Pedro do Coutto
Os fatos comprovaram a investida do Ministério da Saúde para montar e operar uma corrupção gigantesca, como ficou comprovado na encomenda da vacina produzida na Índia. O presidente da República não sabia o que estava se passando e com isso enfraqueceu-se politicamente, confirmando o princípio não só político, mas da vida humana de que não adianta lutar contra os fatos. Eles ressurgem com efeitos ainda mais arrasadores.
O projeto de corrupção que culminou com o afastamento do encarregado da compra da Covaxin era maior e mais concreto do que se poderia pensar. O representante da Saúde queria que a intermediação por uma empresa participante da articulação pagasse uma propina de US$ 1 por dose de vacina.
ESCÂNDALO – A intermediação em casos assim já é esquisita em si. As demais produtoras com preços muito inferiores ao de US$ 15 a unidade não incluíram nenhuma intermediação em suas ofertas. A reportagem de Constança Rezende, Folha de São Paulo de ontem, manchete da edição, destaca com nitidez o aspecto dramático do escândalo que estava sendo preparado.
Não fosse a imprensa e a CPI do Senado, o estranho caso teria se realizado com um prejuízo total para o Brasil, proporcionando indiretamente talvez mais 100 mil mortes, justamente em consequência de um fornecimento que pelo preço tornar-se-ia mais restrito e pela demora ainda mais fatal. No O Globo, Paula Ferreira, Jussara Soares, Melissa Duarte e Paulo Cappelli acentuam a decisão tardia, mas inevitável, do governo Bolsonaro de suspender o contrato com a fabricante e comercializadora da Covaxin.
Logo, o presidente da República e o ministro Marcelo Queiroga reconheceram tacitamente a existência de um contrato que previa até um adiantamento no valor de US$ 45 milhões. Uma outra reportagem da Folha, da Natália Cancian, focaliza o recuo que destaca a fraqueza de um governo que, na campanha eleitoral de 2018, apresentou como compromisso de honra exatamente o combate à corrupção que se instalou sob o patrocínio da bancada do Centrão, fisiológica ao extremo, e o endosso por parte do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros.
RASTROS – A derrota do governo foi total, seja no aspecto da improbidade, no aspecto político e no efeito eleitoral para 2022. O panorama hoje na Esplanada de Brasília é o de um desabamento que deixa rastros quase impossíveis de se apagar e cujos efeitos intoxicam toda a administração federal.
Aliás, já fortemente intoxicada pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub que na reunião de maio de 2020 bradou pela prisão, sem motivo, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, classificando-os de “vagabundos”. A mesma reunião, cujo vídeo se encontra nas redes, liberação determinada pelo ministro Celso de Mello do STF, representa um momento de tristeza porque fica na história como registro de uma falta de administração.
O ex-ministro Ricardo Salles, demitido do Meio Ambiente, usou a expressão “passar a boiada” quanto à liberação de investimentos na Amazônia independentemente de licença ambiental. Na mesma reunião, o ministro Paulo Guedes defendeu a venda do Banco do Brasil, esquecendo que o principal estabelecimento de crédito brasileiro tem grande parte de seu capital colocado através de ações no mercado da Bovespa.
IMPEACHMENT – Thiago Resende e Daniele Brand, Folha de São Paulo, sustentam que Jair Bolsonaro ainda tem base no Congresso para obstruir a tramitação das dezenas de pedidos de impeachment que se encontram no arquivo de ferro do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira.
Conforme disse no início deste artigo, Bolsonaro pode permanecer em Brasília até as eleições de 2022, mas o seu poder de governar está flutuando junto às nuvens da desinformação e do desinteresse em saber e ter conhecimento. A informação é, em última análise, tanto a fonte quanto o poder de administrar o país. Na ausência de qualquer projeto de governo, a impressão que se tem é a de uma nau sem rumo enfrentando mares revoltos e tornando o chefe do Executivo no maior adversário de si mesmo.
Acrescente-se ao quadro desolador mais um fato de grande amplitude: o aumento das tarifas de energia elétrica. Sobem os custos da indústria, do comércio e dos serviços através da eterna cadeia de repasses. Só nós, os consumidores, não temos para quem repassar, pois estamos no final da linha. O ministro Paulo Guedes deve saber disso.