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sábado, outubro 08, 2022

Os liberais não passaram ilesos




Sem um líder claro ou capacidade de articulação para além das vias estreitas que sobraram, o campo liberal-democrático viu seus partidos se enfraquecerem, se esfacelarem em lutas internas, e inviabilizarem a eleição de alguns dos seus melhores nomes.

Por Magno Karl* (foto)

A história das eleições brasileiras de 2022 foi a história do bolsonarismo contra o lulismo. Em um cenário que contava com outros nove candidatos à presidência, Luis Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro obtiveram somados mais de 91% dos votos. Suas candidaturas sufocaram os campos políticos adjacentes e transformaram parceiros fiéis em campeões de popularidade. O cenário foi ainda pior para quem disputava uma vaga nas Assembleias Legislativas ou na Câmara dos Deputados, de onde os não alinhados à polarização ficaram próximos de desaparecer.

Os liberais não passaram ilesos ao fenômeno, e terão quatro anos dificílimos para a reconstrução de sua representação parlamentar. Neste ano, o exíguo tempo para campanha e divulgação dos números dos candidatos já dificultavam o trabalho baseado em um bom cartel de realizações ou projeto de mandato. Sobravam assim ao candidato, sua capacidade individual de mobilização como político-personagem —que tem ligação direta com o eleitor por sua personalidade ou dedicação a uma pauta específica— ou a associação a um líder político que o chancelasse. Nesta década, começar do zero ficou mais fácil, mas receber a atenção do eleitor ficou bem mais difícil.

A forma como a informação chega ao eleitor também mudou nos últimos anos. Perderam influência as vias institucionalizadas, a informação que vem de cima para baixo, dos jornais e revistas, dos especialistas e dos grandes oradores. Hoje a informação vem de todos os cantos, por todos os lados. Todos a produzem, todos a disseminam, todos a confirmam ou contestam. A aproximação com o consumidor que transformou profissionais em estrelas também trouxe a contestação generalizada às suas atividades, dos jornalistas aos cientistas.

Nesse contexto de descrença sobre o establishment e suas ações, além da desconfiança sobre seus interesses, a definição das prioridades programáticas ou da agenda para o período eleitoral deixa de ser feita pelas elites intelectuais, financeiras ou partidárias, e passa a acontecer de forma mais fluída, dispersa e responsiva às demandas de grupos específicos da população. Em seu livro The Revolt of the Public, lançado em 2014, Martin Gurri descreve que vivemos há pouco mais de uma década em um processo de ataque aos “guardiões de autoridade”, de fontes estabelecidas e legítimas de informação e poder. O público que até então era apenas espectador dos ditames de uma elite passa a ser ator. A comunicação digital na mão do público permite a existência de um ambiente de conflito permanente, de confronto de pontos de vista. Como Gurri menciona, a esfera pública se tornou uma batalha campal.

Contaminado pelo clima, o eleitor tinha uma única pergunta em 2022: você é Lula ou Bolsonaro? Para ganhar o voto, era necessário não apenas ter uma resposta para a pergunta, mas estar engajado na disputa que ela anuncia. Se o embate entre os dois candidatos era uma questão central para o futuro do Brasil, o eleitor queria indicar soldados para o seu lado. Neste caso, infelizmente para os liberais, boas respostas sobre caminhos alternativos à dualidade apresentada não satisfaziam aqueles que buscavam aliados na guerra contra o outro lado.

As mudanças descritas por Gurri, crescentemente perceptíveis no Brasil dos últimos anos, nos apresentou um novo tipo de campanha política. Nele, os grupos ligados a figuras carismáticas, como os lulistas e os bolsonaristas, levam vantagem sobre os grupos que veem a ação política sob a ótica da racionalidade argumentativa, dos gráficos e das políticas públicas baseadas em evidências.

A autoridade do jornalista que seleciona um deputado de ideias, que se aprofunda nos temas, e até municia seus pares com argumentos foi substituída pelos algoritmos de um vídeo viral, gravado por outro parlamentar que se comunica diretamente com um público mais ligado e interessado em seus temas e seu nome do que um espectador distraído do Jornal Nacional jamais será. Não se sabe por quanto tempo esta tendência permanecerá, mas, enquanto os liberais trabalhavam pela sua presença na política e em instituições relevantes da sociedade democrática, o mundo mudava sob nossos pés.

A dificuldade de construção de uma narrativa sólida de oposição ao bolsonarismo e ao lulismo também dificultou a vida de quem buscava votos entre os dois campos dominantes na política nacional. Lula e Bolsonaro jamais deixaram de fazer campanha eleitoral. Por outro lado, uma coalizão de partidos formada a poucos meses das eleições e minada internamente por disputas entre caciques não é campo fértil para a construção de um programa estruturado, base para o florescimento de uma alternativa à polarização.

Sem um líder claro ou capacidade de articulação para além das vias estreitas que sobraram, o campo liberal-democrático viu seus partidos se enfraquecerem, se esfacelarem em lutas internas, e inviabilizarem a eleição de alguns dos seus melhores nomes. Em Pernambuco, Daniel Coelho obteve mais de 110 mil votos, foi o 11° mais votado no estado, mas não foi eleito pois a federação PSDB e Cidadania não atingiu o quociente eleitoral. O mesmo se repetiu no Espirito Santo, onde Felipe Rigoni, o 6° mais votado no estado, perdeu sua vaga pela fragilidade da chapa do União Brasil. Em Minas Gerais, onde o Novo reelegeu o governador Romeu Zema, o partido não elegeu um único deputado federal.

Há pouco mais de uma década, a presença de autodeclarados liberais nas câmaras de vereadores, assembleias legislativas e na Câmara dos Deputados pareceria um sonho distante. O progresso recente se deve à coragem de pioneiros que colocaram trabalho e recursos à disposição da melhoria do país, e eles nos fizeram muito bem.

