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sábado, maio 07, 2022

Quem está por trás de campanha por voto jovem postada por Leo DiCaprio e que irritou Bolsonaro?




O ator de Hollywood Leonardo DiCaprio doou milhões de dólares para esforços de conservação

Fãs de K-pop, coletivos de meninas e organizações sociais viralizaram campanhas com linguagem jovem e levaram a um recorde de engajamento com mais de dois milhões de adolescentes brasileiros alistados para votar em 2022.

Por Mariana Sanches, em Washington

Três meses atrás, a história traçada para as eleições de 2022 seria a do pleito com menor participação dos jovens entre 16 e 18 anos desde o retorno à democracia brasileira. Em fevereiro deste ano, apenas 830 mil jovens tinham tirado seu título de eleitor - o equivalente a 13,6% da atual população brasileira nesta faixa etária. Para jovens de 16 e 17 anos, o voto não é obrigatório.

No entanto, depois de uma mobilização que levou ao engajamento até de dois astros hollywoodianos, Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo, e que irritou o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL), a tendência foi revertida em cerca de 90 dias.

Nesta quinta-feira (5/5), um dia após o fim do prazo para o alistamento eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que, no total, 2,04 milhões de novos eleitores nessa faixa de idade se registraram para votar em 2022. Esse número, ainda parcial, já é 47,2% maior do que a adesão registrada em 2018 e 57,4% superior ao número de 2014.

"É com orgulho e satisfação que anuncio o resultado parcial de todo esse esforço, que superou todos os recordes já registrados pela Justiça Eleitoral brasileira em 90 anos. Vimos, como há muito não se via, um país unido pelo bem, pela concórdia, pelo fortalecimento da democracia. Agradeço a cada um e a cada uma, influenciador ou não, famoso ou não, jovens de todas as idades que participaram e criaram conteúdos nas redes sociais para chamar a atenção de todos", afirmou o presidente do TSE, ministro Edson Fachin.

As postagens de DiCaprio e de outras celebridades, com seus milhões em impressões e engajamento, reuniram material de gente anônima e que se declara apartidária, que trabalhou silenciosamente por meses, em busca de conteúdo capaz de viralizar. Entenda:

Disputa Leo DiCaprio e Bolsonaro ganha novo 'round'

Os últimos lances dessa história chamaram a atenção porque levaram ao confronto virtual de dois já velhos antagonistas. Em 28 de abril - uma semana antes do fim do prazo de registro eleitoral -, o ator e ambientalista americano Leonardo DiCaprio foi ao Twitter e postou, em inglês, aos seus 19,6 milhões de seguidores:

"O Brasil abriga a Amazônia e outros ecossistemas críticos para as mudanças climáticas.

O que acontece lá é importante para todos nós e o voto dos jovens é fundamental para impulsionar a mudança em direção a um planeta saudável". A mensagem terminava com o site da campanha "Olha o barulhinho", relembrava o prazo de 4 de maio e promovia a hashtag #tiraotitulohoje.

A postagem teve quase 50 mil likes. Pouco mais de 24 horas depois, a mensagem de DiCaprio foi repostada por Bolsonaro, que tem quase 8 milhões de seguidores, com uma resposta irônica do presidente brasileiro:

"Obrigado pelo apoio, Léo! É muito importante ter todos os brasileiros votando nas próximas eleições. Nosso povo decidirá se quer manter nossa soberania na Amazônia ou ser governado por bandidos que servem a interesses estrangeiros. Bom trabalho em O Regresso!", escreveu o candidato à reeleição, mencionando o filme de 2015 e angariando mais de 92 mil likes.

Na sequência, Bolsonaro acusou DiCaprio de usar uma foto de 2003 para se referir à crise das queimadas na Amazônia em 2019. "Tem gente que quer prender brasileiros que cometem esse tipo de erro aqui em nosso país. Mas sou contra essa ideia tirânica", afirmou Bolsonaro, em referência às ações judiciais contra fake news de que seus apoiadores têm sido alvo. "Então eu te perdoo. Abraços do Brasil!", finalizou Bolsonaro.

