BRASÍLIA - O ex-ativista italiano Cesare Battisti terá de esperar mais seis dias para que o Supremo Tribunal Federal decida seu destino. O julgamento desta quinta-feira foi suspenso com quatro votos a favor da extradição de Battisti para a Itália e quatro votos contra. Apenas o presidente do STF, Gilmar Mendes, ainda não votou. A análise do caso será retomada na próxima quarta-feira, dia 18.
Os ministros interromperam a sessão por conta do baixo quórum. Havia apenas seis ministros no plenário na segunda parte do julgamento e Marco Aurélio ainda teve de sair da sessão porque tinha compromissos previamente agendados. Diante disso, Gilmar Mendes adiou a decisão para a próxima sessão.
Nesta quinta, o ministro Marco Aurélio defendeu a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio ao ex-militante de esquerda. Para ele, o ato de dar refúgio é prerrogativa do Poder Executivo e não cabe ao Judiciário analisá-lo. O ministro anotou que o tribunal, até hoje, respeitou o artigo 33 da Lei 9.474/97. De acordo com a regra, “o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio”.
A observação de Marco Aurélio revela que, caso o tribunal decida extraditar o italiano, estará mudando sua jurisprudência. O ministro citou o julgamento do pedido de extradição do colombiano Olivério Medina, tido como embaixador das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no Brasil. Em 2007, o STF decidiu, por nove votos a um, manter o refúgio dado ao colombiano pelo governo brasileiro.
Mas esse não foi o único motivo pelo qual Marco Aurélio votou pela legalidade do refúgio concedido a Cesare Battisti. Em seu voto, de 51 páginas, o ministro enumerou outros três motivos: 1 — o ato de Tarso Genro, que deu refúgio ao ex-militante de esquerda italiano Cesare Battisti foi realista, humanitário e atendeu a “noções consagradas internacionalmente”. 2 — o próprio governo da Itália classifica os crimes como políticos e a discussão sobre o caso é eminentemente política. Por isso, não há como classificá-lo como crime comum, como quer o STF. 3 — os crimes pelos quais Battisti foi condenado à prisão perpétua estão prescritos, porque já se passaram 20 anos desde a última condenação.
Divulgação/STF
Ministro Marco Aurélio durante sessão extraordinária do STF
Ministro Marco Aurélio durante sessão extraordinária do STF
Dos 11 ministros do Supremo, apenas nove votam no caso Battisti. O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, e o mais novo, Dias Toffoli, se declararam impedidos de julgar o pedido de extradição. A expectativa é a de que o presidente do STF vote contra o refúgio. No caso de Olivério Medina, por exemplo, ele foi o único a decidir pela extradição.
O advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, ainda acredita que o ministro Gilmar Mendes possa votar em favor de seu cliente. “Neste caso, não se trata de um ministro votando na rotina de um caso, mas de um presidente do STF responsável por desempatar uma extradição que poderá mandar um cidadão para a prisão perpétua”, afirmou. Para Barroso, a postura garantista do ministro Gilmar Mendes, crítica do chamado Estado punitivo, deve pesar em favor de Battisti.
Em 9 de setembro, quando o julgamento foi iniciado, o relator do processo, ministro Cezar Peluso, entendeu que os crimes cometidos por Battisti são crimes comuns. Assim, ele não tem direito ao refúgio político concedido pelo governo. Votaram com ele os ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Ellen Gracie. Nesta quinta, Peluso reforçou suas convicções de que os assassinatos são crimes comuns e que não estão prescritos.
A favor da permanência do italiano no Brasil, já haviam votado os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Eros Grau. O ministro Marco Aurélio engrossou essa posição e empatou o placar nesta quinta.
Dever de extraditar
Os ministros discordam também sobre a obrigação de o governo brasileiro entregar Battisti às autoridades italianas no caso de o tribunal decidir extraditá-lo. Para o relator, Cezar Peluso, quando o Supremo acolhe pedido de extradição, o governo não tem outra saída, senão cumprir a decisão.
Neste ponto, Marco Aurélio também discordou. Segundo ele, depois de concluído o julgamento, no caso de o STF decidir atender ao pedido de extradição feito pelo governo da Itália, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda poderia manter Battisti no País
“Cabe, privativamente, ao presidente da República solucionar questões de política internacional, com o referendo, em certos casos, do Congresso Nacional. Se declarada a legitimidade do pleito, abre-se salutar oportunidade ao presidente da República não de modificar o pronunciamento judicial, mas de, à frente da política brasileira no campo internacional, entregar, ou não, o estrangeiro, que poderá merecer o status de asilado”, afirmou Marco Aurélio.
O ministro ainda citou caso ocorrido este ano na França como exemplo da prerrogativa do presidente da República. “Agora mesmo, na França, em 28 de janeiro de 2009, houve o deferimento da extradição da nacional italiana Marina Petrella, e o Executivo francês, em vez de entregá-la ao governo da Itália, deferiu-lhe o asilo”, contou.
O caso
Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália sob a acusação de ter cometido quatro assassinatos no final dos anos de 1970. O italiano foi julgado à revelia e condenado em 1993, quando estava refugiado na França. Depois, fugiu para o México e, em seguida, para o Brasil.
Cesare Battisti foi preso em março de 2007, no Rio de Janeiro. Depois da prisão, solicitou refúgio político ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados). Primeiramente, o pedido foi negado. Mas, em janeiro deste ano, o ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu, em grau de recurso, o refúgio político pedido pelo italiano. O argumento foi o de que ele não teve respeitado o direito à ampla defesa no processo que o condenou.
A discussão do STF se dá sobre a seguinte questão: quando o Poder Executivo dá refúgio ao cidadão estrangeiro, o Judiciário pode mandar extraditá-lo? Até o julgamento do caso Battisti, a resposta era não. O Supremo sempre decidiu que se deve arquivar o processo de extradição nos casos em que o governo concede refúgio. Agora, a posição do tribunal pode mudar.
Fonte: Último Segundo