Mas a beleza e a tristeza da política é que a vontade do eleitor é soberana, imprevisível e, às vezes, independe do que a atuação de cada um agrega à sociedade. As inestimáveis perdas sofridas pelos liberais nas eleições de 2022 não serão compensadas por reflexões no debate público. Dezenas de vozes estarão fora de uma legislatura importante, vitimados pela disputa entre dois gigantes populares e pela decisão dos eleitores que buscavam respostas simples num quadro de polarização complexo.

Nós temos hoje uma geração valorosa disposta a trabalhar para vencer pela construção de alternativas às forças destrutivas que dominam o cenário político nacional. Circunstâncias e conjunturas mudam. O pêndulo da política vai e vem. É necessária a construção de um campo sólido, que reúna lideranças em torno de um programa básico. Responsabilidade fiscal, social e ambiental, com reforma do Estado, enxugamento da máquina e avaliação de políticas públicas. Soluções de mercado para a geração de oportunidades com foco em quem mais precisa. Simplicidade para quem gera emprego. Abertura para a inovação, ciência e tecnologia, integrando o Brasil ao mundo. Respeito aos direitos humanos e valorização da diversidade. Uma agenda moderada e gradualista, que substitua a gritaria pelo diálogo, mas que mantenha uma identidade clara.

Em torno dessa agenda comum, é preciso atenção à capacidade de manter lideranças mobilizadas, evitando a dispersão e as pequenas disputas. Quem sabe, agregadas em menos partidos e mais ligadas aos novos meios de construção de reputação e autoridade política. É um sonho distante, mas possível. Depois de uma derrota sofrida, do terreno arrasado, o que nos sobra é juntar os cacos e reconstruir o que perdemos. Temos a oportunidade de construir um campo novo sobre aquele que foi devastado. E o trabalho precisa começar agora.

*Magno Karl é cientista político e diretor-executivo do Livres

Revista Crusoé

Petróleo em guerra - Editorial

 




Opep reduz produção; Ocidente teme recessão e vê a medida como apoio a Putin

O cartel de países produtores de petróleo —Opep+, que inclui a Rússia— anunciou redução das cotas de produção em 2 milhões de barris por dia. A providência logo elevou as cotações do barril do tipo Brent em mais de 5%, para US$ 94.

Não é certo que o efeito seja duradouro, já que os países na prática vinham produzindo bem menos do que a cota anterior, de modo que a medida agora tem impacto menor do que o volume anunciado.

De toda forma, importa a sinalização. O corte foi justificado como um incentivo para investimentos e produção a longo prazo.

Não sensíveis a tal argumento, países do Ocidente, em particular os EUA, veem na decisão um alinhamento do cartel com a Rússia. Preços mais altos beneficiam os cofres de Vladimir Putin, que assim pode manter sua máquina de guerra em funcionamento na Ucrânia.

Além disso, as economias americana e europeia estão fragilizadas pelo choque inflacionário e o aumento acelerado dos juros nos últimos meses. Custos de energia maiores só exacerbam a possibilidade de recessão num contexto internacional já difícil.

É plausível, entretanto, que a decisão do cartel não seja propriamente um aceno a Putin, e sim uma resposta à ameaça ocidental de fixar um teto para os preços das importações do petróleo russo.

O mecanismo ainda não está definido, mas é provável que eventuais limites de preços obriguem a Rússia a vender com desconto em outros mercados, afetando a receita dos demais produtores. Um cartel de compradores seria uma novidade perigosa para a Opep+, e o anúncio do corte de produção pode ter o objetivo de alertar o Ocidente.

A Arábia Saudita, maior produtor mundial e na prática líder da organização, não gostaria de permitir tal precedente, que um dia pode se voltar contra ela —por razões geopolíticas, humanitárias, ou porque o Congresso dos EUA decidiu que o petróleo está caro demais.

A decisão também enfraquece ainda mais a aliança estratégica com os americanos, que já não são os principais clientes —perderam o posto para a China. As consequências de longo prazo dessa mudança ainda são desconhecidas.

Seja como for, preços mais altos exacerbam a inflação e diminuem o poder de compra dos consumidores. No Brasil, o aumento das cotações dificulta novas reduções dos preços de combustíveis, um tema de forte apelo eleitoral para o governo Jair Bolsonaro (PL).

Folha de São Paulo

Poder no Congresso se desloca para a direita - Editorial




Quando o presidente caiu no colo do Centrão, as reformas estancaram de vez

A combinação da proibição de coligações partidárias em eleições proporcionais, que estreou neste ano, com a cláusula de desempenho, começou a produzir fortes efeitos na configuração partidária do Congresso. Da barafunda de 32 siglas, seis perderão fundo eleitoral, fazendo companhia a 8 legendas que já não tinham atingido o mínimo exigido em 2018. Refletindo uma tendência iniciada no pleito de 2014, os partidos fisiológicos, mais conservadores, obtiveram uma fatia maior de vagas na Câmara e no Senado, em detrimento da esquerda, representada pelo PT (em federação com PCdoB e Rede).

Houve concentração partidária no Congresso, potencializada pelo enorme fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, que deu vasto poder às cúpulas e elevou a barreira financeira para partidos menores e legendas de aluguel que, ao mesmo tempo, perderam a chance de colar em candidatos bons de voto para eleger representantes. Como o financiamento de campanha é exclusivamente público, com a perda de recursos do fundo partidário e tempo de propaganda na TV, essas legendas morrerão.

A grande fragmentação partidária, com 32 legendas, e novas a caminho, foi beneficiada pela permissão de coligações e pela ausência de desempenho mínimo. Com regras retrógradas, os partidos são quase uma repartição do Estado, da qual proveem os recursos para sobrevivência. São raros os que têm fatia significativa de sustentação advinda da contribuição de apoiadores. A mudança ocorrida é boa e vai na direção correta. A maior parte das legendas reprovadas no teste nas urnas não fará falta, nem deixará saudades nos eleitores.

