Para o presidente do TSE, uso da expressão misturou candidatos com pendências isoladas com políticos de “vida suja”
Nelson Jr/TSE
Mário Coelho
Responsável pela condução das eleições deste ano em todo o país, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, avalia que o TSE errou ao referendar o uso da expressão “ficha-suja” para qualificar candidatos com processos na Justiça. Para o ministro, o emprego do termo prejudicou “a pureza do movimento” por eleições limpas ao misturar, em uma mesma lista, candidatos com pendências judiciais isoladas com políticos com “vida suja”.
“Confundiu um singelo passivo eleitoral com a vida pregressa desabonadora eticamente. E a nossa intenção foi não impedir o questionamento de registro de candidatura por parte de quem responde a uns dois ou três processos isoladamente. Não foi isso. Nosso propósito foi analisar a biografia social, a vida toda do candidato”, afirmou nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
Mesmo assim, Ayres Britto, considerado um dos ministros mais progressistas do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), mantém o otimismo. Para ele, apesar da “aparente derrota”, o movimento encabeçado contra a candidatura de políticos com problemas judiciais produziu importantes avanços.
“O eleitor hoje foi devidamente informado que tem o direito, a que corresponde o dever da Justiça eleitoral, de conhecer a vida pregressa do candidato. A compreensão de que, primeiro, voto esclarecido pressupõe conhecimento da vida pregressa do candidato. Segundo: o voto é o filtro. Essa compreensão de que o voto é um filtro ganhou em densidade nesta eleição”, considerou.
Outro ponto positivo desencadeado pela campanha encabeçada por entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), segundo ele, foi a retomada da discussão de 23 propostas que tramitam no Congresso que visam a endurecer as regras para a concessão de registros de candidaturas.
Prestação de contas
O adjetivo progressista pode ser usado também para definir sua atuação no comando do TSE. Em setembro, Ayres Britto perdeu uma batalha que apertaria ainda mais o cerco contra candidatos que não têm cuidado com dinheiro público. Na oportunidade, os ministros decidiram que somente vereadores e deputados podem julgar as contas dos chefes de Executivo.
“Ali foi uma decisão, do ponto de vista técnico, ao meu sentir, redondamente equivocada. Mas como nos colegiados prepondera o majoritário, a maioria decidiu, assim está decidido. A verdade jurídica será restabelecida pelo Supremo Tribunal Federal”, disse o ministro. Também nesse caso, otimismo não lhe falta. “A tendência da Justiça eleitoral é apertar o cerco na matéria da prestação de contas”, acrescentou.
Além de qualificar como um equívoco o uso da expressão “ficha-suja”, Ayres Britto também admite outro erro do TSE na condução do processo eleitoral deste ano. Na avaliação dele, as restrições impostas à internet foram excessivas. “Na minha opinião sim, houve excesso de rigor, que é preciso abrandar e afastar de todo”, disse.
Doutor em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Ayres Britto foi indicado pelo presidente Lula em julho de 2003 para assumir uma cadeira no STF, no lugar de Ilmar Galvão. Em seu segundo biênio como titular do Tribunal Superior Eleitoral, assumiu a presidência da corte em maio deste ano.
Leia a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – O TSE estabeleceu nos últimos dias o entendimento de quem não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não vai ter o registro de candidatura aprovado pela Justiça eleitoral (leia mais). É uma tendência apertar cada vez mais o cerco contra candidatos que não tiverem zelo pelas contas públicas?
Carlos Ayres Britto – Sim, é uma tendência. O tribunal exige cada vez mais apego à legislação, no plano ético, no plano da eficiência administrativa, nesse plano do cumprimento dos deveres em matéria financeira, em matéria de dispêndio de dinheiro público, de verbas públicas. Porque isso se reflete na prestação de contas. Prestação de contas é um princípio constitucional, republicano por excelência. A República exige dos governantes, dos administradores responsabilização pessoal. Monarquia não. Governante governa e quem responde pelos erros dele são os ministros. A Constituição Brasileira de 1824 dizia assim: a figura do imperador é sagrada, inviolável e juridicamente irresponsável. República é outra proposta. Os governantes são pessoalmente responsáveis pelo exercício do cargo. Cada vez mais esse postulado republicano se reflete na justiça eleitoral.
