Daniel Carvalho
Folha
Apesar de Jair Bolsonaro (sem partido) prometer há mais de um ano comprovar que as eleições presidenciais foram fraudadas, a aliada e autora da PEC (proposta da emenda à Constituição) do voto impresso, deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), é categórica ao dizer que não é possível provar.
“Eu não vou entrar nesta seara. Sabe por quê? Porque eu não vou falar uma coisa que eu não possa provar. Eu não posso provar que teve fraude. Sabe por quê? Porque o sistema não é auditável”, disse a deputada à Folha na terça-feira (20).
“O eleitor não tem como provar. Ele só sabe o que ele viu, que o voto dele não apareceu naquela urna. Aí você quer jogar para o eleitor o ônus de provar uma fraude? Isso é uma prova demoníaca. Não tem como. Agora, existem muitos indícios de problemas. Se foi fraude, se foi problema técnico, eu não sei”, afirmou.
BOLSONARO INSISTE – Horas antes, Bolsonaro havia dito que, nos próximos dias, apresentará o que chama de prova de que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu Dilma Rousseff (PT) em 2014 —algo que o próprio deputado tucano nega.
O presidente questiona frequentemente a credibilidade das urnas eletrônicas, mas nunca mostrou qualquer indício além da retórica.
O modelo atual de votação tem várias camadas de proteção e auditoria, em suas diferentes etapas, inclusive com participação de instituições e grupos externos ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Até hoje não há evidências de que tenham ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica.
FALTA TRANSPARÊNCIA – Kicis, assim como Bolsonaro, condena o que chama de falta de transparência do sistema eleitoral brasileiro e a interferência do TSE no Congresso para barrar o voto impresso. “Eleição no Brasil virou um ato de fé. Você vota e reza para o seu voto ir para o seu candidato”, disse a deputada.
“A questão é que virou uma contenda, uma guerra. O Parlamento sempre foi a favor do voto auditável. Só que desta vez, a Justiça Eleitoral entrou em campo exatamente para abortar até mesmo o debate. Então, isso é uma coisa muito pouco republicana.”
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) articularam com 11 partidos do Congresso um movimento contra a mudança no sistema de votação brasileiro e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema na Câmara.
UMA DERROTA ANUNCIADA – A PEC do voto impresso quase foi derrotada em sessão na semana retrasada na comissão especial da Câmara, mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho.
Mesmo que avance na comissão especial, para aprovar uma PEC são necessários ao menos 308 votos na Câmara — de um total de 513 deputados — e 49 no Senado — de um total de 81 senadores —, em votação em dois turnos. E, para valer para as eleições de 2022, a proposta teria de ser promulgada até o início de outubro.
No fim da semana passada, Bolsonaro disse acreditar que o texto não será aprovado na comissão especial. Um dos principais articuladores políticos do Palácio do Planalto chegou a dizer, sob condição de anonimato, que uma reversão da situação em plenário será difícil.
BEM MAIS DIFÍCIL – Kicis tenta se manter otimista e acompanha de perto as alterações que o relator da proposta, o deputado Filipe Barros (PSL-PR), faz no texto para tentar diminuir a resistência. “Ficou bem mais difícil, mas eu não jogo a toalha, não”, afirmou a deputada.
Para Bia Kicis, o discurso de Bolsonaro alegando que houve fraudes “atrapalhou na medida em que ficou politizada a questão e isso deu uma justificativa para as pessoas que vão votar contra por causa da interferência do TSE dizer que é por causa do presidente”.
Bolsonaro já fez diversas falas golpistas sobre o que poderia acontecer se não houver voto impresso. Chegou a dizer que poderia haver no Brasil algo pior do que o que ocorreu nos Estados Unidos em janeiro, referindo-se à invasão do Capitólio por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, que não havia reconhecido a vitória de Joe Biden, alegando fraude.