Por: carlos Chagas
BRASÍLIA - Meio como implicância ou reação à mediocridade das campanhas para o segundo turno das eleições municipais, vale completar o relato dos últimos dois dias como contribuição aos trabalhos que muitos estudantes farão mês que vem pela passagem de mais um aniversário da proclamação da República. Na tarde de 15 de novembro de 1889, Deodoro da Fonseca quis ou não voltar atrás no golpe perpetrado de madrugada, quando o sol começava a nascer? De qualquer forma, ao acabar com o Império, o generalíssimo cedeu ao império das circunstâncias.
Assinou todos os decretos que Rui Barbosa preparara mas indignou-se quando o major Sólon Ribeiro sugeriu o fuzilamento de toda a família real. O imperador era seu amigo. Assim, mandou preparar outro decreto, dando a D. Pedro II uma dotação orçamentária capaz de prover-lhe o sustento na Europa, para onde seria exilado.
O decreto não demorou a chegar à Quinta da Boa Vista, recebido pela princesa Isabel, que, a pedido do pai, recusou. A família real tinha 48 horas para deixar o Brasil e o faria apenas com seus pertences, jóias e prataria. E um saquinho de terra brasileira tirada do jardim, que o imperador destinou à almofada de seu sarcófago, quando morresse.
A reunião na pequena casa de Deodoro prosseguia, ele começaria a governar como presidente provisório da República, mas convocaria no ano seguinte eleições para uma Assembléia Nacional Constituinte, onde todos poderiam votar, menos os mendigos e as mulheres.
Foi quando um cricri voltou à questão da família real. Havia, no porto do Rio, um pequeno navio em condições de levar D. Pedro II até um vapor maior, estacionado nas costas da Ilha Grande, e que logo seguiria para a Europa. Estava tudo acertado quando veio a pergunta: "E sob que bandeira o imperador viajará? Não pode ser a bandeira do Império, seria uma desmoralização para nós!".
Nessa hora ficou clara a precipitação da implantação da República entre nós. A República não tinha bandeira! Mandaram chamar uma costureira, vizinha de Deodoro, dando-lhe instruções para preparar nossa primeira bandeira republicana. Parece que a sugestão veio de Rui Barbosa, e assim foi feito.
Ainda desfila nas paradas de 7 de setembro essa bandeira que durou apenas alguns dias, sendo felizmente substituída pela antiga bandeira do Império, mas sem o brasão imperial no centro, posto em seu lugar o lema positivista de "Ordem e Progresso", em meio às constelações do Hemisfério Sul. Mas o imperador viajou para a Europa debaixo de um pavilhão igualzinho ao dos Estados Unidos, com stars and stripes, só que, em vez de listras brancas e vermelhas, apresentava listras verdes e amarelas... Qualquer semelhança terá sido apenas mera coincidência?
Relembramos, nos últimos três dias, este ou aquele detalhe da proclamação da República, tanto em homenagem ao 15 de novembro, como por conta da necessidade de expor que boa parte de nossa História tem acontecido por acaso. Por audácia, precipitação ou desígnios do destino, mas quase tudo sem planejamento ou meditação.
Para ficarmos nos tempos recentes, do golpe de 1964 à eleição do Lula, tudo aconteceu como farsa. O movimento militar foi preparado para evitar que o presidente João Goulart desse o golpe e proclamasse a República Sindicalista do Brasil. Pelo menos essa foi a desculpa.
Se os generais Olímpio Mourão Filho e Carlos Luís Guedes não tivessem consultado o horóscopo e verificado que faltava apenas um dia para a lua nova, quando nenhuma empreitada deve ser iniciada pelos crentes em astrologia, a chamada revolução não eclodiria a 31 de março. Ficaria no mínimo para alguns dias depois, ignorando-se até hoje se o governo Jango teria condições de articular-se e resistir.
Da mesma forma a ascensão do presidente Lula ao poder. Ao contrário do que se propaga, ele não foi eleito por suas promessas de mudar tudo, a começar pela política econômica. Porque as elites já sabiam que não cumpriria as promessas. O povo foi mais uma vez enganado. Terá ficado bestificado, depois, ao perceber que o governo do PT repetiu e ainda repete em gênero, número e grau os postulados neoliberais do antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Sem o apoio dos banqueiros e especuladores, que já sabiam o rumo a ser adotado pelo Lula, sua escolha não teria acontecido, nem na primeira, em 2002, nem na segunda eleição, em 2006. Caso o eleitorado desconfiasse de que eram todas as promessas vãs, a História seria outra.
As elites sabiam. Se não tivessem certeza de que o futuro presidente continuaria o modelo, bastaria que carregassem seus milhões em outro candidato, provavelmente José Serra. Ou será que por uma dessas conjunções canhestras dos astros desconfiaram de que o hoje governador de São Paulo, novamente candidato, mudaria muito mais do que o adversário prometeu e não cumpriu?
O inconfiável era Serra, não Lula, apesar das cortinas-de-fumaça. Aconteceu alguma coisa inusitada, surpreendente, a não ser para os iluminados que detêm os cordéis de nossa realidade.
Deodoro proclamou a República gritando "Viva o imperador!", enquanto Lula virou presidente prometendo mudar tudo...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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