Durante as sessões do TSE, é possível perceber que esse tema é muito caro para o senhor, principalmente por causa da sua origem [Ayres Britto foi procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas de Sergipe]. Em setembro, houve uma discussão acalorada sobre quem tem atribuição de aprovar as contas do chefe do Executivo (leia aqui e aqui). O senhor na época defendeu que, em cidades pequenas, muitas vezes o prefeito manipula as contas.
Ali foi uma decisão, do ponto de vista técnico, ao meu sentir, redondamente equivocada. Mas, como nos colegiados prepondera o majoritário, a maioria decidiu assim está decidido. A verdade jurídica será restabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, recorreu extraordinariamente da decisão. Então o tema será reaberto no Supremo. Porque é o seguinte pela Constituição: a Câmara de Vereadores julga o prefeito no plano da prestação das contas anuais. E ainda assim julga a partir de um parecer técnico dos tribunais de contas. Parecer que só pode ser rejeitado com 2/3 dos votos da Câmara municipal. Quando o prefeito não presta contas anuais, porém, presta contas específicas, administrando uma rubrica orçamentária, ele é julgado pelo Tribunal de Contas. O TC é ponto de partida e ponto de chegada. Quando as contas são anuais, o tribunal é ponto de partida, não é de chegada. Mas quando a prestação é pontual, é específica, quando o prefeito aparece como gestor do recurso público, ele pessoalmente ordenou a despesa, ele não vai ser julgado pela câmara municipal.
Até o ministro Marcelo Ribeiro, em uma sessão recente, afirmou que essa eleição tem se caracterizado pela quantidade de recursos e questionamentos tendo prestações de contas como origem. O senhor compartilha essa visão? Está acontecendo uma vigilância maior em cima das contas dos candidatos?
Está. Esse momento da prestação de contas tende a ser o momento de atenção máxima por parte da Justiça Eleitoral. Porque prestar contas é um dever de todo o gestor de coisa pública. No caso dos políticos, eles prestam contas duas vezes. Prestam contas como autoridades e prestam contas como destinatários do Fundo Partidário. Os recursos do Fundo Partidário são públicos. E, por isso, são geridos pelos administradores públicos em geral: prefeitos, vereadores, secretários municipais, dirigentes de autarquias. A tendência da Justiça eleitoral é apertar o cerco na matéria da prestação de contas.
De acordo com o último balanço do tribunal, 6 mil recursos chegaram nesta campanha ao TSE, mas ainda faltavam julgar aproximadamente 2,5 mil (leia mais). O senhor tem uma idéia de quantos destes recursos envolvem prestações de contas?
Não, mas como você está percebendo, uma boa parte é. Sem falar no seguinte: quando a origem do financiamento de campanha é ilícita, é espúria, está presente o caixa 2. E o caixa 2 é o início da corrupção. Quem financia pelo caixa 2 uma campanha política, no fundo, está fazendo um investimento, uma aplicação financeira. Visa o retorno do capital empregado. O eleito, eventualmente, com financiamento espúrio, mediante caixa 2, ele já chega ao poder comprometido até a raiz dos cabelos com os financiadores. Qual o modo de pagar os financiadores? É administrando espuriamente, obscenamente, desonestamente a coisa pública. Ele vai pagar o financiador sob a forma de superfaturamento de compras, sob a forma de cessão ou concessão de serviço público com dispensa de licitação. Ou o fracionamento de despesa para evitar licitação. Ou nomeação para cargos de confiança. Um novo processo de corrupção começa no caixa 2
Na campanha para a prefeitura do Rio de Janeiro, o candidato Fernando Gabeira (PV) liberou, em seu site oficial – http://www.gabeira43.com.br, o nome e o valor dos seus doadores, assim como os gastos, de toda a campanha. Quem colabora acaba tendo um viés de apoiador e deixa de ser financiador. Essa iniciativa poderia ser implantada para dar mais transparência ao processo eleitoral?
