Pedro do Coutto
O peso do poder é bastante intenso e conduz a choques, contradições, além de crises que se incorporam à memória dos países. E, em nosso caso, à história do Brasil. São dramas que percorrem a estrada dos tempos, características do conflito político-econômico e do cheiro da pólvora dos confrontos, para usar uma linguagem militar a qual sempre recorre o presidente Jair Bolsonaro.
Matéria de Leandro Prazeres, O Globo desta segunda-feira, dia 22, destaca afirmações feitas por Bolsonaro ao grupo de apoiadores que se reuniu domingo, dia 21, em frente ao Alvorada para festejar o aniversário do presidente da República; Bolsonaro completou 66 anos.
MENÇÕES ÀS SOMBRAS – Ao agradecer, revelou estar preocupado com alguma perspectiva que o incomoda. Há algo em torno de seu mandato no Planalto. Ele disse o seguinte: “Enquanto eu for presidente, só Deus me tira daqui”. Sem citar nomes, fez menções às sombras que estariam o incomodando, caso contrário não diria que só Deus poderia tirá-lo da Presidência da República. Ninguém faria tal afirmação sem um motivo lógico.
Afinal, quais vultos ele vê empenhados em seu afastamento? Inclusive, destacou que há tiranetes e tiranos se movimentando, entre eles aqueles que estão determinando o fechamento de estabelecimentos e escritórios. “Assim agindo, estão tolhendo a liberdade de muitos de vocês. Mas podem ter certeza de que o nosso Exército verde-oliva é o exército de vocês também”, disse.
TIRO NO PÉ – A afirmação me conduz ao passado e lembro de frases do presidente Getúlio Vargas na crise de 1954 quando disse: “ O tiro no pé de Lacerda foi vibrado nas costas do governo. Só morto sairei do Catete”. A crise alcançara o ponto de inflexão mais alto com o assassinato do major da Aeronáutica Rubens Vaz quando deixava Carlos Lacerda na porta do seu edifício na Rua Toneleros. O major Vaz morreu no local e Lacerda levou um tiro no pé.
Vargas fez essa declaração no dia 22 de agosto. Foi publicada na manchete da Última Hora de 23. No dia 21, o presidente afirmou que nos porões do Catete corria um rio de lama. Esta frase, dias depois, seria traduzida por Lacerda no mar de lama. No dia em que disse que corria um rio de lama no Catete, Vargas dissolveu a guarda pessoal chefiada por Gregório Fortunato, um dos mandantes do atentado de Toneleros.
O embaixador Edmundo Barbosa da Silva em 1954 era um diplomata que trabalhava no cerimonial do governo. Anos depois, quando já tinha sido aposentado como embaixador, pois ocupou esse cargo em Washington, revelou a mim e ao um amigo comum, jornalista Roberto Paim, que Vargas decidiu dissolver a guarda e afastar Gregório quando soube que o seu filho Maneco Vargas tinha vendido uma fazenda de sua família exatamente a Gregório.
NEGOCIAÇÃO – Vargas então sentiu a atuação absolutamente inconcebível do chefe de sua segurança pessoal. Gregório negociava acesso de pessoas ao presidente e vendia esse acesso. Foi uma situação dramática a do presidente da República e do próprio país. Em seguida ao desfecho de agosto, assumiu a Presidência da República o vice-presidente Café Filho que logo deixou evidente o seu tormento e a sua incapacidade de resistir às pressões comandadas por Lacerda e por correntes militares contra as eleições de 1955.
Café Filho teve um infarto e foi internado no HSE, à época considerado um marco da medicina do país. Em decorrência de sua doença, assumiu a Presidência da República o deputado Carlos Luz. Nesse meio tempo, faleceu o general Canrobert Pereira da Costa, que foi ministro do Exército do governo Dutra.
O general Lott fora nomeado pelo presidente Café Filho. No sepultamento do general Canrobert , o coronel Jurandir Mamede, depois de Lot ter discursado, toma a palavra e defende um golpe contra posse de Jucelino Kubichek. Lott, evidentemente, propôs a punição, Carlos Luz não aceitou.
TANQUES NA RUA – Então, o comandante do 1º exército Odylio Denys comunicou a Lott que o Exército não aceitava tal solução. Os tanques vieram para rua e a Câmara aprovou o impeachment de Carlos Luz. Assumiu a Presidência da Câmara o deputado Flores da Cunha. JK tomou posse a 31 de janeiro de 1956.
Passado o tempo, distinguem-se as crises de Dilma Rousseff, Fernando Collor, João Figueiredo, Costa e Silva, João Goulart, Jânio Quadros e Café Filho.
