Disputa entre correntes revela categoria dividida em dois pólos de poder
BRASÍLIA - O furacão institucional causado pela Operação Satiagraha, além de colocar dois poderes da República em rota de colisão, deixou a descoberto a existência de duas polícias federais, uma comandada pelo atual diretor geral, Luiz Fernando Correa, e outra pelo ex, Paulo Lacerda, que hoje chefia a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Os dois ensaiaram uma ruptura ao longo da semana, mas recolheram as armas, com a entrada em cena de bombeiros do Palácio do Planalto. Correa tirou dez dias de férias e Lacerda trouxe de volta os arapongas que havia emprestado ao delegado Protógenes Queiroz, então encarregado da operação.
O maior problema é que a disputa se refletiu na base e revelou uma categoria perigosamente dividida em torno desses dois pólos de poder. Na última sexta-feira, os representantes das principais entidades da categoria se digladiaram em debates públicos na mídia e nos sites corporativos. Um grupo de mais de 400 delegados divulgou manifesto pela volta de Protógenes ao comando da Satiagraha e de repúdio ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que mandou soltar o banqueiro Daniel Dantas e outros acusados de lavagem de dinheiro.
Crítico dos métodos, que chama de “espetaculosos”, usados pela PF nas operações, Mendes foi o primeiro a se insurgir contra “abusos de poder” que identificou em Protógenes. Mas vários outros segmentos da sociedade se manifestaram contra a atuação do delegado. A começar pela própria direção da PF, que o acusou de “insubordinação” e abriu dois procedimentos administrativos para apurar desvios de conduta. Há queixas contra privilégio que Protógenes teria dado à TV Globo nas filmagens da operação. Ele teria também avançado sobre direitos profissionais ao acusar advogados.
Os advogados dos acusados se queixam de que Protógenes lhes sonegou o direito de tomar conhecimento dos autos para fundamentar a defesa, como prevê a Constituição. A queixa mais grave, todavia, diz respeito à técnica investigativa, por ele ter compartilhado com arapongas da Abin acesso a dados do inquérito que estavam sob segredo de Justiça. Sindicância - Protógenes, segundo dados já colhidos pela sindicância aberta contra ele, teria demonstrado pouco caso em relação aos superiores, deixando de se reportar a eles no que devia sobre a operação e até mesmo de fazer os comunicados obrigatórios para mobilização das equipes, com a antecedência prevista pelo manual operacional. Um dirigente da PF que participa das investigações sobre os deslizes atribuídos ao delegado diz que a cúpula da PF em Brasília e em São Paulo foi a última a saber da operação.
Protógenes teria avisado em cima da hora o que dificultou a mobilização de toda a logística, que teve de ser feita às pressas. E a operação só não foi adiada para não dar a impressão de que o delegado estava sendo boicotado. Por conta dos supostos desvios, Protógenes é alvo de uma sindicância administrativa e uma representação na corregedoria. Ele pode sofrer sanções que vão desde advertência à suspensão ou, em caso extremo, sofrer um processo de demissão.
Para o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Marcos Vinício Wink, não há dúvidas: “Protógenes traiu a categoria ao recorrer a arapongas da Abin, em vez de confiar em colegas policiais”. Wink o acusa também de ser um delegado “atrapalhado, vítima da vaidade excessiva” e de ter adotado na operação um viés ideológico que pode contaminar o resultado do trabalho. “Não comungamos com vazamentos de informações, nem com a espetacularização das prisões”, atacou. “Também não concordamos com investigações paralelas feitas por uma Abin que de uma hora para outra quer se transformar numa espécie de clone da PF”, completou.
Entre os dois lados, o presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF, Sandro Avelar, acha que os únicos beneficiários da pendenga são os criminosos. “Enquanto as instituições brigam, os bandidos fazem a festa”. Para ele, a Satiagraha acabou se transformando numa “operação saco de gatos”. Protógenes apresentou denúncia ao Ministério Público Federal por ter sido afastado do inquérito e reclamou de “obstrução às investigações do caso”. (AE)
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Banqueiro deverá ficar em liberdade
BRASÍLIA - O julgamento de outro banqueiro famoso no Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2006, antecipa qual será o destino do habeas-corpus que, duas semanas atrás, beneficiou o dono do banco Opportunity, Daniel Dantas, e da Jurisprudência do STF. Assim como em 2006, quando os ministros da 2ª Turma consideraram ilegal a prisão preventiva de Edemar Cid Ferreira, do banco Santos, a liminar concedida a Dantas para se livrar da prisão durante a operação Satiagraha, da Polícia Federal, será referendada pelos mesmos ministros da 2ª Turma, com exceção de Gilmar Mendes, que assumiu a presidência do STF. Dantas, portanto, permanecerá em liberdade.
As circunstâncias que envolvem os dois casos são as mesmas, a começar pelo juiz que decretou as prisões em operações da Polícia Federal: Fausto De Sanctis. E, tanto no caso Edemar como no caso Dantas, a polêmica sobre tratamentos distintos entre pobres e ricos no STF foi aventada. Desta vez, a crítica veio de fora, mas em 2006, a suspeita de privilégio partiu de um ministro da Corte: Joaquim Barbosa. Ele reclamou, durante a sessão, que o STF deveria respeitar uma súmula que impede o tribunal de analisar habeas-corpus antes que as instâncias inferiores – Tribunal Regional Federal e Superior Tribunal de Justiça (STJ) – julguem o assunto. Discussão idêntica à travada por magistrados, juristas e promotores no caso Dantas.
Apesar da reclamação de Barbosa, os demais ministros da Turma disseram que era possível, com base em julgamentos antigos, ignorar a súmula, o que gerou o protesto de Barbosa: “Enquanto a súmula não for cancelada, meu comportamento pessoal será de sempre observá-la. A mim me repugna a prestação da jurisdição em função da qualidade das partes, das pessoas. É o que ocorre”. A crítica gerou protesto imediato dos demais ministros, a começar pelo mais antigo da Corte, Celso de Mello: “É preciso que fique claro, senhor ministro Joaquim Barbosa, que esta Suprema Corte não julga em função da qualidade das pessoas ou de sua condição econômica, política, social ou funcional. A observação feita obriga-me a dizer que o Supremo Tribunal Federal é mais importante do que todos os seus ministros”.
Além desse embate, os ministros, incluindo o atual presidente do STF, Gilmar Mendes, adiantaram que deve ser anulada a regra que impede o Supremo de analisar habeas-corpus que ainda dependem de julgamento em outros tribunais. “Vou caminhar exatamente para isso. Diante dessas perplexidades, na primeira vez em que se colocar a questão no plenário, vou subscrever a tese”, antecipou à época Mendes. A proposta tem o apoio, dentre outros, do vice-presidente do tribunal, Cezar Peluso.
Foi esse argumento sacado por Mendes para conceder a liminar que beneficiou Dantas, Verônica, irmã do banqueiro, e outros 22 investigados pela PF na operação Satiagraha. Para os ministros contrários à súmula, o STF pode julgar os habeas-corpus em casos em que há evidente afronta às liberdades individuais, independentemente de julgamentos em curso em outras instâncias. Edemar foi denunciado por lavagem de dinheiro, entre outros crimes. (AE)
Fonte: Correio da Bahia
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