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domingo, agosto 09, 2020

A imprensa ficou parcial ou sempre foi?

A imprensa ficou parcial ou sempre foi?
Ontem, nesta coluna, falei sobre um tema palpitante neste momento – afinal, por que é imprensa é culpada de tudo de ruim que acontece no país? Recebi tantas mensagens em resposta ao artigo que resolvi revisitar o tema. Várias pessoas me procuraram para dizer que a imprensa perdeu a credibilidade porque os veículos estariam muito parciais. Ao desprezarem a imparcialidade, assim, não seriam mais confiáveis como foram no passado.
Esse questionamento acendeu outra pergunta em minha cabeça: algum dia os grandes veículos de imprensa brasileira foram imparciais?
Vamos ao dicionário. O que é ser “imparcial”, segundo os linguistas? A definição seria “aquele que se abstém de tomar partido ao julgar ou ao constituir-se em julgamento; que julga sem paixão”. Ou então o indivíduo que “não sacrifica a verdade ou a justiça diante de considerações particulares”.
Segundo essas definições, os veículos de imprensa deveriam teoricamente se abster de qualquer opinião ou juízo de valor, atendo-se somente aos fatos. Pergunto: vocês conhecem algum órgão de imprensa assim?
Geralmente, nos veículos impressos, o espaço claramente opinativo está nos editoriais e nas colunas. Mas, há outras formas de se expressar subjetivamente uma opinião. A primeira é através da escolha das pautas. Pode-se, por exemplo, escrever apenas sobre os aspectos negativos de uma administração pública, de forma totalmente objetiva e sem manifestar uma só opinião. Desta forma, os leitores vão apenas enxergar um lado só, sem que se utilize um só adjetivo.
Outra maneira de expressar opiniões de forma subjetiva é o que chamamos, no jargão profissional, de editorializar o texto, encaixando cutucões e alfinetadas no meio de uma narrativa neutra. Com isso, a opinião é assimilada pela leitura quase que no piloto automático. Esse era um estilo jornalístico que teve seu auge nos anos 1980 e 1990, especialmente as publicações semanais.
Por fim, é possível também moldar a imparcialidade de uma cobertura jornalística através das fontes escolhidas. Em alguns casos, as pessoas são ouvidas pela capacidade de proferir certas ideias. Quando repórter, ouvi inúmeras vezes uma ordem que pode ser resumida assim: “Me arrume alguém que diga…” e, então, vinha um pedido específico.
Os conselhos editoriais das publicações se preocupam com a abordagem dos temas e, em suas reuniões semanais, discutem os assuntos que são importantes para cada grupo jornalístico. Nessas discussões, nomes não são normalmente pronunciados. É raro alguém dizer “vamos perseguir fulano”. Existe mais uma busca racional para fundamentar  bases intelectuais de um açoite jornalístico do que uma ordem direta para bater em determinada pessoa. Traçadas as bases teóricas para descer a mão em quem contrariar certas premissas, os jornalistas, desde que seguindo as regras estabelecidas, têm seu momento 007 – atacar para matar.
Isso sempre ocorreu. Por que não incomodava antes?
Pode-se dizer que os leitores ou telespectadores não percebiam essa condução editorial dos temas abordados pela empresa. Hoje, entretanto, qualquer viés editorial é percebido. Aliás, essa percepção, nos dias de hoje, surge até quando não há uma abordagem específica. O público ficou escaldado demais e julga de antemão os conteúdos – os escrutina para provar a tese de que o veículo A é de esquerda ou que o jornal B é de direita.
Uma parte do público, assim, não percebia a parcialidade dos textos publicados (ou apresentados na TV). Mas todo mundo estava no escuro? Claro que não. Por que, então, essas pessoas não reclamavam antes? Resposta: esses leitores concordavam com a abordagem editorial que liam.
Quem percebe a parcialidade de um jornal, revista ou emissora de TV é geralmente quem discorda do tom imprimido a uma determinada cobertura. Quando seus valores são atingidos por uma reportagem isso gera uma discórdia imediata.
Mas, quando você concorda com um viés em particular, o que acontece?
Vamos supor que o leitor desta coluna seja um apoiador de Jair Bolsonaro e leia uma reportagem crítica ao governo do presidente. “Parcial”, deverá ser o julgamento que fará em sua mente. Agora, imagine-se lendo um artigo que acuse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não só de corrupção, mas também de fraude eleitoral e manipulação de urnas eletrônicas. Uma coisa não tem a ver com a outra, mas o apoiador de Bolsonaro lerá o coice em Lula com atenção e, mesmo que haja apenas especulação no texto e não provas, poderá repassá-lo em sua rede pessoal de contatos.
Se virarmos o sinal, o mesmo pode ser sentido com os leitores de esquerda. Um artigo batendo em Bolsonaro será lido com deleite; já um texto que fustigue Lula será recebido com reservas, frieza ou mesmo revolta.
Conclui-se, assim, que somos muito mais compreensivos quando os jornalistas se alinham com nossos conceitos. Dentro dessa zona de conforto, não há textos parciais – apenas a verdade, ou melhor, a verdade de quem lê. Esse filtro é que acaba definindo o que é parcial e aquilo que, ao contrário, é neutro.
Quem lê as minhas colunas diárias sabe que gosto de citar frases para ilustrar meu ponto de vista. Hoje não será exceção. No entanto, vou usar uma citação atribuída a um personagem da série “The Crown”, da Netflix, que versa sobre a trajetória da Rainha Elizabeth. Ou seja, não se sabe se a pessoa de carne e osso proferiu essa máxima ou não.
No seriado, Elizabeth divaga, num dos capítulos, sobre ser soberana. “Não reagir é o trabalho mais difícil de todos”, diz. “Ser imparcial não é natural do ser humano”. Essa frase captura, com perfeição, a essência da comunicação. O jornalista, como pessoa, pode até tentar ser neutro. Mas jamais conseguirá sê-lo totalmente. Há quem tente mostrar os dois lados de uma história e perseguir a ponderação. Mas, mesmo que seu texto seja uma obra aberta, estará sujeito a interpretações. Quando fui diretor de redação de uma revista semanal, por exemplo, havia vezes que um mesmo artigo poderia provocar reações contraditórias. Petistas e tucanos, na época rivais mortais, ligavam para reclamar da mesma reportagem. Isso mostra uma única coisa: quando os jornalistas desagradam os dois lados do espectro político é porque estão perto da verdade e longe da adulação.

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