A representação partidária, por outro lado, adensou-se. A esquerda passa a gravitar com mais força do que antes em torno do PT, que já havia arrastado para sua federação o PCdoB, e a Rede, ambos ameaçados de extinção. PDT e PSB saíram menores do que entraram nas eleições deste ano - os socialistas perderam 10 cadeiras na Câmara. O PT subiu de 56 deputados para 68, a segunda maior legenda da Casa. O Psol cresceu para 12 deputados, peso insuficiente para rivalizar com o do partido de Lula.

Os partidos de centro encolheram. A queda mais notável, em decadência que pode se revelar irreversível, é a do PSDB, nascido de uma dissidência social-democrata do então PMDB e que governou a República por oito anos. Aos economistas ligados ao partido se deve o fim da elevada inflação brasileira, a continuidade do processo de privatizações e da modernização do Estado. Após a conquista da Presidência pelo PT, os tucanos passaram a flertar com posições conservadoras até tentarem impugnar a eleição de Dilma Rousseff.

João Doria pegou carona na onda bolsonarista para se eleger, suplantando a velha guarda do partido e imprimindo um rumo conservador aos tucanos. Coube a Rodrigo Garcia, egresso do DEM, declarar apoio incondicional a Bolsonaro e ao PSDB liberar seus filiados para votarem em quem quiserem. Os tucanos perderam o comando do Estado mais rico do país, após 28 anos de governo.

Os partidos que apoiam Bolsonaro, com orientação de direita, aumentaram sua fatia de poder no Congresso. O PL tornou-se a maior bancada da Câmara, com 99 deputados e também do Senado (13 senadores). O núcleo que apoia o presidente (PL, PP e Republicanos) conquistou 187 cadeiras. O União Brasil, que negocia com o PP uma federação, obteve mais 59. Se a eles se somarem MDB e PSD de Kassab, que têm tido comportamento governista, a conta chega a 330 deputados, perto de dois terços da Casa.

A desafinada orquestra do Centrão, que começou a ser organizada por Eduardo Cunha, foi posta sob ordem unida pelo PP e PL, que entraram no vácuo da fragilidade política de Bolsonaro para ampará-lo contra um impeachment e prosperarem à sombra do governo. Como grande parte desses partidos se move mais por vantagens e poder, é difícil prever como se comportarão diante de um eventual governo Lula. Lula já abraçava esses partidos nas coalizões de seus dois mandatos. Eles costumam se dobrar à força eleitoral do presidente eleito, pelo menos por um tempo, e à sua vontade política de aprovar projetos no Congresso.

Bolsonaro terceirizou a coordenação política e lixou-se para o jogo parlamentar ou para as reformas, pelas quais não têm apetência. Mas atribuir à força redobrada dessa bancada fisiológica chances maiores de realização de reformas é ignorar o passado recente, onde a mesma ilusão prosperou. Quando o presidente caiu no colo do Centrão, as reformas estancaram de vez.

Valor Econômico

Cartas entre Jean Wyllys e Marcia Tiburi mostram como a ideologia traz infelicidade




Seja como for, Marcia Tiburi faz anos e anos de análise. Invariavelmente a culpa é do capitalismo. Não é difícil ler a correspondência entre Marcia Tiburi e Jean Wyllys e concluir que ela é infeliz. 

Por Bruna Frascolla (foto)

Giovanna Ewbank, a mulher de Bruno Gagliasso, declarou que é demissexual, ou seja, precisa de envolvimento emocional para querer transar. Isso faria dela uma assexual, e, portanto, um membro da sopa de letras (LGBTQIA+) por meio da letra A. Na verdade, isso revela apenas que Giovanna Ewbank é uma mulher perfeitamente normal que perdeu o senso do que é normalidade. Mulheres normais precisam de envolvimento emocional para quererem transar. No entanto, o que a moral de maio de 68 ensina é que todo o mundo só não sai transando que nem cachorro no cio o tempo inteiro por recalque e opressão. Liberta, a mulher é uma cadela em cio eterno. Se você, mulher, se desconstruiu e se libertou, mas ainda assim não sente vontade de dar para todo o mundo, isso só pode significar que você tem alguma identidade desviante. É uma assexual, afinal de contas.

Pois bem. A mais nova assexual do pedaço, como descobri lendo O que não se pode dizer, é Marcia Tiburi. Ela precisou “de alguns anos de análise para entender que não teria que viver com ninguém e que o desejo sexual não precisa ser obrigatório, embora a ordem simbólica e imaginária nos convide a isso. […] Adorno falava de ‘amor não regulamentado’, e eu gosto dessa ideia. Mas já não tenho tempo para isso. Entre ler um livro e fazer sexo com alguém, prefiro ler um livro” (p. 249). O senso comum diria que os homens são mais ou menos como os livros, a vontade de ler um livro varia conforme o livro, e a vontade de fazer sexo varia conforme o homem. Entre fazer sexo casual com um desconhecido e ler um bom livro, as mulheres normais preferem mil vezes ler um bom livro.

Dá para ser feliz assim?

Marcia Tiburi não admitirá jamais que é apenas uma mulher normal no que concerne à própria sexualidade. Tal como Giovanna Ewbank (e, antes dela, Bruna Marquezine por um período), a filósofa descobriu uma nova identidade: “A propósito, descobri que na escala LBTQIA+, sou ‘A’ de assexual, e isso quer dizer que provavelmente vou começar uma transição para fora do gênero. Para fora do sexo como prática, eu já estou avançada (gargalhadas). Eu deslizei para fora do dispositivo sexual sem muito esforço. Sobre gênero, eu realmente espero me livrar de todos os signos do gênero standard. Na nossa geração, nada disso era fácil. Continua não sendo. Contudo, vivemos um momento de descobertas e liberdade de autoinvenção que não vai parar” (p. 243).