A desavença entre DiCaprio e Bolsonaro não é nova. Em 2019, o ator doou cerca de US$ 5 milhões para a conservação da Amazônia e se tornou crítico aberto do atual governo brasileiro conforme os índices de desmatamento do bioma foram aumentando. O americano se posicionou abertamente contra a assinatura de acordos comerciais entre o governo de seu país e o Brasil dadas as políticas ambientais adotadas por Bolsonaro. Em resposta, o presidente do Brasil chegou a acusar DiCaprio de dar dinheiro para "tacar fogo na Amazônia".

Quer seja pela resposta provocativa do presidente, quer seja pelo seu próprio interesse no assunto, DiCaprio postou mais cinco vezes sobre as eleições brasileiras e o voto jovem nos sete dias seguintes. A maioria delas em português.

Uma de suas postagens, mencionando uma conversa com a cantora brasileira Anitta durante o MetGala, ultrapassou 116 mil likes.

Anitta, que também se engajou nas campanhas pelo voto dos adolescentes, tem quase 17 milhões de seguidores e recentemente bloqueou Bolsonaro de seu perfil, para evitar que ele obtivesse projeção por meio de interações online com ela.

A musa do pop brasileiro tem se mostrado crítica ao presidente. Ela criou suspense em sua conta para dizer que tinha conversado "por horas" com Leonardo DiCaprio "sobre a importância dos jovens tirarem seu título de eleitor". "Vocês sabiam que ele (DiCaprio) sabe mais sobre a importância da nossa floresta Amazônica do que o presidente do Brasil? Pois sabe", disparou Anitta e amealhou 147 mil likes.

Bolsonaro usou um print da postagem de Anitta para responder (e recolher quase 113 mil likes): "Fico feliz que tenha falado com um ator de Hollywood, @Anitta, é o sonho de todo adolescente. Eu converso com milhares de brasileiros todos os dias. Não são famosos, mas são a bússola para nossas decisões, pois ninguém defende e sabe mais sobre o Brasil do que seu próprio povo".

Os autores por trás do viral

As postagens de DiCaprio, Anitta e Bolsonaro, com seus milhões em impressões e engajamento, reuniram material de gente anônima, que trabalhou silenciosamente por meses, para fazer o conteúdo viralizar, muito longe dos ambientes em que esses três personagens costumam circular.

"Acho muito curioso uma reação dessas de um presidente que foi eleito democraticamente", comentou a advogada Mariana Faciroli, de 30 anos, do interior de São Paulo.

Faciroli faz parte de um grupo de 53 mulheres, entre 17 e 45 anos, unidas pelo apreço à banda de K-pop BTS e pela verve para o ativismo socioambiental. Em 2019, elas fizeram viralizar uma hashtag sobre as queimadas na Amazônia que recebeu endosso de DiCaprio. Agora, o grupo, batizado de Army Help the Planet, capitaneou a campanha "Tira o Título Army".

"Fãs de K-pop são uma força poderosa! Eles esvaziaram comícios de (Donald) Trump e combateram trolls nas eleições do Chile. Fãs de K-pop sabem que a juventude pode votar para construir um futuro melhor. Eles estão instigando jovens brasileiros de 16 e 17 anos a se registrarem para votar! Estou com eles", postou o ator americano Mark Ruffalo, intérprete do super-herói Hulk no filme "Vingadores", fazendo circular a campanha entre seus 8 milhões de seguidores no Twitter.

Questionada sobre se entraram em contato diretamente com Di Caprio ou Ruffalo para pedir apoio à causa, Faciroli se mostrou espantada. Disse que não tem nenhum contato com os famosos estrangeiros e atribui os apoios aos milhões de fãs da banda de K-pop. O trabalho de Faciroli já foi mais longe do que ela própria. Em julho, a advogada fará sua primeira viagem internacional: apresentará os resultados cívicos de seu grupo numa conferência na capital coreana Seul. Um dos conferencistas no evento, o best seller brasileiro Paulo Coelho, já endossou o trabalho do Army nas redes.

