Carlos Newton
Quando assinalamos aqui na “Tribuna da Internet” que o presidente eleito Jair Bolsonaro e o superministro Paulo Guedes desconheciam o projeto 459/2017, que ameaça demolir o novo governo, não havia o menor exagero nesta afirmação. É tudo rigorosamente verdadeiro. O objetivo da proposta, fruto da criatividade do senador José Serra (PSDB-SP), é permitir a realização de operações ilegais de crédito por governantes federais, estaduais e municipais, mediante desvio do fluxo da arrecadação tributária, numa prática que está ocasionando graves prejuízos aos cofres públicos, sem haver prévia inclusão no respectivo Orçamento ou autorização do Legislativo.
Disfarçado sob o manto da “securitização”, na verdade o esquema foi criado para beneficiar os banqueiros e representa um atentado à Lei de Responsabilidade Fiscal, criada justamente para evitar que administrações públicas pudessem ir à bancarrota, uma possibilidade que reduz as chances do governo Bolsonaro obter o sucesso esperado.
DIRETO NA PAUTA – Em final de mandato, é preciso manter o Congresso sob vigilância total. Da mesma forma como ocorreu ao ter aprovação do Senado, onde nem passou pela Comissão de Constituição e Justiça, também na Câmara o projeto de Serra já está “pronto para pauta” no plenário, apesar de ainda aguardar parecer do relator na Comissão de Finanças e Tributação e de nem ter sido examinado na CCJ, embora seu teor seja absolutamente ilegal.
O texto foi redigido de forma ardilosa, em linguagem cifrada e ininteligível, para tornar legais alguma práticas inconstitucionais e lesivas, adotadas por alguns estados e municípios, e que vêm causando enormes prejuízos ao erário público, conforme já foi denunciado pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público de Contas.
Outros órgãos de controle também têm repudiado a “engenharia financeira” do projeto, a exemplo dos Tribunais de Contas de Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Recentemente, devido às graves consequências constatadas, o Tribunal de Contas do Paraná suspendeu definitivamente a cessão de créditos e o governo de Goiás também interrompeu a estruturação do esquema.
É uma nova forma de levantar empréstimos fora da lei, favorecendo os banqueiros, que têm garantia total de recebimento, exigindo como caução a própria arrecadação tributária do governo cedente, conforme ocorreu em vários estados e municípios.
EXEMPLO DE BH – No caso de Belo Horizonte, o banco BTG Pactual S/A comprou um volume de créditos tributários por R$ 230 milhões. A empresa PBH Ativos S/A ficou com R$ 30 milhões e repassou R$ 200 milhões para o município de Belo Horizonte. O mecanismo foi uma mera fachada para o município obter esse empréstimo de R$ 230 milhões, que já descontava 10,5% (R$ 30 milhões) no ato.
Como esse empréstimo não é contabilizado como dívida, seu pagamento se dá por fora, com utilização de recursos tributários desviados ainda na rede bancária, um verdadeiro escândalo!
Então, numa operação de R$ 200 milhões, em apenas três anos a prefeitura de Belo Horizonte já teve perda comprovada de R$ 70 milhões, conforme dados oficiais analisados pela CPI da Câmara Municipal, que permitiu acesso a escrituras, documentos contábeis e contratos da PBH Ativos S/A. A análise dos papéis revelou que referida empresa é mero veículo de passagem para confundir e dificultar a visualização das operações ilegais e fraudulentas, que envolvem o desvio e sequestro de recursos públicos, além da perda de controle sobre a arrecadação tributária e danos financeiros efetivos.
PRÉ-FALÊNCIA – O fato concreto é que União, Estados e municípios já se encontram em estado de pré-falência, aguardando os bons fluidos do governo Bolsonaro, que vai se iniciar novamente apunhalado , desta vez com a facada do aumento salarial do Supremo, que vai se espalhar por todo o funcionalismo público, e com ameaças tipo projeto 459/2017.
Este escândalo da proposta de Serra foi divulgado pela Auditoria Cidadã da Dívida, instituição presidida por Maria Lúcia Fattorelli, considerada uma das maiores especialistas mundiais em dívida pública. A denúncia teve apoio do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, e da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas.
Estas instituição se manifestaram mediante uma Interpelação Extrajudicial encaminhada ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e às lideranças partidárias, para que não coloquem o projeto em pauta, antes de exame pelas comissões técnicas.
###
P.S. 1 – A auditora Maria Lúcia Fatorelli ajudou Grécia e Equador a reduzirem suas dívidas, mas não consegue auxiliar o Brasil a tomar idêntica iniciativa. Eu achava que Bolsonaro a convidaria para conduzir um exame da dívida pública e do déficit de Previdência, mas estava enganado. Infelizmente, nenhum integrante do futuro governo se interessou pelo trabalho que Maria Lucia Fattorelli conduz gratuitamente em defesa dos interesses nacionais.
P.S. 1 – A auditora Maria Lúcia Fatorelli ajudou Grécia e Equador a reduzirem suas dívidas, mas não consegue auxiliar o Brasil a tomar idêntica iniciativa. Eu achava que Bolsonaro a convidaria para conduzir um exame da dívida pública e do déficit de Previdência, mas estava enganado. Infelizmente, nenhum integrante do futuro governo se interessou pelo trabalho que Maria Lucia Fattorelli conduz gratuitamente em defesa dos interesses nacionais.
P.S. 2 – Foi sugerido aqui uma entrevista com o autor do projeto, senador José Serra. Acontece que o ilustre parlamentar não recebe a imprensa há quase dois anos, desde que seu nome apareceu envolvido na corrupção do PSDB, especialmente nos casos do Paulo Preto e do Ronaldo Cezar Coelho, cujos extratos bancários a Procuradoria da Suíça acaba de encaminhar ao Brasil. Serra se tornou uma espécie de foragido de corpo presente, que está rouco de tanto ficar calado. (C.N.)