Logo no início do governo, insubordinados da Aeronáutica tentaram um levante voando para Jacareacanga, ao sudoeste do Pará, na divisa com o estado do Amazonas. JK perdoou os insurgentes. Jânio Quadros em uma tentativa louca de implantar um ditadura, renunciou à Presidência da República em 25 de agosto de 1961. Dois dias antes, numa entrevista à TV Tupi, o deputado Carlos Lacerda revelou, manchete de priemria página do Jornal do Brasil, ter sido convidado por Jânio para um golpe.
RENÚNCIA – Quando a renúncia chegou ao Congresso, os senadores e deputados logo aceitaram sem que houvesse qualquer restrição. Renúncia é um ato totalmente pessoal.
O vice era João Goulart e logo explodiu uma crise político-militar contra a sua posse liderada novamente pelo deputado Carlos Lacerda. Houve uma tensão enorme nas Forças Armadas. Chegou-se então a um resultado, Jango assumiria mas em um regime semiparlamentarista.
O primeiro ministro foi Tancredo Neves, que unia o PSB e o PTB porque era o ministro da Justiça de Vargas na tragédia de agosto. Café Filho esquecido na névoa do tempo. Mas as crises no Brasil não cessaram.
ATAQUES – Goulart perdeu o comando do governo e era atacado ao mesmo tempo por Carlos Lacerda e seu cunhado Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, ao lado do general Machado Lopes que garantiu a sua posse.
O governo era equilibrado. A UDN nomeou dois ministros, Virgílio Távora nos Transportes e Gabriel Passos em Minas e Energia. O senador Afonso Arinos foi nomeado embaixador junto à ONU.
Ulysses Guimarães era o ministro da Indústria e Comércio, San Tiago Dantas nas Relações Exteriores, Walter Moreira Salles na Fazenda e Parsifal Barroso, no Ministério do Trabalho. Entretanto, a situação de equilíbrio se alterou a partir de 1962, quando Tancredo saiu para disputar o Senado por Minas Gerais.
EXIGÊNCIAS – Saíram também Ulysses Guimarães, Moreira Salles e Parsifal. Os sindicatos passaram a exigir cada vez mais e Goulart sofria pressões da esquerda, inclusive a mais radical de Luís Carlos Prestes. Jango rompeu com o capitalismo, estatizando a refinaria de manguinhos do senador Drault Ernanny e de Peixoto de Castro.
Estava propenso a desapropriar a de Capuava do grupo Soares Sampaio. Partia para uma reforma urbana prevendo os que tinham imóveis alugados a vendendo à base do valor da locação. Veio o decreto da Superintendência de Política Agrária anunciando a expropriação das terras rurais à margem dos rios, lagoas e açudes.
Finalmente, rompeu com a hierarquia militar, comparecendo no dia 30 de março à reunião de sargentos no Automóvel Clube. Assumiu o general Castello Branco que não suportou pressões, adiou as eleições previstas para 1965 e as transformou de diretas e indiretas.
PRESSÕES – Castello não fez sucessor. General Costa e Silva era de uma corrente militar oposta a sua. Costa e Silva não suportou pressões militares e decretou o Ato Institucional nº 5, sufocando as liberdades democráticas, aposentando ministros do Supremo, substituindo-os por indicados do sistema militar e culminou sendo atingido por um derrame cerebral que o incapacitou. A linha dura militar prevaleceu no governo Médici. Mas o grupo de Castello Branco retomou o poder com Ernesto Geisel. Geisel enfrentou uma crise que o levou a demitir o general Sylvio Frota, ministro do Exército.
Em 1979, eleito indiretamente, o general João Figueiredo tornou-se presidente da República. Procurou equilibrar-se entre a anistia a todos os que lutaram contra a ditadura, e sua equipe inclui figuras do Castelismo, caso do general Golbery do Couto.
Porém, em 1º de maio de 1981 explodiu o atentado à bomba no Riocentro. Figueiredo tentou punir os responsaveis, militares. Mas não conseguiu e perdeu espaço para liderar o país. Apesar disso, afimando que lugar de brasileiro é no Brasil, Figueiredo aceitou os exilados de volta, entre eles Leonel Brizola.
CAPÍTULOS RECENTES – As crises de Dilma Rousseff, cuja incompetência contribuiu para a sua queda e a de Fernando Collor por corrupção, capítulos recentes da historia, são do conhecimento de todos.
O que tudo isso demonstra ? Que o exercício do poder desenrola-se dentro de uma atmosfera pesada. Há negócios ilicitos tentados e praticados a todo momento. Há projetos do governo cuja aprovação é dificil. O governo Bolsonaro está na contramão da lógica dos fatos.
Deixou-se levar por Paulo Guedes e convive com correntes ideológicas exacerbadas que desejam no fundo fechar o Congresso, o STF e, em consequência, a democracia brasileira. Há portanto, um grave impasse no ar. O panorama é extremamente preocupante. A extrema direita torna-se uma sombra que ameaça a liberdade.