Carlos Chagas
Já começou a trabalhar pelo menos um dos quatro segmentos em que Dilma Rousseff dividiu o ministério: a turma do Desenvolvimento Econômico chefiada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, examina a reforma tributária. Tomara que o objetivo central da empreitada seja diminuir o volume de impostos e taxas pagos pelas empresas e pelo cidadão comum, da ordem de 37% anuais sobre o faturamento e os ganhos pessoais. Trata-se do maior percentual do mundo, até acrescido de dois pontos nos oito anos do governo Lula.
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Um fantasma ronda essa iniciativa mais do que necessária. Corporifica-se na canhestra alegação das elites financeiras, de que mais pessoas deveriam pagar para que todos pagassem menos. Se o segmento do Desenvolvimento Econômico aceitar essa farsa, melhor seria que seus ministros mantivessem os braços cruzados, pois o objetivo é de as elites pagarem menos enquanto crescerá o número dos infelizes que não pagam porque não podem, e vão pagar. Aliás, pagar todos pagam, já que os impostos indiretos não poupam sequer os miseráveis.
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É bom tomar cuidado. Desonerar a folha de pagamento das empresas constitui proposta justa e necessária, mas é preciso saber se não acontecerá às custas do trabalhador. Na esteira da reforma tributária querem atrelar a chamada reforma trabalhista, eufemismo para caracterizar a supressão dos direitos sociais que sobraram do desmonte promovido nos tempos de Fernando Henrique Cardoso. Convém, no entanto, continuarmos otimistas. Se a proposta da presidente Dilma é de extirpar a pobreza, não será obrigando os pobres a pagar imposto.
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A REFORMA POLÍTICA
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Sendo as reformas o tema deste início de semana, vale lembrar que desde o governo José Sarney os presidentes da República sempre fazem a confissão, quando deixam o poder. Referem-se ao erro de não terem viabilizado a reforma política. Foi assim com o “bigode”, como também com Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique e o próprio Lula. Este, em silêncio durante oito anos, prestes a deixar o palácio do Planalto anunciou que, do lado de fora, iria dedicar seu tempo a impulsionar a reforma política. Ora bolas, porque não realizou quando podia? Ele e os antecessores, todos saltaram de banda, dizendo tratar-se de problema do Congresso. Só na condição de ex-presidentes lamentaram a oportunidade perdida.
Indaga-se da postura de Dilma Rousseff. Será a reforma política prioridade para ela? Se for, seria bom que um dos segmentos de seu ministério começasse a reunir os cacos dos mil projetos discutidos no Congresso, mas não aprovados até hoje. Financiamento público das campanhas eleitorais, punição para o uso da caixa dois, redução do número de partidos, votação em listas partidárias para deputado federal, uniformização dos casos de perda de mandato e quantas propostas a mais? Se não forem tornadas realidade neste primeiro ano de governo, adeus…
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NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO
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Devem os ex-presidentes da República e os ex-governadores de estado receber aposentadorias vitalícias, mesmo sob o rótulo de pensões? A questão é controversa e confusa. A Constituição de 1946 não previa essa liberalidade, ainda que garantisse aos integrantes do Poder Judiciário. Café Filho, que exerceu a presidência depois da morte de Getúlio Vargas, foi para casa sem meios de manutenção, até que anos depois o governador Carlos Lacerda o nomeou para o Tribunal de Contas da Guanabara. Juscelino, depois da cassação de seu mandato de senador, precisou virar fazendeiro, coisa que não conseguiu, passando a ser ajudado por Adolfo Bloch. Jânio Quadros e João Goulart nada receberam dos cofres públicos, mas não tiveram problemas: este era rico proprietário de terras e de bois; aquele conseguiu abrir conta na Suíça, sabe-se lá como.
Com o período militar e a Constituição de 1967, os ex-presidentes passaram a fazer jus a aposentadorias, da ordem dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Com a Constituição de 1988, ávidos de vingar-se de José Sarney, deputados e senadores cortaram as pensões dos ex-presidentes, respeitados os direitos adquiridos, menos o dele, pois ainda era presidente. Para os estados valiam as Constituições estaduais.
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Depois, foi uma confusão dos diabos, restabelecida a benesse por lei ordinária mas contestada pelo Supremo Tribunal Federal quando se tratou de ex-governadores. Contestação que até hoje não entrou em vigor. Assim estamos à espera de uma uniformização constitucional.�
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CONSELHOS E CONSELHOS
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Encontra-se em elaboração, na Casa Civil, o estatuto do recém-anunciado Conselho de Gestão, a ser integrado por empresários e técnicos escolhidos pela presidente da República para auxiliarem na realização da promessa de “fazer mais gastando menos”. Ainda existem, porque não foram extintos, o Conselho de Desenvolvimento Econômico, o Conselho de Desenvolvimento Social e o Conselho Político, criados no governo Lula.
Seria bom que Dilma Rousseff atentasse para dois outros conselhos constitucionalmente estabelecidos, o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, que por sinal jamais se reuniram desde a promulgação da carta de 1988.
Do primeiro fazem parte o presidente e o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes da maioria e da minoria nas duas casas do Congresso, o ministro da Justiça e mais seis cidadãos brasileiros natos com mais de 35 anos de idade, dois nomeados pelo presidente da República, dois eleitos pelo Senado e dois pela Câmara,com mandatos de três anos, vedada a recondução.
Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio, o que, positivamente, não é o caso. Mas, também, sobre questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas. A reforma política é uma delas.
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Já o Conselho de Defesa Nacional, como órgão de consulta do presidente da República, envolve além dele, do vice e dos presidentes da Câmara e do Senado, também os ministros da Justiça, da Defesa, do Planejamento, das Relações Exteriores e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Cabe-lhes opinar sobre decretação de guerra, estado de sítio, de defesa e intervenção federal, coisa felizmente irrelevante, mas também propor critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e seu efetivo uso, em especial na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e exploração de recursos naturais de qualquer tipo. É o caso, nessas últimas atribuições, envolvendo nossas fronteiras secas por onde entram drogas e armas contrabandeadas, bem como a defesa das reservas do pré-sal.
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Não será por falta de Conselhos que a presidente Dilma deixará de ser aconselhada em questões prementes…
Fonte: Tribuna da Imprensa