Segundo Faciroli, como parte significativa dos fãs do BTS são jovens e muito ativos nas redes sociais, ela e seu grupo identificaram, ainda no ano passado, "um momento muito delicado para o jovem na política, como se política não se discutisse'. Até a democracia começou a entrar em xeque".

A mobilização do grupo incluiu não só um tutorial amigável para o público sobre como tirar o título (que teve mais de 100 mil impressões online), mas a distribuição, em cinemas, de réplicas de títulos de eleitor "fofos", com os dados de integrantes da banda BTS e um QR code para a campanha, e projeções gigantes, em edifícios de sete capitais brasileiras, sobre a importância da emissão do título pelo jovem.

Segundo Faciroli, o grupo atua de modo 100% voluntário e sequer aceita doações. "Fazemos parcerias e, quando tem algum custo, a gente rateia entre as 53 voluntárias". A advogada diz ainda que o movimento é apartidário. "Não temos a intenção de manifestar apoio ou repulsa a nenhum candidato ou representante eleito, até porque queremos ter condições de bater de frente com quem quer que seja quando discordamos da política socio-ambiental", diz Faciroli, que conta sobre o grupo ter tomado alguns "hates" nas redes (mensagens agressivas de desconhecidos), "sinal de que estamos famosas no Twitter", ri.

"A gente usa tanto a expressão festa da democracia, mas o que há de festa? A polarização espanta os jovens, dá neles o medo de onde estão indo se meter, medo de ser julgado, de brigar em casa. A gente quer é colocar a festa nesta história", diz Letícia Bahia, diretora executiva da Girl Up Brasil, o braço nacional de uma organização criada nos EUA em 2010 para oferecer subsídios pra elaboração de políticas públicas para adolescentes à Organização das Nações Unidas.

No Brasil, a Girl Up conta com mais de 170 clubes de jovens, entre 13 e 22 anos, que discutem temas considerados centrais para esse público. Recentemente, a rede se engajou, por exemplo, em dezenas de projetos de lei para combater a pobreza menstrual.

Atuando no Brasil desde 2019, a organização já tinha feito uma mobilização pelo voto jovem em 2020, com resultados muito menores.

"Esse ano, a questão do voto jovem ganhou uma conotação muito eleitoral pela tendência do eleitor dessa faixa etária de ter um voto mais progressista", afirma Bahia, que ressalta que o grupo é apartidário.

Diferentes sondagens eleitorais têm mostrado dianteira do candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ante a Bolsonaro, entre o estrato mais jovem do eleitorado. A vantagem, no entanto, não é uniforme neste grupo. Segundo notou o cientista político Jairo Nicolau, a partir de dados de abril de 2022 da pesquisa Genial/Quaest, enquanto Lula aparece com o dobro das intenções de voto entre mulheres de 16 a 29 anos, na mesma faixa etária entre homens, é Bolsonaro quem tem a liderança (40% a 36%).

A Girl Up Brasil criou a campanha "Seu voto importa", compartilhada por DiCaprio e pela atriz brasileira Larissa Manoela, que vestiu um cropped com a hashtag #seuvotoimporta e postou foto em sua conta de Instagram para mais de 45 milhões de seguidores. "A ideia era levar a questão do voto não apenas para os espaços onde os jovens estão, mas para onde eles estão se divertindo", diz Bahia, que vibrou com a "fofoca" entre Anitta e DiCaprio sobre o engajamento jovem na eleição do Brasil.

A Girl Up não abre as informações sobre financiadores e custos da campanha. O mesmo foi dito à BBC News Brasil pelos criadores de outra das campanhas virais, a "Olha o Barulhinho", da agência de comunicação online com foco social Quid. Nos dois casos, no entanto, os responsáveis afirmam que não aceitam qualquer doação ou vinculação com partidos políticos.

Já a "Cada voto conta", criada pela ONG Nossas é financiada por organizações como a Open Society Foundations, do bilionário George Soros, a Oak Foundation, a Unicef, a Skoll Foundation, entre outras. A Nossas não aceita doação de governos ou partidos e não tem vinculação com legendas.

