Dora Kramer
As ações políticas – todas, portanto – do presidente Luiz Inácio da Silva sempre precisam ser analisadas por prismas diferentes: levando em conta a ética ou considerando apenas a eficácia imediata do gesto. Pelo primeiro critério, raras passam pelo controle de qualidade. Já pelo segundo, o grau de aproveitamento é bem superior. Nesse caso enquadra-se o revide do presidente a comentário do governador José Serra sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.
Serra criticou a falta de investimentos federais em projetos de irrigação às margens do rio. Lula bateu com força ironizando a preocupação do governador com o Nordeste – extemporânea e eleitoreira, segundo ele – e mandou que o tucano ficasse “esperto”, pois, daqui em diante haverá muitas inaugurações na região.
Foi a primeira vez desde a campanha eleitoral de 2002 que Lula atacou diretamente seu oponente da época. Apresentou as armas e chamou o adversário para a briga. Criou para a oposição, para José Serra em particular, uma situação assaz complicada: a escolha entre calar, e parecer covarde ante a popularidade presidencial, ou reagir no mesmo tom e fugir do roteiro previsto de só iniciar a campanha propriamente dita no ano que vem.
Num primeiro momento, a opção de Serra foi fazer o elegante: “Se o que eu disse ajudar a ter um metro a mais de irrigação, fico feliz”. Um tanto sutil demais, hermético até para a conversa nos termos propostos por Lula.
Setores mais pragmáticos da oposição, como o DEM, saíram a campo pedindo que o tucanato – senhor da candidatura – deixe de manejar floretes e entre logo no embate com luvas de boxe. Ponto, portanto, para o presidente, que conseguiu fazer a oposição voltar a expor suas divergências em público, discutir uma mudança de agenda adaptando-a ao ritmo que interessa ao adversário e ainda dar margem à interpretação de que reina o desespero nas hostes oposicionistas.
A oposição tem dois candidatos, um deles posicionado na liderança das pesquisas, que em tese sai na dianteira com o apoio dos dois maiores colégios eleitorais do país. No entanto, se espreme de ansiedade ante um adversário cuja candidatura é construída a poder de artificialismo e sob o risco de, de repente, sofrer impugnação da Justiça Eleitoral, que cassou mandatos de governadores por delitos até menos evidentes no tocante ao uso da máquina.
Por ora, parece que o governador de São Paulo pretende seguir resistindo às pressões dos correligionários. Impõe a regra do cálculo frio e da lógica pura: “Lula não é candidato e eu não sei se serei candidato”, diz. A questão é até quando a oposição resistirá a entrar na guerra quanto antes como parece desejar o presidente Lula. A resposta seria fácil se consequências fossem senhoras obedientes. Como saber se a estratégia de Serra não fará seu favoritismo minguar? Ou se a mudança de rumo é que renderá prejuízos?
Lula joga seu jogo: não tendo cão, resolveu caçar com gato e, para todos os efeitos, conseguiu transferir a angústia de uma situação adversa para o adversário que, em tese, teria tudo para navegar com o vento a favor.
Filosofia
A definição é de autoria do presidente Lula, exposta durante a franciscana – dando (show) que se recebe (voto) – turnê: “No governo você não pensa, não acredita, você faz ou não faz”.
Para todos
O senador João Pedro (PT-AM) fez uma “denúncia” na sessão de sexta-feira de manhã: que parte da imprensa faz oposição ao governo. Por essa ótica, a crítica, a opinião e até a tomada de posições quando exercidas fora do âmbito partidário se configuram uma ilegalidade. “A imprensa não permite que o presidente visite um canteiro de obras do seu governo”, disse o senador João Pedro.
Não. A imprensa critica o uso partidário que o presidente faz do governo de todos os brasileiros. E a esse tipo de coisa se opõe sim, com a legitimidade que lhe confere o preceito constitucional da liberdade de expressão. Não fosse o livre exercício do contraditório, deve se lembrar o senador, o PT não faria carreira nem teria chegado à Presidência.
Eike
De neófitos na área que se movimentam em excesso políticos experientes em geral dizem o seguinte: “Para cachorro novo, fulano está entrando no mato com muita pressa”.
Sungão
Diante do uso que se faz do artefato – guarda-volumes de dólares não contabilizados e gabaritos de provas fraudadas –, o desfile do senador Eduardo Suplicy de cuecas vermelhas sobre o terno escuro nos corredores do Congresso só seria quebra de decoro se decoro ainda houvesse para ser quebrado.
Fonte: Gazeta do Povo
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domingo, outubro 18, 2009
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