Na geração dela, de fato, era mais difícil. Hoje qualquer garota progressista que ache que não é uma boa se portar como uma cadela no cio pode concluir que é uma demissexual, portanto uma LGBTQIA+, e assim até esperar o casamento para fazer sexo. Como Marcia Tiburi nasceu em 1970, ela foi uma adolescente que acreditou ser obrigação da mulher perder a virgindade. Assim, como contou em entrevista à IstoÉ Gente, aos 18 anos ela “já era feminista e tive uma história com um garoto, que durou uma noite e nem me lembro o nome dele. Um dia, resolvi transar com ele com o único objetivo de não ser mais virgem, sem nenhum romantismo”. É uma situação complicada em que a mulher, escrava de uma ideia, se submete a uma situação degradante e não é capaz de dar um consentimento real. O homem tem diante de si uma autodeclarada empoderada, liberta, e não faz a menor ideia de que a mulher está transando por obrigação. Depois ela se sente abusada. De quem é a culpa?

Culpa do capitalismo

Não é difícil ler a correspondência entre Marcia Tiburi e Jean Wyllys e concluir que ela é infeliz. Volta e meia fala “se eu ficar velha”, da falta de vontade de viver etc. Também se vê que o meio deles é cheio de gente deprimida e drogada. Ela fica surpresa por perguntarem a ela qual maconha ela fuma, pois, diz ela, “mal sabem que eu não fumo, mas adoro álcool, embora não tenha resistência física para muita coisa” (p. 216). (Noutra ocasião, analisamos uma matéria da Folha que mostrava com bastante clareza que a beautiful people procura nas drogas tratamento psiquiátrico.) Durante a pandemia, ela e Jean Wyllys ficam alarmados com a quantidade de amigos e conhecidos que se suicidaram. Não sei o leitor, mas no meu círculo ninguém se matou. O alarme com os suicídios só me chegou através de um amigo formado em psicologia que conversa com um amigo que clinica e estava perdendo pacientes. Se fizéssemos uma pesquisa sobre pacientes de psicólogos, será que descobriríamos a predominância de uma orientação política? Quem vai mais a psicólogo, conservador ou progressista? Ou dá no mesmo?

Seja como for, Marcia Tiburi faz anos e anos de análise. Invariavelmente a culpa é do capitalismo. Um tempo atrás, repercutiu bastante uma entrevista ao Zero Hora em que declarava que não ouvia mais música depois de analisar o sistema capitalista de opressões de classes que agia por detrás do gosto musical. No livro, descobrimos que Marcia adora estética, que sempre gostou muito de arte (música inclusa) e que ficou arrasada quando a filha foi perdendo a audição. Em decorrência disso, parou de ouvir música – mas mantém a ilusão de que sua “desconstrução” da música não é apenas uma racionalização para se convencer de que a filha não estava perdendo nada de valor ao ficar surda.

Já para o fim do livro, em uma de suas cartas com jeitão meio de suicida, diz: “Eu perdi a poesia da vida, que é o que realmente me emociona. Não gosto do culto capitalista das emoções” (p. 251). Em toda a sua vida, Marcia aprendeu muito bem a fazer uma coisa: pegar todas as suas angústias, dar um jeito de transformá-la em problemas impessoais e culpar o capitalismo. O capitalismo faz a filha dela perder uma coisa valiosa – a música –, e não a fortuna. Antes que se fale de dinheiro, friso que tenho em mente a fortuna que tem como antônimo o infortúnio, cantada pelos medievais assim: “O Fortuna/ velut luna/ statu variabilis/ semper crescis/ aut decrescis”; “Ó, Fortuna! Como a lua, de estado variável, sempre cresces ou decresces”. E essa música só ganhou uma melodia dramática com Carl Orff (1895 – 1982); as versões reconstruídas com base na precária notação medieval são bem mais serenas.

Uma exceção

Outro assunto muito discutido com o seu psicanalista é sua origem italiana, que faria dela uma espécie de judia errante por não ter raízes bastantes no Brasil e agora. Ela é do nordeste do Rio Grande do Sul e Vacaria (sua cidade natal) fica na divisa com Santa Catarina. É uma área cheia daquelas populações rurais de origem europeia conhecidas no Sul como “colonos”. Até onde eu pude mapear, a designação “colono” é bem comum no Sul, ficando de fora só o sul do Rio Grande do Sul, que não passou por esse processo de colonização, e o termo “colono” designa o invasor do MST. No geral, porém, pode-se afirmar que “colono” é um termo bastante conhecido entre os sulistas dos três estados, e que por muito tempo teve conotação pejorativa nos centros urbanos. Na cidade grande, o colono era alvo de discriminação; era tido por um pobretão da roça. Na primeira cartilha politicamente correta do PT, “colono” aparecia como um termo a ser abolido como forma de racismo contra brancos – que eles não negavam à época. No entanto, hoje há muitos colonos bem sucedidos que se orgulham de suas origens rurais, e o preconceito contra o colono caiu.

Marcia Tiburi em momento algum usa a palava colono; no entanto, usa o léxico bastante peculiar dos colonos e diz que a mãe dela é “brasileira”, querendo com isso dizer que não é colona. O pai é “italiano”, ou seja, não um homem nascido na Itália, mas sim um colono italiano, por oposição ao colono alemão, polonês ou russo.

Num excepcional momento de autocrítica, ela menciona que odeia o Natal talvez por sua família ser muito pobre e os pais nunca terem tido dinheiro para comprar presentes para ela. Mas ela continua achando o Natal mau mesmo assim, porque o Natal é capitalista. Como boa colona batalhadora, porém, Marcia preza pelos estudos e vai jovem para a cidade grande estudar. Quem nasceu em 70 em Vacaria ainda deve ter pego muito preconceito contra colono.

Assim, se há uma única coisa em que ela não conseguiu usar o capitalismo para abafar, é a insatisfação com a condição de colona. Ser judeu é muito mais chique, então ela inventa que os antepassados dela vieram numa espécie de exílio para o Brasil – quando na verdade eles eram miseráveis que vieram aqui fazer a vida no próprio pedaço de chão, e conseguiram. O descendente do imigrante que chegou pobre costuma valorizar as próprias conquistas, em vez de se vitimizar.

