I. Introdução
Para exercer suas atividades, o Estado (pessoa jurídica) necessita de pessoas físicas atuando como seus órgãos, produzindo ou manifestando sua vontade. São os chamados agentes públicos, os quais estão vinculados ao Estado por uma relação orgânica, não sendo considerados propriamente seus representantes.
A
Constituição Federal traz, em sua redação, cinco expressões distintas: agentes políticos (art. 37, XI), servidores públicos (Título III, Capítulo VII, Seção II), titular de emprego público (art. 37, I), contratado por tempo determinado (art. 37, IV) e militares (art. 42).
[i]
Os agentes políticos são os eleitos ou os nomeados pelos eleitos como auxiliares imediatos do Chefe do Executivo.
[ii] Juntamente com os cargos em comissão, os agentes políticos diferenciam-se das demais categorias de agentes públicos por não ingressarem na Administração Pública por meio de aprovação de capacidade técnica em concurso público. Logo, o vínculo que estabelecem com a Administração não é profissional, mas, sim, um vínculo político, de confiança.
Embora existam diversas categorias de agentes públicos, neste trabalho, iremos nos limitar a tratar apenas dos cargos comissionados e dos limites para sua nomeação.
II. Cargos em comissão
Conforme previsão expressa da
Constituição Federal, em seu artigo
37, inciso
II, os cargos em comissão são providos por livre nomeação e exoneração em caráter transitório. Isso significa que à autoridade competente é dispensada exposição de motivos no ato de nomear e exonerar pessoas para tais cargos, não havendo prazo determinado para o exercício.
Embora a nomeação e exoneração de servidor se dê por ato administrativo discricionário, conforme oportunidade e conveniência da Administração Pública (ressalte-se: e não da autoridade nomeante), não há que se falar em arbitrariedade, tendo em vista a existência de normas a serem observadas.
A Emenda Constitucional n.
19 de 1998 acrescentou ao artigo
37 da
Constituição Federal o inciso V, prevendo que os cargos em comissão, assim como as funções de confiança, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
A função de confiança, também conhecida como função gratificada, distingue-se do cargo comissionado por serem exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, ao passo que, para o cargo em comissão, são nomeadas pessoas sem vínculo anterior com a Administração Pública.
Assim leciona Marçal Justen Filho
[iii]:
Cabe uma diferenciação entre duas figuras jurídicas próximas. O cargo em comissão, também denominado cargo de confiança, não se confunde com a chamada “função de confiança”, que consiste na assunção de atribuições diferenciadas e de maior responsabilidade por parte do ocupante de um cargo de provimento efetivo, ao que corresponde o pagamento de uma remuneração adicional.
Portanto, determinadas tarefas diferenciadas e de grande relevo podem gerar a criação de cargos em comissão, mas também podem ser assumidas pelos ocupantes de cargos de provimento efetivo aos quais se atribui uma gratificação pecuniária – denominando-se esta última hipótese “função de confiança”.
Como se vê, a chamada “função de confiança” não consiste numa posição jurídica equivalente a um cargo público, mas na ampliação das atribuições e responsabilidades de um cargo de provimento efetivo, mediante uma gratificação pecuniária. Não se admite o conferimento de tal benefício ao ocupante de cargo em comissão, na medida em que a remuneração correspondente abrange todas as responsabilidades e encargos possíveis
III. Limites à nomeação de cargos em comissão
Em regra, para ingressar na Administração Pública, faz-se necessária a aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos. Admite-se excepcionalmente, contudo, nomeação de servidor sem prévio teste seletivo para a ocupação de cargos em comissão.
Como não há legislação federal específica regulamentando a matéria, os limites à nomeação de servidores para tais cargos são estabelecidos com base nos princípios explícitos e implícitos da Administração Pública e na redação da
Constituição Federal.
a) Atribuições aos quais cargos comissionados se destinam
Apesar de a legislação constitucional determinar como atribuições de cargos em comissão
apenas direção, chefia e assessoramento, não raro identificamos servidores comissionados nomeados para atividades técnicas, como motorista e serviços gerais, configurando uma evidente violação à
Constituição Federal, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA CARGOS EM COMISSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 37, INCISOS II E V, DA CONSTITUIÇÃO. 2. Os cargos em comissão criados pela Lei no 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. 3. Ação julgada procedente.[iv]
Para os cargos de direção e chefia, é justificável a necessidade de haver um vínculo de confiança entre o nomeado e a autoridade nomeante, uma vez que aquele é subordinado a este no exercício de sua função, em prol da boa administração.
