Arcabouço tem avaliação superpositiva, diz Campos Neto
Eduardo Cucolo
Folha
O novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo Lula para substituir o teto de gastos elimina o risco de que a dívida pública possa seguir uma trajetória mais explosiva, segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. As regras apresentadas não garantem, no entanto, uma queda imediata da taxa básica de juros, a Selic, que está atualmente em 13,75% ao ano.
“Não existe relação mecânica entre o fiscal e taxa de juros na forma como é colocada. O importante para a gente é atuar dentro do sistema de metas. Nós temos uma meta de inflação e olhamos as expectativas. O mais importante é como as medidas que estão sendo anunciadas afetam o canal das expectativas”, disse Campos Neto nesta quarta-feira (5) durante evento do Bradesco BBI.
GRANDE ESFORÇO – “É importante reconhecer o grande esforço que o ministro [Fernando] Haddad e o governo têm feito. O que foi anunciado até agora elimina o risco de cauda, para aqueles que achavam que a dívida poderia ter uma trajetória mais explosiva”, afirmou.
O presidente do BC disse que há uma certa ansiedade dos agentes econômicos em relação à necessidade de aumento de receitas para garantir resultados positivos nas contas públicas e reduzir a dívida, e que é necessário observar como vai tramitar no Congresso.
Ele também vê uma ansiedade em relação à despesa obrigatória, mas disse considerar injusto que se cobre do governo cortes relevantes nesses gastos — que incluem Previdência, funcionalismo e seguro-desemprego, por exemplo.
AVALIAÇÃO SUPERPOSITIVA – Campos Neto disse que a avaliação sobre o arcabouço é “superpositiva”. “É importante dizer que, para aqueles que tinham esse risco precificado, de que poderia ter uma trajetória de dívida mais descoordenada, acho que isso foi eliminado.”
Ele afirmou também que não vê um cenário de crise de crédito, mas uma desaceleração desse mercado em linha com uma taxa de juros mais alta, como ocorre em outros países neste momento. Disse ainda que números recentes mostram uma atividade econômica um pouco melhor do que nos meses anteriores e que o cenário hoje é de desaceleração da economia, mas não uma “desaceleração dramática”.
Campos Neto também rebateu afirmações que ele considera equivocadas, como a de que a inflação hoje está relacionada a problemas de oferta e não de demanda e que as manifestações do Copom (Comitê de Política Monetária) após a decisão mais recente de não mexer nos juros foi política e não técnica. ” Não tem nada na decisão que é política. É sempre técnico.”
CRÍTICAS DO GOVERNO – Mais tarde, em evento organizado pelo grupo Esfera Brasil, Campos Neto afirmou que o BC está buscando reduzir a inflação da maneira mais suave possível e de forma a causar o menor dano para a economia. Segundo ele, se a instituição não tivesse elevado a taxa em 2022, no ano eleitoral, a inflação acumulada estaria acima de 12%, como em alguns países vizinhos, e não nos atuais 5,6%. Nesse cenário, afirmou, seria necessário jogar o país em uma recessão para controlar os preços.
“Nenhum banco central quer ter juros altos. A gente quer cair os juros. É óbvio que a gente quer trabalhar com juros baixos, mas a gente tem de olhar o que é sustentável para a frente”, afirmou.
“O custo de combater a inflação é muito alto e é sentido muito a curto prazo. O custo de não combater a inflação é muito mais alto e é muito mais nocivo e perene”, disse. “A gente tenta suavizar o máximo possível, fazer isso da forma que cause o mínimo de dano possível na economia.”
CRÍTICAS RUIDOSAS – No mesmo evento, ele afirmou que críticas de membros do governo tanto em relação à atuação do BC como em relação aos planos do Ministério da Fazenda criam ruídos que impedem a melhora das expectativas dos agentes econômicos em relação ao país.
“O ruído atrapalha tanto o canal de expectativa de política monetária como de política fiscal. Se eu falo que vou fazer um plano de política fiscal e pessoas do governo começam a criticar o plano, o que acontece é que esse canal de expectativas fica interrompido. Eu não consigo trazer aquele benefício da minha promessa a valor presente na mesma magnitude que eu gostaria.”
Questionado no evento sobre possíveis mudanças no regime de metas de inflação, tema que foi debatido entre ele e o ministro da Fazenda nesta semana, Campos Neto reafirmou avaliar que uma meta de inflação mais alta não garante juros mais baixos. Isso porque a elevação do objetivo pode passar uma mensagem de maior leniência com a inflação.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A economia está se recuperando, a indústria automobilística vive novo sucesso de vendas e está desovando os estoques. Tudo indica que o BC possa começar a reduzir os juros na próxima reunião do Copom, sem chiliques nem faniquitos do Planalto. E vida que segue, diria João Saldanha. (C.N.)