José Dirceu
Circula na internet um abaixo-assinado contra o substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que prevê punição a quem transferir informação disponível em rede de computadores sem autorização. O abaixo-assinado, encabeçado por acadêmicos e militantes das redes sociais da internet e do software livre, deixa claro que não é a favor do plágio, da cópia indevida ou do roubo de obras. Mas esclarece que, ao tentar proteger os direitos autorais e a privacidade dos dados em redes de computadores, o substitutivo do senador poderá representar um profundo golpe no que é a própria essência da internet: a liberdade, a criatividade, a disseminação do conhecimento.
O que ocorre é que o texto proposto considera crime "obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando exigida". Isso vai significar que simples tarefas, como acessar um site para copiar um texto na memória temporária do computador, sem a devida autorização, poderia vir a ser considerado crime.
É claro que o objetivo do legislador não é impedir o acesso à rede, mas a proteção aos direitos autorais na internet – que até hoje ninguém descobriu como fazer, sem invasão da privacidade e estabelecimento de "fiscais" do conteúdo baixado ou trocado – pode desencadear ações indesejadas de repressão ao compartilhamento da informação, transformando boa parte dos internautas em réus sem crime.
Chamo a atenção para as graves conseqüências de uma legislação restritiva do uso da informação na internet, como essa em discussão no Congresso, pois não se trata de iniciativa isolada. Ela se insere em um movimento cada vez mais forte da indústria tradicional, tanto das comunicações como da cultura, contra o livre uso da internet para downloads e compartilhamento de conteúdos culturais.
A internet, por ser uma rede das redes, permite a troca do conhecimento, a formação de novas redes, reduzindo distâncias geográficas e desigualdades, criando novas oportunidades para os países pobres e em desenvolvimento. Ou seja, as características intrínsecas da internet tendem a acabar, numa velocidade difícil de se prever, com a cadeia de intermediação dentro da rede. E esse é o motivo essencial da virulenta reação ao livre trânsito de informação dentro da internet, especialmente as chamadas redes P2P (par a par), onde a intermediação é praticamente eliminada. Nessas redes cada computador deixa de ser só um receptor da informação para ser também servidor de arquivos. O efeito em cadeia desse fenômeno é que quanto mais computadores baixam um arquivo, mais rapidamente ele é baixado porque não está saindo de um servidor só, mas de todas as máquinas que o contêm.
Assim, as redes P2P estão caindo como uma bomba sobre a indústria tradicional de intermediação cultural que tem visto despencar as vendas de CDs e DVDs tradicionais – queda de 31,2% no faturamento no Brasil, entre 2007 e 2006, não computadas as vendas digitais. É claro que estamos diante de um fenômeno que exige o desenho de um novo modelo de negócio para a indústria cultural digital, cujos contornos não estão claros. Daí o medo e a reação da indústria tradicional.
A expressão mais grave desse movimento contra a liberdade na internet partiu da França de Sarkozy. Ela aprovou uma legislação que impede o livre compartilhamento de arquivos, viola a privacidade e obriga os provedores de internet a atuarem como forças policiais para fiscalizar o que os seus clientes estão fazendo na internet, que arquivos estão acessando, trocando, compartilhando.
Não podemos reagir aos desafios do desconhecido com medidas generalistas e policialescas que, se amplificadas, poderão nos conduzir ao pior dos mundos – com o cidadão eternamente sob vigilância quando estiver na internet. Temos de enfrentar os desafios do desconhecido com criatividade e determinação de extrair dos novos modelos de negócio os maiores benefícios para a sociedade.
Fonte: JB Online
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