Ainda que seja difícil estimar quanto essas organizações gastaram para promover o voto jovem no Brasil, um cálculo da organização americana Vote.org, dedicada a levar os eleitores dos EUA às urnas, já que ali o voto não é obrigatório), estima que o custo de convencer alguém a se registrar para votar esteja em torno de US$3. Se juntas, as campanhas estimularam mais de um milhão de jovens, não é exagerado dizer que se tratou de um esforço milionário.

Rumo aos 2 milhões

No caso da campanha da Nossas, o trabalho também desembarcou do mundo online: a ideia foi criar um jogo para premiar os 3 jovens que mais convencessem amigos a tirar seus títulos (o resultado ainda não saiu, mas as líderes na corrida até agora contabilizam entre 200 e 300 títulos acumulados). A organização estima que tenha engajado ao menos 5 mil jovens diretamente.

Segundo Daniela Orofino, uma das diretoras-executivas da Nossas, essas quatro campanhas - e algumas outras - atuaram de modo independente mas com uma certa coordenação para amplificar seus efeitos. E com uma mesma meta: bater os 2 milhões de novos títulos de jovens em 2022 (o que foi alcançado, segundo o TSE).

"No começo desse ano, a gente percebeu que tinha muitas organizações, com quem já havíamos trabalhado em outras causas, com a mesma preocupação que a gente, a questão do voto jovem, e resolveu se articular. Foram mais de 30 organizações envolvidas e várias campanhas surgiram nesse contexto. E a gente atuou junto como pode", afirma Orofino. Uma das atividades conjuntas foi a criação de um dia nacional do título, com banquinhas para tirar o voto na hora, em escolas de todos os 27 Estados do país. Houve também um tuitaço coletiva com a hashtag #tiraotitulohoje.

"Teve muitas celebridades que entraram na onda, e a gente acha isso muito positivo porque eles falam com muitos públicos. Mas a gente não sabe te dizer como chegou no Leonardo di Caprio, no Mark Ruffalo, na Anitta. O negócio tomou uma proporção tão grande, chegou em tanta gente", diz Orofino.

O engajamento das campanhas, com atores e financiadores internacionais, gerou desconforto no Palácio do Planalto. Também via Twitter, o assessor especial para relações internacionais do presidente Bolsonaro, Filipe Martins, afirmou que "A (revista) Time (que publicou capa com Lula esta semana) e Leonardo DiCaprio não são os únicos se intrometendo na política doméstica brasileira. Há gente muito mais perigosa do que o ator e seus colegas hollywoodianos envolvida nessa tentativa de manipular os brasileiros e afetar o desfecho da disputa eleitoral deste ano. Uma dessas pessoas é George Soros".

Todas as envolvidas em campanhas entrevistadas pela BBC News Brasil negam que a intenção das campanhas tenha sido beneficiar ou prejudicar um ou outro candidato.

"É uma campanha em defesa à democracia e da participação dos jovens. No começo do ano, a narrativa era 'o jovem não se importa com a política, o jovem não se importa com eleições', e agora a narrativa é 'o jovem reagiu, deu a volta por cima e vai fazer história na eleição de 2022'", diz Orofino.

Além das campanhas apartidárias, movimentos de defesores e críticos de Bolsonaro também buscaram estimular participação dos jovens nas eleições nos últimos meses.

BBC Brasil / Estado de Minas

Lula tem 44% das intenções de voto, Bolsonaro 31% e Ciro 8%, diz pesquisa Ipespe




Pesquisa Ipespe divulgada nesta sexta-feira (6), a primeira do mês de maio, mostra estabilidade no cenário eleitoral. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém a liderança nas intenções de voto para a Presidência no 1º turno, com 44% na pesquisa estimulada. O presidente Jair Bolsonaro (PL) continua em segundo lugar, com 31%.

Em terceiro lugar, está Ciro Gomes (PDT), com 8%. Na sequência, aparecem João Doria (PSDB), que acumula 3% das intenções de voto, e André Janones, com 2%. Simone Tebet (MDB) e Luiz Felipe dÁvila (Novo) estão empatados, com 1%. José Maria Eymael (PDC), Vera Lúcia (PSTU) e Luciano Bivar (União Brasil) não pontuaram nesta pesquisa.