Eu diria que sim. É um desafio nosso regulamentar esse tipo de financiamento, conhecer na plenitude os financiadores e os destinatários de financiamento. A quantia financiada, o modo pelo qual se deu o financiamento, o futuro aponta para essa direção.
O senhor é a favor do financiamento público de campanha?
Eu compartilho ao menos como rito de passagem necessário. Agora, enquanto não houver, é possível trabalhar com financiamento via internet, porém com plena identificação dos doadores, dos destinatários, o modo pelo qual a quantia foi doada e a prestação de contas.
Qual o balanço que o senhor faz da eleição até agora?
O saldo é altamente positivo. Boas novidades, como a fisionomia e o nome todo do vice-prefeito na urna, a eleição biométrica em Santa Catarina, Rondônia e Mato Grosso do Sul, a liberação da imprensa escrita, impressa, para entrevistas sem nenhuma censura de conteúdo, a possibilidade de a mídia impressa apoiar um candidato, a comprovação da extrema eficiência da urna eletrônica, que refletiu na rapidez da apuração. Também a vitoriosa coalizão de forças no Rio de Janeiro para assegurar a legitimidade do processo eleitoral.
Na atuação das forças armadas, tivemos a situação em Benedito Leite (MA), onde a eleição chegou a ser cancelada por causa dos tumultos.
Lá o contingente das Forças Armadas foi insuficiente. Mas reagiram, resistiram, pelo menos impediram que o juiz e o filho fossem trucidados.
Mas lá a situação toda ocorreu por conta de decisões polêmicas do próprio juiz eleitoral da cidade.
Dizem que sim.
Até o ministro Eros Grau chegou a defender a punição do juiz eleitoral (leia mais)...
Ele por sinal foi afastado da direção do processo.
No começo do processo eleitoral deste ano, teve a polêmica envolvendo a Resolução 22.178, de 2008, que, entre outras coisas, tratava da internet e era extremamente restritiva sobre a eleição na rede mundial de computadores.
Foi outro salto positivo. Nós ampliamos o uso da internet aos partidos políticos, abrindo páginas específicas, próprias, não só dos candidatos, abrimos para os partidos e coligações. E hoje deveremos tomar uma decisão muito importante, liberando os jornais ter na internet a mesma liberdade de informação e opinião que desfrutam na sua mídia impressa. [NR: Na sessão da última sexta (17), o TSE confirmou a previsão que o presidente havia dado ao Congresso em Foco, leia aqui.)
Os outros sites também seriam liberados?
A tendência é essa. A tendência é a liberação das possibilidades da internet para fins de campanha eleitoral. Em verdade, é uma mídia que maximiza a interatividade. O informado dialoga com a fonte da informação em tempo real. Há um diálogo. E se o informante se sentir assediado, ele deleta a mensagem. Se se sentir seduzido, ele retransmite a mensagem. Você caminha para um estado de plenitude de informação.
Houve um excesso de rigor no começo, ministro? Até o ministro Joaquim Barbosa defendeu, após a edição da Resolução 22.178, que cada caso deveria ser julgado separadamente.
Na minha opinião sim, houve excesso de rigor, que é preciso abrandar e afastar de todo.
Ministro, nunca se divulgou tanto relação de candidatos com problemas na Justiça. Entretanto, vemos ainda vários candidatos com vários processos concorrendo a cargos eletivos. Muitos deles se elegendo. Que avaliação o senhor faz desse quadro?
