Raphael Veleda e Gizella Rodrigues
A casa na Península dos Ministros, onde a polícia desmontou um cassino clandestino na madrugada da última quinta-feira, está registrada no nome do Grupo OK, empresa do ex-senador Luiz Estevão. O delegado do caso quer saber agora se o empresário tem alguma ligação com a administração da jogatina, cujo caixa guardava 10% do valor de todas as apostas feitas. Páginas na internet mostram que o local era bastante utilizado para a realização de torneios de pôquer com taxa de inscrição, uma prática ilegal.
Arquivos do 1º Ofício de Registro de Imóveis do Distrito Federal, aos quais o Correio teve acesso, mostram que o Grupo OK adquiriu o imóvel, que pertencia à União, em dezembro de 1986. Desde então, as alterações no registro dizem respeito a mudanças na razão social da empresa. Em 2000, o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) bloqueou qualquer transferência do bem para dar garantias a uma disputa judicial entre a empresa e o Ministério Público Federal.
Era o início de uma série de capítulos que, segundo funcionários do cartório, marcam os bens do Grupo OK. A casa, avaliada em R$ 9 milhões pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), chegou a ir a leilão no dia 2 de agosto deste ano. Mas, como não houve alteração no registro, o Grupo OK continua sendo o fiel depositário do bem. Estevão admitiu ser o proprietário do imóvel, mas garantiu ao Correio que a casa está alugada e que ele não tinha idéia do que estava acontecendo lá.
"É um dos muitos imóveis alugados da empresa. Aquela casa já foi alugada para o embaixador de Cuba, para o embaixador da ONU no Brasil e depois para pessoas que não me recordo", relata. "Hoje (ontem), não tive tempo de tratar disso porque passei o dia inteiro no Rio de Janeiro. Além disso, não sou eu quem cuida dos aluguéis", afirma. O ex-senador disse ainda que tomará atitudes para reaver o imóvel. "A casa foi alugada para servir de moradia. Se o locatário deu destino diferente a ela, não só o contrato será rescindido como será aplicada uma pesada multa", promete. "Eu fiquei tão surpreso quanto qualquer um. Não tenho como saber o que a pessoa faz na casa porque não posso entrar lá."
Em junho de 2005, quando uma festa com mais de 1.500 pessoas no local perturbou a vizinhança durante dois dias, o empresário também alegou que o imóvel estava alugado para terceiros. O Correio não encontrou informações sobre aluguel, mas o Grupo OK é conhecido entre os corretores como uma empresa que administra imóveis por conta própria.
A polícia está investigando a ligação do ex-senador com a jogatina. O delegado Antônio Cavalheiro Filho, titular da 10ª DP (Lago Sul), quer saber se Luiz Estevão sabia o que ocorria no local. "Uma coisa é ele ser o dono da casa. Resta saber se ele também é o dono do jogo", ressalta. A polícia ainda tenta identificar, entre as 40 pessoas presas no momento da operação policial, quem eram os jogadores, quem estava financiando o jogo e quem apenas trabalhava na casa.
Promessa para dia 19
Na internet, em sites como o BrasíliaPoker e o Pôquer DF, são divulgados torneios no local, identificado como BSB Texas Club, a mais nova casa de jogos da região. Atualmente, está sendo divulgada a sétima etapa do circuito brasiliense de pôquer. O valor da inscrição fica entre R$ 150, antecipado, e R$ 180, na hora, o que é proibido. Nos sites, é possível ver até quem já está inscrito para o torneio. Como a casa da península está fechada, ainda não foi definido um novo local para os jogos, mas a data já está confirmada: dia 19 de outubro, um domingo, a partir das 14h.
As investigações ainda não determinaram a quantidade de dinheiro movimentada pelo cassino do Lago Sul. Mas os agentes sabem que o lucro era alto, pois só para manter a casa, eram gastos R$ 40 mil por mês. No local, fichas de R$ 1 a R$ 10 mil foram apreendidas, o que também indica que grandes quantias eram apostadas. Em uma das seis salas de jogatina existentes no local, a sala VIP, por exemplo, o jogador deveria desembolsar, de início, R$ 1 mil para sentar-se à mesa. "Apreendemos recibos e o livros-caixas, mas nem tudo era devidamente registrado", ressalta Cavalheiro. Os policiais também não sabem dizer quantas pessoas freqüentavam o local, mas pelo menos 70 cadeiras foram apreendidas. "Eles não teriam essa quantidade de assentos se eles ficassem vazios", opina o delegado.