A função de assessoramento, por sua vez, é alvo de críticas doutrinárias, por possibilitar a nomeação de pessoas sem prévia aprovação em concurso público para exercer atividade comum ou técnica, sem que seja necessária a confiança, que poderia, naturalmente, ser exercida por servidores efetivos.
[v]
Ressalte-se, todavia, que, conforme entendimento jurisprudencial consolidado, o assessoramento de que trata a legislação constitucional é aquele tido por qualificado, o qual contém funções que envolvem atividades complexas, de responsabilidade e, ainda, de confiança com a autoridade nomeante.
[vi]
Em decorrência dos princípios da moralidade, razoabilidade e eficiência da Administração Pública, pressupõe-se que, para exercer uma função de direção, chefia ou assessoramento qualificado, o servidor tenha conhecimento na área que irá atuar. Logo, embora não haja critério objetivo na lei exigindo formação técnica, os ministérios públicos e tribunais de contas estaduais têm recomendado aos chefes de Executivo, bem como aos membros do Poder Legislativo, que nomeiem para o exercício de cargos em comissão pessoas com nível de escolaridade superior, sob a justificativa que a ausência desta exigência remete à ideia de atividade de pouca complexidade e nível subalterno.
b) Percentual mínimo de cargos em comissão a serem ocupados por servidores concursados
Em virtude do fato de que um limite numérico exato de cargos em comissão engessaria a Administração Pública, uma vez que, por exemplo, não é possível prever com precisão as demandas de cada município, a legislação não preestabeleceu limite máximo quantitativo para tais cargos.
A
Constituição Federal, contudo, determina, em seu artigo
37, inciso
V, que uma percentagem dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores de carreira. O intuito seria evitar a arbitrariedade em casos, por exemplo, de exoneração de cargos comissionados que não aceitassem seguir as vontades pessoais da autoridade nomeante, tendo em conta a precariedade do cargo.
Embora a legislação constitucional determine que haja uma percentagem, ela não estabelece qual, delegando tal função à lei infraconstitucional. O inciso
Vdo artigo
37 da
Constituição Federal é, portanto, o que chamamos de norma de eficácia contida, por necessitar de outra lei para complementá-la. Assim, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Isto significa que a lei que vier a disciplinar esse dispositivo deverá assegurar que um mínimo de cargos em comissão seja ocupado por servidores de carreira”.
[vii]
c) Súmula Vinculante n. 13
A aprovação da Súmula Vinculante n 13 pelo Supremo Tribunal Federal trouxe uma importante limitação ao poder discricionário de nomear servidores para ocupar cargos em comissão, dispondo que:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.
A vedação estabelecida pela súmula acima transcrita tem como objetivo reforçar a ideia de que, em razão dos princípios da impessoalidade e moralidade, é proibido utilizar-se de critérios pessoais para nomeação de servidores.
Vale ressaltar que, conforme explicitado na redação da súmula vinculante n. 13, o parentesco não se refere somente à autoridade nomeante, mas, também, aos agentes públicos que desempenhem função de direção, chefia ou assessoramento.
IV. Conclusão
Embora a regra de acesso a cargos públicos seja, conforme dispõe a
Constituição Federal, através de concursos públicos de provas ou provas e títulos, admite-se a nomeação de servidores sem prévio teste seletivo para o exercício de cargos em comissão, destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
Para que haja um controle no ato discricionário de tais nomeações, tendo em vista a inexistência de legislação específica regulamentando a matéria, a doutrina e a jurisprudência, visando à boa administração, utilizam os princípios norteadores da Administração Pública como meios para evitar a arbitrariedade.
Nota-se, por exemplo, que, pelo princípio da impessoalidade, não é permitido que sejam nomeados servidores por interesses pessoais, pelo da moralidade e da eficiência, considera-se a capacidade técnica do servidor a ser nomeado em exercer as funções de chefia, direção e assessoramento qualificado, pelo da legalidade, respeita-se um percentual mínimo de cargos comissionados destinado a servidores de carreira e proíbe-se a contratação de parentes de até o terceiro grau.
Na medida em que tais princípios são observados, percebe-se que, apesar de os cargos em comissão serem considerados de livre nomeação e livre exoneração, a autoridade não possui uma liberdade tão ampla no ato de nomear, estando sujeito a normas gerais.
[i] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
[ii] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
[iii] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
[iv] ADI 3706/MS, Pleno, julgada em 15.08.2007
[v] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16 ed. São Paulo: Método, 2008.
[vi] STF - RE. 693714 SP, Relator: Min LUIZ FUX, Data de Julgamento: 11/09/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 34-09-2012 PUBLIC 25-09-2012
[vii] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002.