Aflição com a direita

Marcia Tiburi quer ser chique e de elite. Ela é uma “judia errante” em Paris, não uma colona que subiu na vida graças ao trabalho e estudos. Ela fazia sexo só porque noblesse oblige (ao menos desde 68), não por motivos que pudessem ser tachados de burgueses. Nisso tudo, há um senso de autoimportância muito errado. Não há nada de errado em ser uma self made woman, e não existe norma sensata que obrigue uma mulher livre a fazer sexo a despeito da própria vontade. Ela poderia facilmente ser uma pessoa feliz caso não fosse guiada por ideias tão erradas.

A sua auto-obsessão agora se dirige para a “perseguição” que sofre no Brasil. Ela crê que seria a próxima Marielle caso permanecesse no Brasil, e fala do MBL de um jeito que causa dúvidas quanto à sua sanidade. No frigir dos ovos, ela acha que pode morrer por causa do MBL; e creio que só não tenha escrito com todas as letras que ela teme que Kim Kataguiri a assassine por medo de processo. E se o próprio Kim não a assassinar, as fake news geradas pelo MBL poderiam levar ao seu assassinato. Por isso mesmo pedira a Jean Wyllys um advogado para processar todo o mundo que use a sua imagem, mas infelizmente o advogado era um agente do heteropatriarcapitalismo (ou algo assim) e disse que ela perderia o processo por ser uma pessoa pública. Até o ex-companheiro dela, juiz, participou desse conluio e desaconselhou a processar. Os advogados também a desaconselharam quando ela quis se filiar a um partido de extrema-direita. Ela faria isso só para dar tela azul na direita.

Jean Wyllys faz as vezes de voz da sensatez no livro. Uma hora ela diz que queria poder dizer que sente banzo, mas é errado, porque banzo é uma palavra africana dos escravizados. Jean diz que pode e manda ela parar de policiar a língua. Outra hora ela diz que tem que passar a usar “amigues” com mais frequência, Jean repete que não quer ser policiado. Num momento cômico, ela fica perplexa porque o Kindle sugeriu a ela que lesse um livro de Stefan Zweig, depois de eles conversarem muito sobre Stefan Zweig por e-mail. Ela atribuiu isso à ação sobrenatural de Exu; Jean explicou que são os algoritmos. Ambos falam mal de quem usa a expressão “identitarismo” e garantem que tudo não passa de vitimismo de homens brancos cis hétero. Tirando a pandemia, a única polêmica do noticiário brasileiro que ocupou os dois foi o artigo de Risério na Folha sobre o racismo de negros contra brancos. Jean sugere que Marcia use o espaço para explicar o que ela quis dizer com "lógica do assalto", uma fala que teriam deturpado e usado contra ela. Marcia não toca mais no assunto.

Ao cabo, faço votos de que Marcia Tiburi volte para Vacaria e tome conta da mãe, que está doente e sem uma perna. Vacaria tem 66 mil habitantes, ninguém terá esperanças de fazer mal a ela e permanecer em anonimato. Além disso, lá ela terá o respeito de filha da Dona Fulana, irmã do Seu Sicrano etc. Será uma pessoa de carne e osso e com família em primeiro lugar, em vez de um meme da internet, eternamente exposta a tomates virtuais. Aposto que terá mais paz no Brasil no interior e fora da internet do que em Paris, no meio dos drogados da beautiful people e sob os holofotes das redes sociais.

Gazeta do Povo (PR)

Um Brasil mais polarizado num Mundo mais dividido




Num Mundo cada vez mais conflituoso, quer Lula, quer Bolsonaro parecem apostados em manter o máximo de autonomia. Mas uma postura de autonomia equidistante será difícil de manter por qualquer país.

Por Bruno Cardoso Reis (foto)

Depois das eleições brasileiras de 2 Outubro continuamos sem sabemos quem será o próximo Presidente do Brasil, Lula da Silva ou Jair Bolsonaro. Lula teve mais 6 milhões de votos, mas o bloco da direita que apoia Bolsonaro saiu vitorioso nas eleições para o Congresso, e viu eleitos governadores em estados eleitoralmente importantes. Claramente há muita gente no Brasil que não se revê na velha direita civilizada do PSDB e apoia alternativas mais radicais. Se se mantiver o padrão da história eleitoral do Brasil pós-1988, nunca um candidato presidencial conseguiu inverter na 2ª volta uma desvantagem da 1ª volta. Mas como os erros nas sondagens mostraram, vivemos tempos difíceis de prever. Não restam dúvidas de que o Brasil está mais dividido e mais imprevisível.

Não há eleição como esta

Para muitos apoiantes de Bolsonaro e de Lula esta não é uma eleição como as outras, joga-se o futuro do país. Mais do que escolher um candidato com um bom programa, muitos líderes partidários e eleitores parecem acreditar que se trata de evitar um ditador fascista ou um comunista corrupto. Estamos longe do clima da eleição presidencial de 2002, quando um presidente reformista de centro-direita, Fernando Henrique Cardoso, muito facilitou a passagem de testemunho ao líder histórico do Partido dos Trabalhadores, Lula da Silva, que tinha feito uma viragem ao centro. A polarização extremada faz temer que até a alternância pacífica no governo esteja em risco, com um crescendo de incidentes de violência política e especulação sobre um autogolpe no modelo de Getúlio Vargas em 1937. Quais são as implicações de tudo isto para as relações do Brasil com o resto do Mundo?

O Brasil importa muito

O Brasil está mais ou menos empatado com a Indonésia como terceira maior democracia em número de cidadãos, ultrapassada apenas pela Índia e pelos EUA. E é justo reconhecer que as eleições democráticas brasileiras têm, até ver, decorrido bastante melhor do que em qualquer um desses casos. Mas o futuro da democracia pluralista no Brasil é, também por isto, fundamental para o futuro da liberdade no Mundo. A Freedom House intitula o seu relatório de 2022 de Expansão Global dos Regimes Autoritários. E fá-lo porque a percentagem da população livre, em queda desde 2005, desceu para praticamente metade nos últimos dois anos, ficando-se, em 2021, por 20% do total, com os restantes a serem apenas parcialmente livres – entre os quais indianos e indonésios – ou sujeitos a regimes autoritários. Uma regressão da democracia num país tão populoso como Brasil resultaria numa aceleração desta tendência.