Foi uma aparente derrota. Porque se “ficha-suja” não significa necessariamente condição de elegibilidade, mas entrou na pauta das grandes preocupações nacionais, nos grandes debates, nas reflexões. O eleitor hoje foi devidamente informado que tem o direito, a que corresponde o dever da Justiça eleitoral, de conhecer a vida pregressa do candidato. A compreensão de que, primeiro, voto esclarecido pressupõe conhecimento da vida pregressa do candidato. Segundo: o voto é o filtro. Essa compreensão de que o voto é um filtro ganhou em densidade nesta eleição. Porque você precisa conhecer da vida pregressa do candidato para fazer do voto um filtro. Outra compreensão que resultou mais clara nesse processo eleitoral é de que o ideal na qualificação da vida política se atinge pela eleição popular. Não há outro momento.
Agora, essa aparente derrota, como o senhor qualificou, pode ser a origem de uma legislação mais dura?
Dizem que 23 projetos de lei estão tramitando no Congresso Nacional. Surgiram dois grandes movimentos nacionais. Um liderado pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), com a coleta de assinaturas para a proposição de um projeto de lei sobre a vida pregressa do candidato. E outro da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que divulgou listas e que incitou um movimento que faz parte desse saldo positivo que nós podemos fazer da eleição. Quase duas mil audiências públicas foram realizadas no Brasil em uma parceria do TSE com a AMB.
O senhor aponta algum equívoco na condução do processo eleitoral pelo TSE?
Sim, a expressão “ficha-suja” prejudicou a pureza do movimento. Porque confundiu um singelo passivo eleitoral com a vida pregressa desabonadora eticamente. E a nossa intenção foi não impedir o questionamento de registro de candidatura por parte de quem responde a uns dois ou três processos isoladamente. Não foi isso. Nosso propósito foi analisar a biografia social, a vida toda do candidato. Porque, quando você diz “ficha-suja”, quem tem um processo ou dois, embora seja uma pessoa decente, já se colocou contra. Isso foi ruim. Quem usou uma expressão correta foi a jornalista Dora Kramer quando ela disse “vida suja”. Aí sim. Nós queríamos ir atrás das pessoas, não a que tem ficha suja eventual, mas sim [aqueles com] vidas sujas.
Voltando à quantidade de recursos, a que se deve esse grande volume? É uma maior fiscalização, mais conscientização dos eleitores?
São muitas as explicações. Uma sociedade que se democratiza, que se pauta pela visibilidade, pela transparência, pela liberdade de expressão, a litigiosidade aumenta. É curioso isso, porque as pessoas cobram mais das pessoas. As pessoas querem se informar, se inteirar. Sabem de coisas que antes passavam por debaixo dos panos. Hoje as coisas vêm a público. O financiamento espúrio de campanha, um transporte enrustido de eleitores, uma compra de voto. Não basta que litigiosidade aumente. Para que ingresse no campo jurídico, é preciso confiar na Justiça. Porque se você não confiar na Justiça você tende a resolver seus problemas nos planos dos fatos. Se você confia na Justiça, você sai do plano dos fatos e vai para o jurídico. O Judiciário está mais abarrotado porque há mais confiança nele. Sobretudo na Justiça Eleitoral. Ela encurta duas distâncias. A primeira entre a postulação judiciária e a resposta. Segundo encurtamento de distância: entre a resposta judiciária e a sua execução.
Qual o grande desafio da Justiça eleitoral para as próximas eleições?
O grande desafio começa com a informatização do formulário do pedido de registro de candidatura. Nós devemos bolar um formulário a transcrever todos os dados de seu passivo processual. Quem sabe daqui a dois anos teremos. É preciso avançar na implantação da identificação biométrica do eleitor. Vamos acabar de vez com as candidaturas clandestinas. Suplentes de senador, vice-governador, vice-presidente... temos vários mecanismos de aperfeiçoamento para o futuro. E essa eleição serve como um grande ponto de partida.
Fonte: congressoemfoco
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