Nas projeções para segundo turno, Lula mantém a liderança sobre os demais candidatos em todos os cenários testados. Contra Bolsonaro, o petista teria 54% dos votos e o presidente, 34%. Em um suposto segundo turno com Ciro Gomes, Lula registra 52% contra os 25% do ex-ministro. Na disputa contra Doria, Lula pontua 55% e o tucano, 19%.

No levantamento, foram entrevistadas mil pessoas entre os dias 2 a 4 de maio. A margem de erro é de 3,2 pontos porcentuais e o nível de confiança é de 95,5%. A pesquisa foi registrada na Justiça Eleitoral sob número BR-03473/2022.

Estadão / Dinheiro Rural

Regra esdrúxula na distribuição de cadeiras da Câmara cria distorção - Editorial




Com a aplicação neste ano, pela primeira vez na escolha dos deputados, da cláusula de barreira e da proibição de coligações, o Brasil começa enfim a depurar o leque de partidos. O Congresso tende a ser mais representativo e a melhorar a qualidade do debate político. Apesar do avanço, o novo sistema de escolha dos representantes abriu margem a um paradoxo, apontado pelo cientista político Jairo Nicolau em artigo no site Poder360: há critérios distintos para a primeira e a segunda rodada de distribuição das cadeiras no Legislativo. De tão esdrúxula, a regra deve ter sido aprovada sem que a maioria dos parlamentares a entendesse. Vários sentirão seu efeito na dificuldade maior para se reeleger.

Para definir os eleitos à Câmara, calcula-se para cada estado um quociente eleitoral (QE), resultado da divisão dos votos válidos pela quantidade de cadeiras em disputa. Cada partido recebe então um número de cadeiras correspondente ao total de votos de seus candidatos, somados aos votos na legenda, dividido pelo QE — e são escolhidos para ocupá-las os mais votados.

Na primeira rodada de distribuição, se exige do candidato que obtenha no mínimo 10% do QE. Do contrário, o partido perde a cadeira. Essa regra já vigorou na eleição de 2018. Foi devido a ela, segundo Nicolau, que o PSL perdeu sete cadeiras em São Paulo. Embora o partido fizesse jus a elas, não havia mais candidatos com mais de 30.187 votos, ou 10% do QE paulista.

Como sobram cadeiras, há uma segunda rodada para distribuí-las. A partir deste ano, só terá direito a disputar as sobras o partido que alcançar 80% do QE. É uma medida coerente com a cláusula de barreira pela qual, para ter direito a bancada, uma legenda precisará obter no mínimo 2% dos votos válidos, distribuídos em nove estados (com ao menos 1% dos votos em cada um). Nesse caso, porém, a lei passou a exigir votação mínima de 20% do QE para um candidato ser eleito. Não faz sentido. O patamar mínimo, 10% ou 20%, deveria ser o mesmo nas duas rodadas. “Por que criar exigências diferentes para candidatos que disputam a mesma eleição?”, questiona Nicolau.

Ele dá como exemplo a eleição dos 46 deputados federais do Rio em 2018. O QE foi de 168.122 votos, 38 vagas saíram na primeira rodada, oito na segunda. Vigorava a regra dos 10% do QE para o candidato ter direito à cadeira. Os oito eleitos na segunda rodada ultrapassaram esse patamar. Se valessem os 20%, seis não teriam entrado na Câmara (entre eles, Daniel Silveira).

Se um candidato tiver recebido quase 20% do QE, mas não for escolhido na primeira rodada por meros 100 votos, estará fora da segunda. Outro que recebeu 100 votos a mais estará eleito, pois dele exigiram-se apenas 10%. É um absurdo que precisa ser corrigido. Não há como fazer isso antes de outubro, mas a próxima legislatura precisa eliminar essa pequena distorção num sistema eleitoral de resto excelente. O melhor seria adotar os 20% desde a primeira rodada, para inibir os partidos que investem na votação milionária de celebridades como puxadores de voto para o resto da bancada.

