte na eleição de 1998. Naquela ocasião, Luiz Inácio Lula da Silva foi um candidato representando uma frente da esquerda contra um incumbente, Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, uma eleição disputada na mesma plataforma do que a atual, ainda que naquela ocasião as chances de vitória do petista fossem reduzidíssimas, como a história comprovou. Naquela eleição, PT e PSB voltaram a se unir em 18 Estados.
A eleição seguinte, 2002, foi marcada pela verticalização das coligações, ou seja, pela obrigatoriedade das alianças estaduais repetirem uma coligação presidencial. Como tanto PT quanto o PSB lançaram candidatos naquele pleito - o vitorioso Lula e o então governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho pelos socialistas - coligações entre os dois partidos nos Estados ficaram interditadas judicialmente. Foi o ponto fora da curva.
Em 2006, foi Lula que disputou como incumbente. A verticalização ainda vigorou, mas o PSB não fechou aliança presidencial e assim pôde negociar nos Estados. Uniu-se ao PT em 16 unidades federativas. Quatro anos depois, na eleição de Dilma, a proximidade se repetiu. Novamente aliança em 16 Estados.
A partir daí o PT começou a declinar e o PSB se distanciou. Em 2014, eles se separaram na eleição presidencial, com a candidatura de Marina Silva pelos pessebistas, mas ainda assim foram realizados seis acertos regionais com os petistas. Em 2018, PSB e PT marcharam juntos em apenas sete Estados.
Com exceção da disputa de 2002, a história mostra portanto que o PSB se interessa mais pela aproximação quando Lula é o grande operador da aliança. Ele foi o candidato em 1994, 1998 e 2006 e atuou diretamente na eleição de 2010. Na de 2014, como se sabe, Lula teve menos protagonismo. Na de 2018 estava preso, mas ainda assim conseguiu inviabilizar à distância uma aliança do PSB em apoio a Ciro Gomes (PDT). PT e PSB se uniram em Minas Gerais e Pernambuco, onde respectivamente governavam, e o PSB ficou neutro na presidencial.
Além da tradição, joga também a favor de uma aliança o aperto da cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais fora do ambiente da Federação. É uma circunstância que não existia nos outros pleitos e que tirou muito o poder de barganha de todos os partidos que não têm um candidato presidencial próprio, como é o caso do PSB há oito anos.
A Federação de partidos é um passo enorme em relação a todas as demais aproximações entre o PT e o PSB, em termos de complexidade para funcionar e na quantidade de arestas a aparar. Nada garante que o arranjo vá sair. Mas, em se tratando de uma candidatura presidencial de Lula, é razoável supor que o PSB estará disposto a fazer concessões.
Até porque está com poucas e cartas na mão. Se o PT não atender as exigências, o PSB fará o quê? tirar Ciro Gomes do isolamento? Lançar Márcio França para presidente? Ambas as alternativas não são aleatórias, chegaram a ser mencionadas por integrantes do partido. Difícil é acreditar que estas empreitadas garantam a eleição de bancadas expressivas, e o PT sabe e se aproveita disso.
As pesquisas que mostraram Lula vencendo a eleição presidencial ainda no primeiro turno, em um certo sentido, tornaram a conversa mais difícil.. Deixaram o PT mais arrogante e cobiçoso de ter só para si o efeito de puxador de voto que o cabeça da chapa deve ter. Se o casamento sair, será entre desiguais.
Valor Econômico