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RECOMENDAÇÃO
003/2020 DO MP-BA DE PAULO AFONSO
No dia de ontem, 28.03.2020, me surpreendi com a notícia de que
na entrevista coletiva do Comitê de Crise da PMPA de combate ao COVID 19
realizada no auditório Dr. Edson Gomes, um determinado vereador exibiu cópia da
Recomendação do MP-BA de Paulo Afonso, de nº. 003/2020, subscrita pela Dra.
Milane de Vasconcelos Caldeira Tavares, titular da 6ª Promotoria de Justiça de
Paulo Afonso, contrária as várias determinações das medidas restritivas do
Município no combate ao COVID, isso, antes da entrega oficial da referida Recomendação
aos representantes legais do Município, o Exmo. Prefeito Municipal, ou ao Exmo.
Procurador Geral do Município, cujo texto virilizou por diversos grupos nas
redes sociais.
Na manhã de hoje, domingo, 29.03.2020, resolvi me debruçar sobre
a Recomendação Ministerial nº. 003/2020, da lavra da Dra. Milane de Vasconcelos
Caldeira Tavares, verificando de plano, ainda em breve leitura, ser ela
juridicamente questionável, inoportuna e contrária as políticas públicas de
isolamento social de iniciativa do Governo Municipal sob orientação da OMS, do
Ministério da Saúde e de entidades médicas, tomando por base as trágicas
experiências da China, Itália, Espanha e agora dos EUA.
Não foi a primeira vez que o Ministério Público Estadual de
Paulo Afonso buscou interferir negativamente nas políticas de saúde pública do
Município de Paulo Afonso no combate ao COVID 19.
A Recomendação nº. 003/2020 da lavra da Dra. Milane de Vasconcelos Caldeira Tavares se
revela, “data vênia”, uma coisa “sem pé e sem cabeça”, vindo ela com 30
(trinta) CONSIDERANDOS para em síntese recomendar 08 (oito) itens,
destacando-se, dentre outros de menor relevo, os seguintes:
2) o imediato
restauro das atividades de lotéricas e cultos religiosos;
7) ao Comandante do 20º Batalhão de Polícia Militar-Paulo
Afonso/BA, que se abstenha de autorizar que os policiais militares sob seu
respectivo comando atuem em ações que estejam em desacordo com o disposto na
Lei Federal n.º 13.979/2020, notadamente com o disposto no art. 3º, inciso VI,
‘b’, observadas as disposições contidas na Lei Federal 10.282/2020, em seu art.
3°, inciso V.”
De pronto, em manifestação gravada e por escrito, o Município
fez circular Nota Pública informando que vai continuar cumprido o quanto
determinado no Decreto Municipal nº. 5.766, de 20.03.2020, e o Exmo. Procurador
Geral do Município, Dr. Igor Matos Montalvão, em nota gravada que circula pela
Internet informou que a Recomendação Ministerial nº. 003/2020 da lavra da Dra. Milane
de Vasconcelos Caldeira Tavares não será cumprida, ficando mantida a vigência
plena do Decreto Municipal nº. 5.766, de 20.03.2020, posto que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, art.
5º, II, da CF, não tendo o Ministério Público poder de mando, o que é reservado
apenas aos Poderes Executivos e ao Poder Judiciário, cada um, dentro de sua
competência constitucional.
De antemão, levo ao conhecimento público que informado o Exmo.
Governador do Estado da Bahia Rui Costa da Recomendação Ministerial nº.
003/2020, do MP-BA Paulo Afonso, a orientação do Governador é para a PM do
Estado dar sustentação as políticas de saúde do Município, caindo por terra a Recomendação do item 7 acima transcrito,
tal qual como aconteceu quando publicado o Decreto Municipal nº. 5.766, de 20.03.2020, publicado no DO do Município
de 20.03.2020, Ano 5, n. 3359, quando o Dr. Moacir
Silva do Nascimento Júnior, Promotor da Infância e da Adolescência de Paulo
Afonso em contato telefônico com o
Secretário da Saúde e com o Procurador Geral Municipal questionou as medidas
restritivas alegando inconstitucionalidades, informando que iria entrar em
contato como Comando local da Polícia Militar para não cumprir parte das
medidas restritivas do Decreto Municipal. Deu com os burros n’agua, tal como
agora acontece com a Recomendação nº. 003/2020, posto que o Comandante Geral da
Polícia Militar do Estado não é o Promotor de Justiça, porém, o é, o Exmo.