O Globo

Abraji: ação de Gilmar contra repórter é precedente perigoso

 




Ministro do Supremo venceu processo que condenou jornalista Rubens Valente a pagar R$ 310 mil por danos morais a respeito de livro sobre Operação Satiagraha. Entidade acionou Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Uma decisão judicial em processo movido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), contra o jornalista Rubens Valente preocupa a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que vê risco de que a iniciativa abra um "precedente perigoso para o regime legal e constitucional da liberdade de expressão no Brasil".

Valente é autor de dois livros: Operação Banqueiro, sobre bastidores da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, que investigou o banqueiro Daniel Dantas, e Os fuzis e as flechas, sobre a repressão a indígenas durante a ditadura militar no Brasil. Também foi repórter do jornal Folha de S. Paulo por 21 anos e colunista no portal UOL.

Em um capítulo de Operação Banqueiro, lançado em janeiro 2014, Valente aborda a atuação de Mendes em relação à Operação Satiagraha, que resultou na prisão temporária de Dantas e depois foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por ilegalidades nas investigações. O livro menciona ações de Mendes quando ele era advogado-geral da União, no governo Fernando Henrique Cardoso, e questiona a atuação do ministro no caso quando ele já estava no Supremo e concedeu dois habeas corpus a Dantas, depois confirmados pelo plenário da Corte.

Na época, havia críticas no meio jurídico à atuação do delegado da Operação Satiagraha, Protógenes Queiroz, e ao juiz de primeira instância, Fausto De Sanctis, a respeito de procedimentos de investigação e garantias dos investigados. Dantas pertence a uma tradicional família da Bahia e fundou o banco Opportunity, que comprou empresas estatais de telefonia durante a privatização promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

'Valente afirma que sua condenação é "um atentado à liberdade de expressão e de informação"

A ação de Gilmar

Em abril de 2014, Gilmar Mendes moveu uma ação por danos morais contra Rubens Valente, alegando que ele havia sido difamado "a partir da exposição inventiva e gravemente distorcida dos fatos". O ministro argumentou que a obra atacava sua imparcialidade como juiz e distorcia sua biografia, entre outros pontos. Mendes pediu indenização à época de R$ 200 mil, e que uma cópia de sua ação e da sentença fossem publicadas na íntegra nas próximas edições do livro.

O juiz de primeira instância negou em maio de 2015 o pedido de Mendes, pois não encontrou "informação falsa ou o intuito difamatório" no livro. O ministro recorreu e ganhou a causa no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que determinou o pagamento de danos morais de R$ 30 mil. Mendes recorreu novamente e o Superior Tribunal de Justiça elevou a indenização para cerca de R$ 310 mil em valores atuais e obrigou a inclusão, em próximas edições da obra, da íntegra da petição inicial e da sentença do caso, que somam cerca de 200 páginas. A decisão foi confirmada pela Primeira Turma do STF em agosto de 2021.

Segundo reportagem da Agência Pública, Valente já pagou a Mendes R$ 143 mil, e pode ser obrigado a pagar mais R$ 175 mil se a editora da obra, Geração Editorial, não transferir a sua parte da indenização.

A posição da Abraji

Um levantamento da Abraji aponta que, até dezembro de 2021, decisões do STJ em quatro outros processos e decisões de tribunais estaduais de primeira e segunda instâncias em dez outros processos utilizaram a jurisprudência criada pelo STF no caso de Valente para a condenação e definição do valor de danos morais.

Em nota à Agência Pública, a entidade afirmou: "A Abraji considera a decisão do STF contra Rubens Valente um precedente perigoso para o regime legal e constitucional da liberdade de expressão no Brasil, porque impõe um dever de indenização muito grave para o exercício da liberdade de imprensa, sobretudo quando não se verifica nenhum abuso por parte do profissional. Sem mencionar os efeitos da autocensura não só sobre Rubens Valente, como também sobre outros jornalistas que desejem cobrir fatos de interesse público contra magistrados."

A Abraji também ingressou com uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), para que a entidade avalie o caso.

