Publicado em 3 de julho de 2021 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
O depoimento do policial militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominguetti, que repercutiu intensamente na imprensa e na televisão, não tem ligação direta com um outro escândalo que explodiu na área do Ministério da Saúde relativo ao projeto de compra no valor de R$ 1,6 bilhão da Covaxin, vacina produzida pela Índia.
Reportagem de Vinicius Sassine, Folha de São Paulo desta sexta-feira, focaliza o projeto global para recebimento de comissões ilegais, colocando em destaque o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, afastado do cargo através do qual seria realizada uma transação relativa à compra de vacinas independentemente da proposta da Davati Medical Supply. Portanto, são dois lances extremamente críticos, um diferente do outro, mas ambos culminando na área de Ferreira Dias.
RESERVA DE RECURSOS – O ex-diretor autorizou a reserva de recursos na escala de R$ 1,6 bilhão, transação a qual inclui um pagamento adiantado de US$ 45 milhões. O elo comum nos dois casos fechava-se no departamento que tinha Ferreira Dias como titular.
Como se constata, a desordem também era um fato importante e dominante na área do Ministério da Saúde em relação ao qual o presidente Bolsonaro apontava o seu desconhecimento. Surpresa foi ele não ter sido informado sobretudo pela Agência Brasileira de Inteligência, sediada no próprio Palácio do Planalto. São assim, na realidade, dois capítulos independentes mas que se unem em relação ao governo com o mesmo propósito.
Há contradições que dão margem à convocação de vários assessores envolvidos para acariação com Dominguetti a partir da próxima semana. Essa decisão foi tomada pelo senador Omar Aziz , presidente da CPI. O escândalo assim se amplia e acumula tensões no fim de semana que começa hoje, dando oportunidade aos acusados e envolvidos nominalmente de apresentarem as suas versões.
CONFLITOS – Pessoalmente não acredito que possa haver alguma composição de bastidor entre os apontados como responsáveis. É evidente que os interesses são conflitantes, exceto convergências na área do departamento de Logística do Ministério da Saúde. Porém, curvas sinuosas que não se interligam entre si, interligam a responsabilidade do governo em não cortar em tempo útil as sombras que desceram sobre a Esplanada do Planalto.
Há um aspecto realmente fantástico, pois se Ferreira Dias, segundo afirmou, conhecera Dominguetti em um jantar num restaurante de um shopping em Brasília, em um clima enigmático em face da proposta de corrupção, é absolutamente incrível que o titular de cargo desta importância possa ter aceitado colocar um caso tão sensível, como o da compra de vacinas, diante do então desconhecido Luiz Paulo Dominguetti, agora um dos principais interlocutores do episódio.
O ministro Marcelo Queiroga também agiu tardiamente ao só afastar o ex-diretor na semana passada, quando desde o início de 2021 Bolsonaro já havia sido informado pelo funcionário Luis Ricardo Miranda e pelo seu irmão, o deputado federal Luis Miranda.
EX-ALIADOS – Antes tarde do que nunca, diz o velho ditado. Mas o fato é que o espaço de tempo entre a informação e decisão ampliou incrivelmente o desgaste do governo Bolsonaro. Tanto assim, que O Globo colocou na primeira página da edição de quinta-feira uma foto reunindo opositores do Planalto, entre os quais ex-aliados de Bolsonaro que não suportaram as contradições entre os compromissos da campanha com os caminhos percorridos pelo governo.
A adesão de ex-apoiadores, tenho certeza, tornou-se a maior preocupação de Bolsonaro, uma vez que existem bolsonaristas arrependidos pelo voto confiado. Agora, a crescente transferência dos votos para Lula e outros candidatos representa o esvaziamento sensível e uma dificuldade na tentativa de Bolsonaro reeleger-se. Além disso, o ministro Paulo Guedes apresentou um projeto que no fundo, sob a capa de reduzir o imposto de renda, o eleva sobre a classe média.
As próprias empresas se espantaram com o anúncio da medida que poderá beneficiá-las, mas que vai funcionar inevitavelmente como mais um desgaste do Executivo em um momento absolutamente impróprio. O governo, sem projeto, desceu degraus nas pesquisas, tanto do Datafolha quanto do Ipec, e vê ampliar-se contra si mais um efeito da lei irremovível de gravidade.