Governador do Estado, conforme previsão do art. 105, XX, da Constituição do
Estado onde encontramos: “XX - exercer o comando supremo da Polícia Militar, promover seus
oficiais e nomeá-los para os cargos que lhe são privativos.”
Verifiquemos agora a ordem legal e constitucional para ter uma
noção exata dos descalabros da Recomendação nº. 003/2020 Ministerial de Paulo
Afonso.
A Carta Magna de 1988 elevou o Município a ente federativo nos
arts. 1º e 18, “caput”, assim como a União, Estados Federal e o Distrito
Federal, dotando cada uma dos entes de competências originária e concorrentes, reservando
ao Município no art. 30, competência constitucional de “legislar sobre assuntos
de interesse local”, bem como suplementar a legislação federal e a estadual no
que couber, incisos I e II do artigo retro referido, ao tempo que no art. 23
diz ser competência concorrente dos Municípios com o Estado e União cuidar da
saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de
deficiência, art. 23, II, da mesma CF.
A Constituição do Estado da Bahia por sua vez ao tratar da
competência dos Municípios baianos no art. 59, destaca: “Art. 59 - Cabe ao
Município, além das competências previstas na Constituição Federal: I -
elaborar e promulgar sua Lei Orgânica; VI - prestar serviços de
atendimento à saúde da população e manter programas de educação pré-escolar e
de ensino fundamental, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado; VIII - legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente
sobre: IX - legislar, em caráter suplementar, para adequar as leis estaduais e
federais às peculiaridades e interesses locais. Parágrafo único - O Município
exerce, no âmbito de seu território, as competências comuns com a União e o
Estado, previstas na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Vejamos agora o que diz a Lei Orgânica Municipal de Paulo Afonso
dentro da competência originária municipal, concorrente ou comum:
“Art.12-Compete ao Município: I -Legislar sobre assunto de interesse local; II
-Suplementar a Legislação Federal e a Estadual, no que couber; XXII -Ordenar as
atividades urbanas fixando condições e horários para funcionamento de
estabelecimentos industriais, comercias, de serviço e outros, atendidas as
normas da Legislação Federal aplicável; XII -Prestar, com a cooperação
técnica e financeira da União e do Estado, serviço de atendimento à saúde da
população, inclusive assistência nas emergências médico-hospitalares de Pronto
Socorro com recursos próprios ou mediante convênio com entidades
especializadas; XIII -Amparar, de modo especial, os idosos e os portadores
de deficiência; XXIII -Organizar e manter os serviços de fiscalização
necessários ao exercício do seu poder de polícia administrativa”.
Apenas as instituições financeiras quanto ao horário de
funcionamento se sujeita ao que dispuser o BACEN, única exceção à competência
reservada do Município.
Já especificamente quando ao direito de saúde a ser prestado aos
munícipes encontramos na mesma LOM: “Art.148-A saúde é direito de todos e dever
do Município, que integra com a União e o Estado o Sistema Único de Saúde,
cujas ações e serviços públicos, na sua circunscrição territorial, são por ele
dirigidos, objetivando: I -o atendimento integral e universalizado, com
prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
II -a integração das ações de saúde, saneamento básico e ambiental; III -a
instalação, sempre que possível de serviços de serviços hospitalares e
dispensários, cooperando com a União e o Estado, bem como as iniciativas
particulares filantrópicas; IV -a formação de consciência sanitária individual
nas primeiras idades, através do ensino primário; V -assegurar o atendimento
integral à saúde da mulher, inclusive o planejamento familiar; VI -o
combate às moléstias especificadas, contagiosas e infecto contagiosas.