Em Portugal há natural interesse pelo Brasil como resultado de laços históricos e humanos – cerca de 20 milhões de brasileiros reclamam raízes portuguesas e vivem em Portugal mais de 150.000 brasileiros. Mas a evolução do maior país sul-americano é relevante a nível global e regional. O Brasil é o quinto maior país do mundo em área e o sexto em população, controlando quase metade da América Sul, onde faz fronteira com todos os países, exceto dois. As Forças Armadas brasileiras contam com 360.000 efetivos e em breve poderão vir a ser dotadas de submarinos com propulsão nuclear. O Brasil é membro do G20, que agrupa as maiores economias mundiais, e dos BRICS, um clube de potências emergentes. Por isso o desfecho das eleições brasileiras no final deste mês de Outubro será acompanhada com alguma atenção por líderes de todo o Mundo.

Em termos geoestratégicos a América do Sul perdeu importância relativa depois da abertura do Canal do Suez, em 1869, e do Canal do Panamá, em 1914, que significaram que muita da navegação comercial e militar que se dirige do Oceano Atlântico até ao Índico e ao Pacífico deixou de ter de atravessar o Atlântico Sul. Mas não há regiões ou países irrelevantes no contexto de uma segunda Guerra Fria global, menos ainda países com a dimensão do Brasil. Mais, a crescente procura de alimentos, combustíveis, ou metais raros significam que um país como o Brasil, com abundância desses recursos, ganha importância acrescida.

O que mudará com as eleições

Há razões estruturais para a relevância do Brasil, mas isso não significa que o grau de legitimidade e fiabilidade do Presidente sejam irrelevantes no peso externo do país. Bolsonaro apostou numa política externa muito ideológica que dificultou as relações com os EUA pós-Trump, com a Europa para além de Órban, e, numa fase inicial, com a China comunista. Entretanto, sobretudo depois de 2021, com a nomeação para chefiar o Itamaraty de um diplomata mais convencional, Bolsonaro parece ter dado prioridade aos BRICS, reforçando as ligações com regimes autoritários como a Rússia, que visitou pouco antes da invasão da Ucrânia.

Apesar de toda esta polarização eleitoral, do ponto de vista da evolução da política externa brasileira não é garantido que uma futura vitória de Lula leve a uma mudança radical. Entre 2003-2010 ele ficou conhecido por ter uma política externa ativista, favorável a organizações regionais e a instituições multilaterais. Para a posição do Brasil no Mundo a eleição de Lula provavelmente será melhor. O líder do Partido dos Trabalhadores parece ter, a nível externo, menos anticorpos do que Bolsonaro. Este último paga o preço de levar a ideia de que toda a política é interna ao ponto de tentar transformar a diplomacia numa continuação de guerras ideológicas internas. Mas a situação interna e externa do Brasil não permitirá o regresso a 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez. Um Lula novamente presidente terá de enfrentar uma crise económica séria, uma região menos integrada e um multilateralismo em crise. Num Mundo cada vez mais conflituoso, quer Lula, quer Bolsonaro parecem apostados em manter o máximo de autonomia face aos blocos que se vão esboçando, maximizando negócios e concessões. Mas isso não será fácil, em particular em áreas vitais como a defesa ou a tecnologia de ponta, uma postura de autonomia equidistante será difícil de manter por qualquer país.

Em termos de relações com os EUA e a Europa, Lula poderá conquistar alguma boa vontade por via de uma postura de maior defesa da Amazônia. Mas a recusa em condenar a invasão da Ucrânia ou ter uma postura crítica de Moscovo ou Pequim dificultarão as coisas. Também não é evidente que o PT esteja empenhado na ratificação do acordo comercial entre a UE/Mercosul, um teste importante para uma evolução positiva da relação do Brasil com a Europa – que também conta com alguns opositores interesseiros do lado de cá, nomeadamente em França, que não deixarão de explorar dificuldades no relacionamento com Brasília. De Bolsonaro dificilmente se poderá esperar grandes mudanças. É bem possível, portanto, que as relações entre o Brasil e os EUA e a União Europeia atravessem momentos de tensão nos próximos anos. Esperemos que, pelo menos, a democracia pluralista não esteja em risco no Brasil, isso seria mau para as relações com os países ocidentais, mas seria, sobretudo, péssimo para os brasileiros, a quem cabe – e deve continuar a caber – escolherem livremente quem querem que os lidere na política interna e externa.

Observador (PT)

A direita finca raízes




As urnas deram um recado claro: o bolsonarismo e seus aliados chegaram para ficar. Agora mais organizados, eles vão disputar palmo a palmo o poder com o PT. 

Por Carlos Graieb (foto)

Passado o primeiro turno das eleições de 2022, o único fato incontornável é que uma nova direita fincou mesmo raízes na política brasileira. Para quem imaginava que Jair Bolsonaro estava prestes a ser varrido da paisagem, o resultado das urnas foi um corretivo e tanto. Mas a questão não é apenas a votação do presidente, que boa parte das pesquisas eleitorais subestimou. A partir de 2023, a direita vai se refestelar no poder em diversos estados – e terá força redobrada no Congresso. Quando chegou ao Planalto, em 2018, o atual presidente da República veio acompanhado de uma trupe desconjuntada de novatos, um exército de Brancaleone que mal conseguiu implementar programas de governo ou aprovar legislação (embora tenha desmontado muita coisa). Será diferente daqui em diante. Se Bolsonaro se reeleger, terá respaldo popular e estrutura política para avançar muito mais do que no primeiro mandato. Mesmo que ele não se reeleja – as chances, neste momento, lhe são desfavoráveis – uma direita bem mais organizada subirá à tribuna como porta-voz de mais de 50 milhões de eleitores.

