Ascânio SelemeO Globo
Um dos melhores nomes que circularam na mesa de ministeriáveis do presidente eleito, Jair Bolsonaro, o de Mozart Neves Ramos, para a Educação, foi bombardeado e expelido pela bancada evangélica. Com todo respeito aos evangélicos e aos fiéis de qualquer outra denominação, a questão não é religiosa, e não pode ser. O Estado brasileiro é laico por determinação constitucional. Significa que seus governantes não se subordinam a nenhuma instância religiosa. Não foi o que aconteceu na indicação do futuro ministro da Educação.
Mozart Ramos foi vetado, esta é a palavra correta, pela bancada evangélica, e antes de nomear seu substituto, o presidente eleito pediu o aval de Silas Malafaia, pastor pentecostal de uma igreja ligada à Assembleia de Deus. Malafaia apoiou e festejou a indicação do filósofo colombiano Ricardo Vélez Rodriguez. Os evangélicos do Congresso também gostaram do novo nome, um conservador de direita que comandará o Ministério da Educação levando em conta o conceito da Escola sem Partido.
TRÊS GURUS – Três homens influenciam Jair Bolsonaro. Onyx Lorenzoni, Paulo Guedes e Olavo de Carvalho. Todos indicaram ministros. Onyx chegou a chamar um pelo nome antes mesmo de ele ser anunciado pelo presidente eleito. Guedes nomeia quem quer e gasta no máximo uma hora explicando ao seu chefe por que este vai para o BC e aquele para o BB. Olavo nunca se encontrou com Bolsonaro e falou com ele pelo telefone apenas três vezes, segundo entrevista que deu para a repórter Natália Portinari. Mesmo assim, já nomeou dois ministros.
Depois do chanceler antiglobalista, ele recomendou Vélez Rodriguez, especialmente pelo seu perfil conservador. Olavo não é burro, sabe que Escola sem Partido é uma miragem. Ele disse na entrevista ao Globo que primeiro é preciso se conceituar o que é isso e como se manifesta o esquerdismo nas escolas e universidades, para depois tentar produzir um projeto de lei que delimite sua abrangência.
Segundo ele, o ideal seria conceituar o movimento como Escola sem Censura. Num post em rede social, Olavo disse que na sala de aula o professor deveria expor sua opinião e a opinião oposta.
RELIGIÃO – O fato é que, no Brasil, 87% da população é cristã, e pelo menos um quarto deste contingente frequenta serviços religiosos. Talvez por isso, pelo espetacular tamanho do rebanho que dominam, líderes religiosos muitas vezes se julgam justos o suficiente e capazes o bastante para dizer que rumo todos devem tomar, inclusive os que não professam a mesma fé ou que não professam fé alguma. E assim vetaram Mozart Ramos, que era a primeira escolha de Bolsonaro, mas se lixava para a Escola sem Partido.
A bancada evangélica sempre exerceu influência sobre governos, mas nunca a ponto de apor vetos a ministros. Houve ministros indicados pelo grupo mesmo nos governos petistas, mas jamais se soube de um nome escolhido pelo presidente que acabasse sendo retirado por determinação religiosa.
SUBMISSÃO – O que se viu esta semana em Brasília foi um gesto de submissão de um presidente eleito. Fazer consultas a partidos e bancadas da sua base ou que representam sua orientação ideológica faz sentido e é do jogo democrático. Ouvir e aceitar um não publicamente é que são elas.
Mais de 20% dos brasileiros frequentam cultos religiosos pelo menos uma vez por mês. Na Itália, 11% da população vão a algum tipo de missa, contra 3,5% na Grã-Bretanha e apenas 1% na Suécia. Agora, imaginem um pastor, um bispo ou um grupo político ligado a igrejas evangélicas vetando um ministro em Estocolmo. Pois é. E o Brasil assim vai se modernizando.