Verifica-se, portanto, dentro da ordem constitucional brasileira
que o Município é um ente da Federação Brasileira, arts. 1º e 18, “caput”, da
CF, com a competência constitucional reservada, art. 30, I e II, e concorrente,
art. 23, II, da CF, de forma que dentro do seu território o Prefeito Municipal
é autoridade superior na execução de políticas públicas, não lhe sopesando o
Presidente da República e nem o Governador do Estado, cabendo a ele executar as
políticas públicas, arrecadar e aplicar recursos financeiros. Visto tais competências,
nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade decorre da publicação do Decreto
Municipal nº. 5.766, de 20.03.2020, mesmo quando
impõe o isolamento social a todos, como acontece agora, ou alargar o isolamento
em relação aos idosos mesmo porque a legislação Federal prevê tais medidas, Lei
13.979/2020.
Na Recomendação nº. 003/2020 da lavra da Dra. Milane de
Vasconcelos Caldeira Tavares, nos itens 1 e 2, ela recomenda o restauro das
atividades comerciais, esquecendo-se das atividades industriais e de serviços, das
atividades de lotéricas e cultos religiosos, estas últimas hipóteses,
dentro do melhor pensamento de Bolsonaro, já afastado por decisões judiciais.
Se referiu a eminente promotora a embasar suas recomendações ao
Decreto 10.282, de 20.03.2020, que regulamentou a Lei nº 13.979/2020 e o
Decreto 10.288/20 para definir os serviços públicos e as atividades essenciais.
Ora, se o exercício das atividades comerciais, industriais e de
serviços por força de norma constitucional e infraconstitucional é reservada ao
Município, não poderá nenhum outro ente federativo suprimir tal competência,
exceto nas hipóteses previstas na CF, como estado de sítio e etc..., o que não
é o caso, de forma que o horário de funcionamento das atividades mercantis,
industriais e de serviços é da competência exclusiva do Município, incluindo-se
ai casas lotéricas e cultos religiosos, estes, em face da Pandemia do COVD 19
não se admitindo controle até mesmo pelo Poder Judiciário em razão do princípio
da divisão entre os Poderes da República, exceto no controle da legalidade.
A Lei Federal nº. Lei nº 13.979/2020, de 06.02.2020, prevê no
art. 3º, isolamento e quarentena, incisos I e II.
Por outro lado, enquanto o Parquet local procurou dar amparo a
campanha de Jair Bolsonaro "O Brasil não pode parar",
o MPF do RJ pensou de forma muito diferente do MP-BA-Paulo Afonso, posto aquele “Parquet” haver ingressado no
Judiciário Federal do RJ com a Ação Civil Pública tombada sob nº.
5019484-43.2020.4.02.5101/RJ, com pedido de antecipação de tutela para
suspender a campanha retro referida de Bolsonaro, cuja medida antecipatória foi
deferida pela eminente Juíza Plantonista por decisão data de 20.03.2020, de
ontem, sábado. Mesmo que amanhã a Corte Superior reforme tal decisão, nada
impede a continuidade das políticas públicas de combate ao ECOVID pelos
Municípios, Estados e Distrito Federal.
Não somente tal decisão acima citada contraria a Recomendação
nº. 003/2020 da eminente Dra. Milane de Vasconcelos Caldeira Tavares, como
também a decisão do MM juiz federal Dr. Márcio Santoro da Rocha que em sede da
Ação Civil Pública de iniciativa do MPF-RJ suspendeu trecho do
Decreto do presidente Jair Bolsonaro que permitiu que igrejas e casas lotéricas
fiquem abertas durante a situação de emergência em decorrência do coronavírus.
O magistrado da 1ª Vara de Duque de Caxias ainda determinou que o governo
federal se abstenha de adotar medidas sem seguir recomendações técnicas da lei
federal de março deste ano que dispõe sobre o enfrentamento ao coronavírus.