O que diz a lei
# O artigo 50 da Lei das Contravenções Penais (Decreto nº 3.688/41) proíbe "estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público". A pena prevista é de prisão simples, de três meses a um ano, e multa, além da perda dos móveis e objetos de decoração do local. Apostadores flagrados pagam multa. No entanto, por ser considerado crime de baixo potencial ofensivo, a pessoa flagrada nessa atividade assina termo circunstanciado e dificilmente vai parar na cadeia. A lei considera lugar acessível ao público casas particulares (quando participam pessoas que não sejam da família), hotéis, associações ou qualquer outro estabelecimento destinado à exploração do jogo. Os jogos de azar são classificados na legislação como aqueles em que "o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte". São jogos de azar típicos a cara ou coroa, o bingo, jogos com dados, jogos de baralho, roleta ou apostas sobre qualquer competição esportiva. A exceção fica por conta das apostas sobre corrida de cavalos, que podem ser feitas em locais autorizados. As casas lotéricas são outra história. Elas foram reconhecidas como serviço público pelo decreto nº 21.143/32. Podem explorar o serviço de loterias no Brasil a União, por meio da Caixa Econômica Federal, e as loterias estaduais.
Apostas sem limites
O estilo de pôquer jogado no cassino do Lago Sul é o Texas Hold"em. Seu formato rápido e sem limites de apostas conquista jogadores desde o início do século XX. É o estilo oficial de grandes torneios transmitidos via TV por assinatura, para dezenas de países, o World Series of Poker. Nesses eventos nascem lendas do pôquer, que ganham milhões de dólares em prêmios e inspiram candidatos a mestres do carteado. Pela internet, jogadores apostam de algumas dezenas a muitos milhares de reais, também praticando o Texas Hold"em.
Até 22 jogadores podem dividir a mesa, mas o comum é que se enfrentem entre duas e 10 pessoas. As apostas são feitas por meio de fichas que, em diferentes cores, simbolizam quantias em dinheiro. Quando acabam as rodadas, o jogador troca o lucro, ou, na maioria das vezes, o prejuízo, no caixa do local.
Regras rígidas, cozinha de luxo
O material apreendido pela polícia mostra que o cassino era organizado profissionalmente, tinha nome e até estatuto registrado em cartório. O local era chamado de BSB Texas Club, Associação de Poker Competitivo do Distrito Federal. Para participar da jogatina, os apostadores assinavam um termo de adesão que determina direitos e deveres dos sócios. O documento, uma espécie de contrato, exigia dos associados nome completo, data de nascimento, endereço, número de documentos de identificação, como RG e CPF, e telefones.
O formulário também detalha uma etiqueta do pôquer que deveria ser seguida pelos praticantes. Atender o telefone na mesa, empilhar fichas de maneira que interferisse na visualização das cartas e retardar desnecessariamente o andamento do jogo eram ações classificadas como impróprias. Poderiam resultar em advertências, suspensões e até em expulsão. Portar qualquer arma, destruir a propriedade, fazer barulho excessivo, xingar, rasgar, dobrar ou amassar cartas também era proibido.
Apesar de ser uma construção antiga, a residência na Península dos Ministros tem acabamento luxuoso. O piso da sala VIP é de carpete. O dos demais cômodos, de granito. Os corredores são de tábua corrida. Todas as salas têm ar-condicionado e circuito interno de TV. O jardim há tempos não recebe manutenção. A maior parte da casa é térrea, mas há escadas no fundo que levam para quartos num segundo nível.
Além das mesas e cadeiras dos jogos, e de colchonetes para funcionários, não havia nenhum tipo de móvel, o que mostra que ninguém morava ali. A cozinha tinha fogão industrial onde cozinheiros preparavam lanches e jantares.
A cerca é adornada por um alambrado de zinco. Quando chegavam, os clientes davam sinal de luz alta e os seguranças permitiam a entrada. Os carros ficavam estacionados dentro do terreno. No dia da batida dos agentes da 10ª DP, cerca de 25 carros, incluindo um Honda Civic e uma BMW, estavam lá. O cassino funcionava todos os dias da semana, mas tinha maior movimento quartas e quintas.
O convite era feito pela internet. Quando o cliente ia ao local pela primeira vez, passava por avaliação que levava em conta, principalmente, a aparência. Ele também tinha que dizer como foi convidado e precisava provar aos seguranças que sabia o que se passava na casa. Enquanto jogavam, eles bebiam cerveja e uísque. Cada jogador recebia uma ficha de consumação e, em quase todas elas, havia o registro de bebidas alcoólicas.
Fonte: Correio Braziliense (DF)
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