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terça-feira, abril 14, 2009

DEMOCRACIA SONEGADA

por Daniel PizaAuthor->prefered_name() -->, Seção: política/ economia 12:19:12.

Concordo com o nobre senador Renan Calheiros: a culpa é da imprensa. Afinal, a imprensa demorou demais a revelar que o Senado tinha triplicado o número de diretores; a imprensa até agora não esclareceu quem pagava as contas da mãe de seu filho, Monica Veloso, e onde estão as empresas cujas notas ele brandiu como provas de inocência; a imprensa não contou como é que seu correligionário José Sarney conseguiu sacar o dinheiro do Banco Santos um dia antes da operação da PF; a imprensa não explicou o que está se passando com o tal “G-8”, formado por peemedebistas como Jader Barbalho. E ponha um etcetera do tamanho de Brasília, abrangendo desde a filha de Fernando Henrique Cardoso – que desempenha a digna função de zelar pelo acervo de Heráclito Fortes, certamente um tesouro documental à altura do homônimo da Grécia Antiga – até o irmão de Franklin Martins, o filho do presidente Lula, as relações de Marcos Valério e Delúbio Soares com estatais como o Banco do Brasil (esse que “o cara” quer que seja maior que o Itaú Unibanco). A culpa é da imprensa, que sempre conta tarde e conta pouco.
O poder à brasileira, como avisou Joaquim Nabuco há mais de cem anos, é um círculo oligárquico, um clube no qual se revezam pessoas das diversas origens e classes – aproximando fazendeiros e sindicalistas, ONGs e empreiteiras – sem que seu isolamento seja rompido a sério. Logo, a imprensa é apenas um obstáculo eventual em sua comunicação direta com o povo, como Lula não se cansa de dizer. De vez em quando alguém tem algum surto individual, como Pedro Collor e Roberto Jefferson, e decide expor um apêndice das tripas podres da política tropical. Convoca um contato da imprensa e, “scoop!”, a notícia cai como uma bomba. Mas é uma bomba de pequeno impacto e sem efeito moral. Quando a poeira baixa, os experimentos destrutivos voltam a minar a máquina pública em silêncio, longe do olhar complacente da mídia. As aparências democráticas são restabelecidas; alguns vão para a sombra até que possam ressurgir como se nada tivesse acontecido, como Collor, Barbalho ou Palocci – ou então fazem como Tião Viana e Tasso Jereissati e dizem que gastar fortunas públicas com celulares e jatinhos é permitido pela lei.
O pior é que a ideologia oligárquica não é exclusiva dos ocupantes de cargos oficiais. Ela se encontra todo dia nas mesmas pessoas que se dizem tão indignadas com os políticos nas pesquisas de opinião. Assim como FHC e Lula falam das mazelas brasileiras como se fossem meros observadores, os cidadãos reclamam de comportamentos que eles mesmos repetem. Pessoas com diplomas universitários e vidas para lá de confortáveis justificam sonegar impostos. Dizem, por exemplo, que a formação de quadrilha e o contrabando por parte do maior centro de luxo da nação, a Daslu, não bastam para a prisão de ninguém, mesmo que tenham prosseguido depois das primeiras multas. Afinal, como diziam os hippies nos anos 70, a culpa é do sistema e “corrupção existe no mundo todo”. O mesmo argumento é usado para as licitações fraudadas e a praxe das propinas, que são pagas para “evitar problemas” ou “driblar a burocracia” no país do futebol alegre. Pois Renan não está sozinho: mesmo os assalariados dão um jeitinho de gastar menos do que a nota fiscal diz.
Recebi emails de leitores se queixando de que me referi a essas barbaridades da “zelite” brasileira ao comentar o romance recém-lançado de Chico Buarque. Curiosamente, também recebi queixas por ter descrito brevemente o estrago cultural do regime militar de 1964. Na maioria dos casos o que me parece haver, nas tais classes “educadas” como entre os mais pobres, é uma cultura condescendente com o autoritarismo, com o rouba-mas-faz, com o uso do poder para fins pessoais – ainda que muitos digam o contrário nas enquetes. Li muitas vezes, por sinal, que o livro de Chico teria sido influenciado pelas ideias de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, mas pelo visto ninguém lê Raízes do Brasil, que mostra como o conceito liberal de interesse público não fez parte da colonização local. O que Chico descreve é o Brasil de Gilberto Freyre, oligarca que, no estudo Casa Grande & Senzala, não se privou de relembrar os prazeres dengosos que mulatas lhe deram na infância. E defender a tese de que eles constituem uma base para nossa democracia multirracial.
Deve ser por isso que, em festas da classe alta a que já fui, volta e meia me deparei com uma empregada negra em pé durante a noite toda apenas para apontar a porta do banheiro para os convidados. Ela talvez não seja nem registrada em carteira, mas certamente ganha, entre uma ordem e uma bronca, “presentinhos” do patrão como roupas e comidas, tal como numa crônica de Machado de Assis. Essa cultura oligárquica, claro, se vê também nas artes, que aí estão para mostrar nosso valor, como o filme que a família Barreto faz sobre Lula – ou outros em que a classe média urbana é que é a maior das culpadas, talvez porque fique consumindo essa mídia maledicente. A realidade, porém, é ainda mais amarga. Debaixo de tantos aplausos, nas mais diversas camadas da sociedade, o que se sonega é a democracia.
Fonte: Blog.estadao

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