Altamir Tojal
Está difícil unir as oposições. Porém, a coisa muda de figura quando um amigo da democracia como o jornalista Fernando Gabeira escreve que “só uma ampla frente social pode responder a este momento”, certamente expressando o pensamento e o sentimento de outros tantos democratas.
Vale a pena ler o artigo “Yes, nós temos bananas”, de Gabeira, no qual ele comenta o isolamento voluntário de Bolsonaro, lembrando que “historicamente, governos isolados abrem caminho para grandes frentes de oposição, com um acordo básico em torno da democracia”. E acrescenta que o discurso nazista de Roberto Alvim foi um momento especial em que essa possibilidade se mostrou.
CADÊ A MOBILIZAÇÃO? – Do discurso de Alvim para cá, Bolsonaro deu banana para a imprensa, fez piada sexual sobre uma repórter e tenta dar um cavalo-de-pau na investigação da morte de um chefe miliciano que ele tem como herói e que foi condecorado por proposta de um de seus filhos. E quem mais se lembra do discurso nazista? Quem mais topa se mobilizar contra o nazismo no governo?
São recorrentes nas casas, nas ruas, por todo canto e nas redes sociais questionamentos e apelos como este pego no facebook: “Gente, ninguém vai parar este ‘animal’, não? Cadê as entidades de classe como OAB e ABI, cadê os poderes legislativo e judiciário deste país? Cadê os médicos, psiquiatras, psicanalistas, psicólogos ou quem quer que seja habilitado ou capaz de declarar que esta figura precisa ser interditada por não ser mentalmente capaz de presidir um país?
Cadê os políticos de oposição? Cadê o tortura nunca mais? Tem sido ou não uma tortura diária ter esta ‘coisa’ presidindo o Brasil? Que vergonha, gente, que vergonha tenho de ter um presidente assim…
E OS CARAS-PINTADAS? – Cadê os estudantes, os ‘caras-pintadas’ que um dia surgiram como esperança de um futuro melhor para todos nós? Por que não rola a mobilização? Por que não rola a ideia de “união” contra um governo que até já passou da fase de ovo da serpente? Como tantas outras, a resposta está soprando no vento. Muitos querem democracia, muitos querem justiça social, muitos querem liberdade, muitos querem um governo competente e honesto, muitos querem desenvolvimento sustentável, mas não gostam de ser chamados de fascista porque não se ajoelham para o Deus Lula. Muitos não querem indulgência para a ditadura de 64 mas também não querem indulgência para o PT, muitos abominam o fascismo e a extrema direita mas também abominam as ditaduras populistas e comunistas.
Muitos não querem ter de escolher o mal menor porque é a escolha entre o mal e o mal. São faces da mesma moeda
OPOSIÇÃO SEM PT – Na prática, até agora, o que se viu e o que se percebe é que essa gente não quer botar azeitona na empada do lulismo e isso leva a outra questão: é ou não possível fazer oposição a Bolsonaro sem ter de se juntar e se subordinar ao PT?
O petismo tem um projeto destruidor da democracia como o bolsonarismo. O voto interessa até chegar ao governo. “Vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar a eleição”, disse José Dirceu na campanha de 2018. Lulismo e bolsonarismo têm o mesmo desprezo pela liberdade de imprensa e opinião, pelo parlamento, pela justiça. O aparelhamento petista é copiado pelo governo miliciano e militarista de bolsonaro. Os seguidores de lula operam um arsenal de fake news, de ódio e de destruição de reputações como os fanáticos por bolsonaro. Os ataques a Cristovam Buarque, um dos grandes líderes petistas no passado, não são diferentes das campanhas bolsonaristas contra ex-aliados.
PINTADO DE VERMELHO – O petismo é o bolsonarismo pintado de vermelho. A propósito, a ilustração deste texto é o quadro “Em frente ao caixão do chefe”, de Isaak Brodsky. Além de Stalin, somente dois dos bolcheviques retratados na cena salvaram-se dos fuzilamentos promovidos pelos expurgos políticos.
Tudo mudou e segue mudando e estamos aqui tendo de enfrentar a falsa dialética entre petismo e bolsonarismo. No seu artigo, Cristovam Buarque enumera as mudanças na tecnologia, na economia, no mundo do trabalho e seus impactos na sociedade e na política. O professor assinala que a esquerda não enxergou que “a classe trabalhadora está dividida entre categorias com privilégios, sem interesses comuns com as massas excluídas. Que a ‘mais-valia’ foi substituída pela ‘desvalia’ sobre os pobres e uma ‘pactuada-valia’ entre capitalistas e trabalhadores especializados. Por isso, os sindicatos representam trabalhadores do setor moderno, não ao povo”.
O TEMPO NÃO PARA – Do discurso nazista de Roberto Alvim para cá, o PT e aliados apostaram numa greve de petroleiros, supondo que provocaria o desabastecimento de combustíveis e depois de comida e tudo mais, como a greve dos caminhoneiros. Talvez imaginando que isso derrubaria ou ao menos enfraqueceria Bolsonaro.
E policiais se amotinaram no Ceará, submetendo a população ao terror, chantageando as autoridades e explicitando o pacto de sangue com milicianos e outras organizações criminosas. Mais um episódio do círculo vicioso de motins e anistias a policiais, rebeliões e fugas de presídios e imunidades a criminosos e suas gangs avalizadas por governadores, parlamentares e juízes, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal.
O que aconteceu com Roberto Alvim? Talvez já esteja empregado em outra repartição pública.
FAZER FIGA – De lá para cá, o povo foi brincar o carnaval. Fez a coisa certa. Agora é fazer figa para se proteger do novo coronavirus. E do desastre político.
A novidade pós-carnaval é a notícia de que o presidente da República compartilhou no zap um vídeo convocando a população para um ato contra o congresso nacional.
O que parece notável neste pandemônio é que as instituições estejam funcionando no país. Apesar da gangrena de parte de seus respectivos titulares, o parlamento e o stf ainda conseguem manter certo equilíbrio entre os poderes, a imprensa segue fazendo jornalismo, setores importantes do governo funcionam e as forças armadas não ousaram até agora, como instituição, trair as suas responsabilidades constitucionais.
LIVRE EXPRESSÃO – As redes sociais continuam livres, até onde permitem os algorítmicos dos provedores e as usinas de fake news e de defesa e promoção de interesses. Isso, porém, não se deve a favores e muito menos a compromissos nem do governo nem da oposição petista. Muito pelo contrário.
Melhor que escolher um dos polos – escolher o suposto mal menor – é dobrar a aposta na potência da sociedade brasileira. O medo de ‘outro 2013’, o medo da multidão, comum ao bolsonarismo e ao lulismo, é a prova dos nove dessa potência.
A paralisia da sociedade contra a onda fascista é resultado desse enfrentamento suspeito entre adversários que têm tanto em comum. A união dos democratas, se acontecer, terá de enfrentar os dois polos.
“Tuas ideias não correspondem aos fatos / o tempo não para”, cantava Cazuza. “Eu vejo o futuro repetir o passado / eu vejo um museu de grandes novidades” (…) / “Mas se você achar / que eu tô derrotado / saiba que ainda estão rolando os dados”. Os autores da canção são Cazuza e Arnaldo Brandão.
(Artigo enviado por Mário Assis Causanihas)