Vale a pena olhar atentamente os números da eleição, a começar pelos de Bolsonaro. O presidente registrou 43% dos votos válidos no primeiro turno de 2022, contra 46% nas eleições de 2018. Isso se deveu à perda de votos em quatro estados. Em São Paulo, Bolsonaro teve 1,1% menos votos do que nas eleições anteriores; em Minas Gerais, 1,3%; no Rio Grande do Sul, 3,2%; no Rio de Janeiro, 5,4%. Em todo o restante do país, não houve debandada, mas o inverso: o desempenho de Bolsonaro melhorou. Inclusive no Nordeste lulista.

Nos mesmos quatro estados onde o presidente perdeu votos em relação a 2018, houve um contraponto. Deu-se uma “bolsonarização” dos governos locais. Em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, Romeu Zema (Novo) e Cláudio Castro (PL) se reelegeram no primeiro turno. Em São Paulo, o candidato bolsonarista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vai disputar o segundo turno em vantagem, ao passo que o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que buscava a reeleição, anunciou apoio ao presidente nesta semana. No Rio Grande do Sul, o também bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL) mantém as chances de vitória. Outros cinco governadores se alinharam com Bolsonaro: Ibaneis Rocha (MDB-DF), Mauro Mendes (União Brasil-MT), Ratinho Jr. (PSD-PR), Antonio Denarium (PP-RR) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO).

A nova direita também se expandiu no Congresso. No Senado, parlamentares diretamente ligados a Bolsonaro, como Damares Alves e Marcos Pontes, conquistaram 14 cadeiras. Serão a maior força da casa, com cacife para pleitear sua presidência e controlar a pauta das votações. Na Câmara dos Deputados, o bloco dos partidos de direita (PL, PP, Republicanos, Patriota, União Brasil e PTB) vai ocupar o dobro das vagas do bloco de esquerda (PT, Psol, PSB, PCdoB, PDT, PV e Rede). O placar é de 257 a 128. A presidência deverá ficar nas mãos Arthur Lira (PP), o “senhor orçamento secreto” – um parlamentar para lá de flexível, mas que só a muito custo (o duplo sentido é intencional) deixará a direita onde se aninhou para eventualmente dialogar com um governo de esquerda.

Para entender as eleições brasileiras, é útil observá-las pela ótica dos cientistas políticos Cesar Zucco (FGV), David Samuels (Universidade de Minnesota) e Fernando Mello (Universidade da Califórnia). No livro Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (Partidários, Antipartidários e Apartidários: O Comportamento do Eleitor no Brasil), lançado em 2018, os dois primeiros exploraram a identificação dos eleitores com os partidos brasileiros. Isso os levou à conclusão de que, desde o final da década de 1980, são duas as forças que organizam o nosso campo político: o petismo e o antipetismo.

Mais do que simplesmente exercer uma escolha a cada eleição, ser petista, para muitos eleitores, é um modo de vida. Curiosamente, o mesmo vale para o antipetismo: ele também pode servir como um traço identitário. “No Brasil, uma parte do eleitorado tem uma visão negativa do PT, sem necessariamente ter vínculo positivo com outro partido. Essas pessoas expressam uma atitude partidária puramente negativa”, diz Mello, que colabora com Zucco e Samuels em novas pesquisas (e também é um dos sócios do site jurídico Jota). Trata-se de um fenômeno raro: somente o antiperonismo, na Argentina, teria alguma semelhança com ele.

Em março deste ano, os três cientistas políticos organizaram uma bateria de 5 mil entrevistas para dimensionar os contingentes atuais de petistas e antipetistas. Estes foram os resultados: 24% dos eleitores se apresentaram como petistas e 29%, como antipetistas. Juntos, eles compõem 53% do eleitorado brasileiro. E os 47% restantes? Esses são os apartidários: cidadãos que têm um vínculo fraco com outras legendas ou não simpatizam com nenhuma delas. Eles prestam atenção intermitente ao dia a dia da política e estão voltados para outros afazeres. Só em épocas de eleição concentram-se nos políticos para compará-los e fazer uma opção.

Ao longo do tempo, o voto antipetista beneficiou diferentes candidatos: Fernando Collor em 1989, Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998, Aécio Neves em 2014. E claro, Jair Bolsonaro, em 2018 e agora, em 2022. Para vencer suas respectivas eleições, no entanto, todos eles também precisaram ser vistos como representantes dos interesses de um grande número de apartidários. Assim, seria um erro acreditar que a agenda radical de Bolsonaro e companhia reflete com exatidão os interesses de todos os seus 51 milhões de eleitores.

A expressão “nova direita”, usada já por duas vezes neste artigo, soa como um eufemismo. Por que não dizer logo, por exemplo, que foram a extrema direita populista e o centrão oportunista que se uniram neste 2022, prometendo causar muito estrago nas instituições e nos cofres públicos ao longo dos próximos anos? Um motivo é que os vitoriosos desta eleição de fato substituem direitas mais antigas ou tradicionais. Observe-se a derrocada do PSDB. O partido ainda tem chance de conquistar os governos de Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Mas no Congresso, a federação dos tucanos com o Cidadania conseguiu eleger apenas 18 deputados – e nenhum senador. Nesta edição de Crusoé, o cientista político Magno Karl, diretor-executivo do movimento Livres, explica que também o liberalismo clássico – aquele que defende “uma agenda moderada e gradualista, que substitua a gritaria pelo diálogo” – perdeu o seu espaço parlamentar. “Dezenas de vozes estarão fora de uma legislatura importante, vitimados pela disputa entre dois gigantes populares”, escreve ele.

