Publicado em 5 de julho de 2021 por Tribuna da Internet
Jussara Soares e Paula Ferreira
O Globo
Escalados com o argumento de que evitariam irregularidades, militares que ocupavam postos de comando no Ministério da Saúde estão no olho da crise que atinge o governo, ao lado de políticos do Centrão. Além do ex-ministro Eduardo Pazuello, que é investigado, pelo menos quatro oficiais que passaram pela pasta foram envolvidos nas denúncias feitas aos senadores na CPI da Covid.
A teia de relações entre esses nomes fragiliza a estratégia do governo de tentar localizar a crise em servidores ligados ao Centrão e lança desconfiança sobre um dos seus principais grupos de sustentação. A citação de militares em negociações suspeitas para compra de vacinas causa constrangimento no Exército e alerta integrantes da comissão.
SEM DISTINÇÃO — “A CPI tem obrigação de investigar todos, desde que tenha fatos determinados. Não é uma questão de militar ou não militar. Investigamos qualquer pessoa, seja do presidente a qualquer outro funcionário que tem algum indício de envolvimento com coisas erradas” — disse o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi na mesma linha: “Ocorreu uma aliança entre velhos negociantes com novos negociantes. Vamos avançar em todas as direções que a investigação apontar”.
Ao chegar no Ministério da Saúde ainda como secretário-executivo em abril do ano passado, Pazuello recorreu aos colegas que fez ao longo de sua atuação no Exército para ocupar cargos estratégicos na pasta. O principal argumento era que os militares, além de especializados em logística e preparados para enfrentar uma guerra como a pandemia, estavam no local para evitar irregularidades no ministério. O órgão, um dos maiores orçamentos do Executivo, é alvo da cobiça de políticos.
E FORAM CHEGANDO… – Foi assim que o tenente-coronel da reserva Marcelo Blanco da Costa acabou sendo indicado para assessor do Departamento de Logística (DLOG) da pasta, então comandado por Roberto Ferreira Dias. O diretor estava no cargo desde o início do governo com a bênção do ex-deputado Alberto Lupion (DEM-PR) e do atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Na última semana, o policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que se apresenta como representante da Davati Medical Supply, apontou Blanco como o homem que abriu as portas para ele no ministério. Segundo o PM, o tenente-coronel também esteve presente no jantar em um restaurante de um shopping de Brasília, em 25 de fevereiro.
Na ocasião, Dias teria pedido propina para levar adiante uma negociação para a compra de vacinas. Dominguetti relatou o caso em entrevista à “Folha de S.Paulo” e depois confirmou à CPI, em um depoimento cercado de contradições.
ERA UM APRENDIZ – Dias, que será ouvido na CPI na próxima quarta, nega as acusações. Em nota, o ex-diretor, exonerado na última quarta-feira, afirmou que Blanco foi colocado no departamento para aprender a função dele. Dias diz que Blanco chegou ao restaurante acompanhado de Dominguetti.
Três dias antes desse encontro, o tenente-coronel abriu a empresa Valorem Consultoria em Gestão Empresarial, em Brasília. Blanco havia sido exonerado do ministério em janeiro. Interlocutores de Blanco afirmam que o militar aguarda os desdobramentos para se manifestar.
Em seu depoimento, Dominguetti ainda envolveu outro militar da pasta. O PM, ao ver uma foto, apontou o coronel da reserva Alexandre Martinelli, ex-chefe da Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério da Saúde, como a terceira pessoa presente no encontro. Disse, porém, que precisaria vê-lo pessoalmente para ter certeza. Martinelli nega e afirma que estava no shopping em um café.
CASO COVAXIN – Outros dois militares foram envolvidos nas suspeitas de irregularidades na aquisição de vacinas: o tenente coronel Alex Lial Marinho, e o coronel da reserva Marcelo Bento Pires.
Segundo relato do chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, à CPI, Marinho e Pires teriam pressionado para dar andamento ao processo de compra da vacina indiana Covaxin, mesmo sem o aval da área técnica. Essa vacina foi a mais cara contratada pela pasta e teve o trâmite mais rápido.
Os militares citados eram subordinados à Secretaria Executiva, comandada na época pelo coronel Elcio Franco. Hoje ele é assessor especial da Casa Civil e tem como missão justamente rever os atos da gestão Pazuello para preparar a defesa na comissão. O GLOBO procurou os militares citados na reportagem. Martinelli negou as acusações, Lial Marinho não foi localizado e os demais não responderam.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Essa esculhambação tem de acabar o mais rápido possível. O Brasil precisa que os militares voltem a ser a reserva moral do país. No entanto, está acontecendo o contrário. (C.N.)