Na decisão, o juiz Márcio Santoro Rocha afirma que é “nítido que
o decreto coloca em risco a eficácia das medidas de isolamento e achatamento da
curva de casos da covid-19, que são fatos notórios e amplamente noticiados pela
imprensa, que vem, registre-se, desempenhando com maestria e isenção seu
direito de informar”. O juiz ponderou ainda que as medidas de isolamento “são
fundamentais para que o Sistema de Saúde — público e privado — não entre em
colapso, com imprevisível extensão das consequências trágicas a que isso pode
levar”. Ele ressaltou que não está “a impedir o exercício da atividade
religiosa”, que continua podendo ser livremente “desempenhada em casa, com os
recursos da internet”, mas que “o direito à religião, como qualquer outro, não
tem caráter absoluto, podendo ser limitado em razão de outros direitos”.
O Governo Municipal tem sabido ser sensível com as necessidades
da comunidade. No decorrer da última semana e sendo época de pagamento dos
beneficiários do Bolsa Família a gerencia da CEF da cidade de Paulo Afonso
alegando tumulto naquele estabelecimento e falta de condições de atendimento a
todos, solicitou do Município a abertura das Lotéricas da cidade até para o
pagamento do Bolsa Família, no que houve atendimento, fechando os
estabelecimentos logo após.
O Min. Marco Aurélio de Melo em sede da ADI 6341 MC/DF, decisão
de 24.03.2020, independente da competência reservada de cada ente federativo,
entendeu ser competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios
impor medidas restritivas visando o combate do COVID 19, consoante se extrai:
“As providências não afastam atos a serem praticados por Estado,
o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma
do artigo 23, inciso II, da Lei Maior.
.........................
O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a
competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios. Surge
acolhível o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no item a.2 da peça
inicial, assentando-se, no campo, há de ser reconhecido, simplesmente formal, que
a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que imprimiu nova
redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não afasta a tomada de
providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios.”
Sob que pese as garantias constitucionais do cidadão previstas
no art. 5º da CF, as chamadas “cláusulas pétreas” que não serão objeto de
Emenda Constitucional, poderão elas sofrer limitações sem violações a elas,
como agora na Pandemia do ECOVID 19 quando se impõe o isolamento social entre
as pessoas, suspensão de atividades e etc.., em razão daí se apresentar motivo
de força maior que foge a previsibilidade jurídica. Outras hipóteses
são os Estados de Defesa e de Sítio, dos arts. 136 e 137 da CF.
No momento a Pandemia do ECOVID no Brasil, na Bahia e no Mundo é
a seguinte: Brasil, 4.256 casos, sendo 353 nas últimas 24 horas, 136 mortes,
sendo 12 casos de morte somente no dia de hoje. Bahia: 156 casos confirmados,
Salvador com 100 casos e 01 óbito confirmado no dia de hoje. No Mundo, são
615,519 infectados, com 28,7 mil mortes, destacando-se EUA com 104.860, Itália
86.498, China 81.996, Espanha 72.248, destaca-se. Fonte G1, de 28.03.2020.
Em artigo específico será apreciada a Ação Civil Pública de
inciativa do Dr. Dr. Moacir Silva do Nascimento
Júnior, Promotor da Infância e da Adolescência de Paulo Afonso que embora o
Decreto nº. 5.766, de 20.03.2020 tenha entrado em vigor na data de sua
publicação, ele deixou transcorrer a semana para hoje sob regime de Plantão do
Judiciário demandar a Ação Civil Pública tombada sob nº.
8031561-87.2020.8.05.0001 alegando urgência com a pretensão de obter declaração
a declaração de nulidade do Decreto nº 5.766/2020, de 20 de março de 2020,
editado pelo Prefeito do Município de Paulo Afonso, em parte.
O juiz Plantonista em decisão de ontem, 28.03.2020, Dr. Erico
Araújo Bastos, determinou a ouvida prévia do Município em 72 horas antes de
apreciar a medida liminar pretendida. O Governador Rui Costa em reunião por
vídeo conferência com os Prefeitos disse para o presidente Bolsonaro, se
não puder ou quiser ajudar, que não atrapalhe.
Paulo Afonso, 29 de março
de 2020.
Antonio Fernando
Dantas Montalvão.
Montalvão Advogados
Associados.
OAB.Sec.-BA 4425.