A segunda razão é que atribuir a todos os eleitores de Bolsonaro a mesma truculência do presidente não ajuda em nada — além de não ser verdade. Uma pesquisa realizada em março deste ano pelo instituto Ibpad, em parceria com o site Jota, mediu a concordância dos simpatizantes de Lula, Bolsonaro, Simone Tebet e Ciro Gomes com diversas afirmações. A pesquisa mostrou que, embora exista realmente divergência significativa em temas como o aborto, também há convergência em diversos pontos. O número de simpatizantes de Lula e Bolsonaro que concordam com a ideia que “O governo deve adotar políticas enérgicas para combater o desmatamento e preservar o meio ambiente” foi rigorosamente o mesmo: 90%. O resultado foi parecido ao se tratar de racismo: 81% dos eleitores de Bolsonaro e 90% dos de Lula concordaram com a frase “O governo deve ter a obrigação de combater o racismo e a discriminação racial”.

Na tarde de segunda-feira, 3, o PT e seus aliados se reuniram para discutir os resultados da votação realizada no dia anterior. Na chegada, a ex-presidenciável Marina Silva (Rede), agora eleita como deputada federal, foi interpelada pelos repórteres. Quando lhe perguntaram o que a esquerda deveria fazer para capturar mais eleitores no segundo turno, ela – que é evangélica – respondeu que a votação deveria fazer com que a esquerda refletisse sobre seus preconceitos e passasse a escutar segmentos da sociedade mais conservadores, em vez de simplesmente tentar encontrar maneiras de atraí-los. Marina Silva tem razão. Agora que a direita reforçou suas fileiras em Brasília e nos governos estaduais, encarar como legítimas, e não como meros sintomas de histeria ou barbárie as preocupações de evangélicos, fazendeiros ou cidadãos comuns que desejam ser donos de uma arma é indispensável para evitar que o ambiente político no Brasil continue a se deteriorar.

Revista Crusoé

Biden alerta para "Armagedom" se Putin usar arma nuclear




Presidente dos EUA diz que risco de catástrofe atômica é o maior desde a crise dos mísseis cubanos, no auge da Guerra Fria, em 1962. Zelenski afirma que Ucrânia recuperou mais de 500 km2 de território em sete dias.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que a ameaça russa de utilizar armas atômicas no conflito da Ucrânia coloca o mundo no maior risco de "Armagedom" nuclear desde a crise dos mísseis cubanos no auge da Guerra Fria, em 1962.

"Não enfrentamos a perspectiva do Armagedom desde Kennedy e a crise dos mísseis cubanos", disse ele nesta quinta-feira (06/10), durante um evento de arrecadação de fundos do Partido Democrata.

O presidente americano alertou que Putin "não está brincando quando fala sobre o uso potencial de armas nucleares táticas ou armas biológicas ou químicas, porque suas forças armadas têm um desempenho significativamente abaixo do esperado".

Biden disse acreditar que o uso de uma arma tática de baixo rendimento pode sair do controle e levar à destruição global. "Não existe a capacidade de usar facilmente uma arma tática e não acabar em um Armagedom", alertou.

Há meses que autoridades americanas alertam para a possibilidade de a Rússia utilizar armas de destruição maciça na Ucrânia, após uma série de reveses estratégicos no campo de batalha. No entanto, ainda esta semana disseram não ter visto qualquer mudança nas forças nucleares russas que exigisse uma mudança na postura de alerta das forças nucleares dos EUA.

"Não vimos qualquer razão para ajustar a nossa própria postura nuclear estratégica, nem temos indicação de que a Rússia se está se preparando para utilizar iminentemente armas nucleares", disse na terça-feira a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre.

Saída diplomática

O presidente americano também disse que Washington ainda busca uma saída diplomática. "Estamos tentando descobrir qual é a saída de Putin. Onde ele encontra uma saída? Onde ele se encontra em uma posição que não, não apenas perde prestígio, mas perde poder significativo na Rússia", acrescentou.

Putin aludiu repetidamente à utilização do vasto arsenal nuclear, incluindo no mês passado, quando anunciou os planos de mobilização parcial. "Quero lembrar que o nosso país também tem vários meios de destruição", ameaçou. "E quando a integridade territorial do nosso país for ameaçada, para proteger a Rússia e o nosso povo, usaremos certamente todos os meios à nossa disposição", disse Putin em 21 de setembro, acrescentando, com um olhar fixo na câmera: "Isto não é um blefe".

O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse na semana passada que os EUA têm sido "claros" para a Rússia sobre quais seriam as "consequências" da utilização de uma arma nuclear na Ucrânia.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse que Putin compreendeu que o "mundo nunca perdoará" um ataque nuclear russo. "Ele compreende que após o uso de armas nucleares não seria mais capaz de preservar, por assim dizer, a sua vida, e estou confiante nisso", afirmou.

Ucrânia segue recuperando terreno

Apesar das ameaças de Moscou, as tropas ucranianas mantêm sua contraofensiva, recuperando quase toda a região de Kharkiv e importantes centros logísticos como Izium, Kupiansk e Lyman no leste.

"Somente desde 1º de outubro e na região de Kherson, mais de 500 quilômetros quadrados de território e dezenas de cidades foram liberados", declarou na noite de quinta-feira o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

Horas antes, Zelenski havia pedido aos líderes europeus reunidos em uma cúpula em Praga que continuem com a ajuda militar a Kiev para que "tanques russos não avancem sobre Varsóvia ou Praga".

Os fornecimentos de armas dos EUA e da Europa indignaram as autoridades russas, que convocaram o embaixador francês em Moscou na quinta-feira precisamente por causa da ajuda militar oferecida por Paris a Kiev.

Putin, por sua vez, assegurou que a situação militar iria se "estabilizar", apesar das derrotas e fracassos na mobilização de centenas de milhares de reservistas, o que fez com que muitos homens em idade de lutar fugissem. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, assegurou que os territórios perdidos serão "recuperados".

Dias antes, Putin assinou a anexação de quatro regiões da Ucrânia sob controle parcial de suas tropas, o que abriria caminho para o uso de armas nucleares pois a doutrina de Moscou permitiria a utilização desse arsenal para proteger território russo. A anexação viola o direito internacional e foi duramente criticada por vários países.

Deutsche Welle

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