Carlos Newton
É dura a vida de analista político brasileiro, por ter de destrinchar situações verdadeiramente inexplicáveis, que levariam à loucura qualquer observador estrangeiro. E agora, como a chegada da Era Bolsonaro, a política fica ainda mais complicada e surrealista, é uma surpresa atrás da outra. Por exemplo, julgava-se que haveria uma forte influência dos militares no futuro governo, para garantir a defesa dos interesses nacionais, mas parece que foi um rio que passou em minha vida. E de repente surge a informação de que “Roberto Campos será presidente do Banco Central”. Como na série “Walking Dead”, o presidente eleito americanófilo teria conseguido ressuscitar o velho economista, que aliás foi pioneiro em sofrer atentado a facada…
Mas depois veio a explicação. Trata-se de um neto do economista Roberto Campos, que tem especialização pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla) e uma carreira de quase 18 anos no Santander, só interrompida por uma curta passagem pela gestora de recursos Claritas. Nada a ver com “Walkind Dead”.
LEMBRANÇAS – Essa esculhambação político-institucional que caracteriza o Brasil desperta muitas lembranças no Editor da Tribuna da Internet, inclusive lembra um trabalho importante que foi feito para o verdadeiro Roberto Campos, em 1984, ainda no governo militar.
Na época, Campos tinha assumido o mandato de senador pelo PDS (ex-Arena) de Mato Grosso e eu fazia a cobertura do Congresso pela revista “Manchete”. Viajávamos sempre no mesmo voo da Varig nas terças-feiras, 9h15m, e fiz amizade com seu principal assessor, o excelente jornalista Nelson Teixeira, que morava na Av. Vieira Souto, num apartamento cedido por Roberto Marinho, vejam como o mundo é pequeno.
Discutia-se então o projeto da reserva de mercado para a informática, que era defendido pelos parlamentares do chamado MDB autêntico, liderado por Ulysses Guimarães, e meu nome foi sugerido para redigir o discurso a ser lido em plenário pelo relator do projeto, deputado Gustavo de Faria (MDB-RJ).
NA CASA DE CAMPOS – Quando acabei o discurso, fui convocado para apresentá-lo numa reunião no apartamento do senador Roberto Campos. Estranhei, mas fui até lá. Quando cheguei, havia em torno de 15 parlamentares, que se sentaram espalhados pela sala. Entreguei o texto ao senador que estava tomando um chá e se encarregou de ler em voz alta. E foi uma cena incrível ouvir Roberto Campos defendendo uma tese altamente nacionalista, que fustigava implacavelmente as multinacionais da informática.
O movimento pela defesa de mercado saiu vencedor, a lei foi aprovada e o que mais me chamou atenção foi o fato de o próprio Roberto Campos ter apresentado ao Supremo a representação 1.349, para arguir a inconstitucionalidade da lei.
Depois, entendi que essa manobra fez Campos ficar bem com os dois lados, porque o governo Ronald Reagan, que na época impôs pesadas retaliações ao Brasil, julgou que o parlamentar continuava sendo um americanófilo de confiança.
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P.S. 1 – Tive de tirar o chapéu para Roberto Campos e mudei de ideia sobre ele. Passei a achar que era um agente duplo, mas que, na hora da verdade, defenderia os interesses nacionais.
P.S. 1 – Tive de tirar o chapéu para Roberto Campos e mudei de ideia sobre ele. Passei a achar que era um agente duplo, mas que, na hora da verdade, defenderia os interesses nacionais.
P.S. 2 – O mais impressionante foi sua jogada de mestre, ao encaminhar um recurso ao Supremo que sabia ser inaplicável e incabível no caso. Campos apresentou uma Reclamação (para ser recusada), quando deveria ter impetrado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (para ser aceita). Genial, verdadeiramente genial. (C.N.)