Recém-eleito presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o jornalista Octávio Costa também se pronunciou à Agência Pública sobre o tema: "Sem dúvida afeta a liberdade de imprensa; o jornalista fica intimidado pelo assédio judicial. Ninguém é contra o pedido de resposta, mas não pode ser abusivo, com conflito de interesses", afirmou. Ele também é réu em uma ação por danos morais movida por Mendes que pede indenização de R$ 150 mil.

Mendes foi procurado pela Agência Pública, disse que não se manifestaria sobre o caso e indicou o contato de seu advogado, que não retornou a pedidos de comentário.

Valente afirmou à Agência Pública que jamais ofendeu ou agrediu o ministro no livro, que a sua condenação é injusta e provocou um grande dano à sua vida pessoal e profissional, e que a considera "um atentado à liberdade de expressão e de informação". Seu advogado, Cesar Klouri, afirmou que o valor da indenização está muito acima do de casos semelhantes, provocará um rombo irrecuperável para um jornalista assalariado e serve como intimidação que limita a liberdade de imprensa.

Deutsche Welle

Urnas eletrônicas 20 vezes aceitas




Bolsonaro não contestou sistema em 20 vitórias

Por Cristian Klein (foto)

Das nove eleições que disputou - uma para vereador (1988), sete para deputado federal (1990, 94, 98, 2002, 06, 10, 14) e uma para presidente (2018) - Jair Bolsonaro conquistou mandatos nas últimas seis vezes por meio das urnas eletrônicas. Em duas décadas, não contestou o resultado. Não fez cruzada contra o sistema de votação.

Seus rebentos Flávio (2002, 06, 10, 14 e 18), Carlos (2000, 04, 08, 12, 16 e 20) e Eduardo (2014 e 18) obtiveram, juntos, outros 13 mandatos (a vereador, deputado estadual, federal e senador). Todos sem voto impresso. A ex-mulher Rogéria, mãe dos três filhos políticos, elegeu-se vereadora do Rio duas vezes (1992 e 1996), uma pelo antigo e outra na estreia do então novo modelo. Até hoje, a família colheu 20 vitórias pelas urnas eletrônicas, sem reclamar do veredito da Justiça eleitoral.

Mas bastou Bolsonaro sair da posição de um azarão do baixo clero que vencia o primeiro turno da corrida presidencial, há quatro anos, para começar a semear suspeitas sem fundamento sobre o processo eleitoral. Dizia, sem qualquer evidência, que poderia ter ganhado já na primeira etapa. Coerente com toda sorte de ultraje que demonstrou durante a campanha, acrescentou a cereja do bolo ao seu perfil: o de mau vencedor.

Se Bolsonaro não soube ganhar, fica cada dia mais claro que não saberá perder. Será o mau perdedor, aquele que não respeita as regras mais elementares da democracia, entre elas a da transmissão pacífica de poder. Um Aécio 2.0, oito anos depois de iniciada a moda de melar o jogo. Isso para não retrocedermos a Carlos Lacerda e aos golpes da nossa história, dentro ou fora do contexto eleitoral.

O ardil de Bolsonaro já estava anunciado nos primeiros muxoxos sobre fantasiosas fraudes em urnas eletrônicas e piorou na medida em que viu sua popularidade cair. Há pouco mais de dois anos, em 9 de março de 2020, prometeu publicamente que apresentaria provas e jamais cumpriu a palavra.

O único objetivo é desacreditar o modelo de votação e deslegitimar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a quem cabe organizar as eleições, apurar os votos e diplomar os vencedores no país, há 90 anos.

A mesma Justiça eleitoral que garantiu a Bolsonaro e aos seus duas dezenas de mandatos é questionada e atacada quando as pesquisas mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na liderança. Coincidência? Eleito sob a colcha de retalhos que mistura, entre outros trapos, política e religião, o ocupante do Planalto já afirmou que “só Deus” pode tirá-lo do poder. Haja fé.

O arremedo de direito divino do absolutismo bolsonarista é nutrido pela aura de uma pretensa invencibilidade nas urnas. Em apenas uma de 25 eleições disputadas, o clã foi derrotado: a primeira majoritária, em 2016, quando Flávio concorreu a prefeito do Rio. O primogênito lançou-se contra a vontade do pai, que temia que uma má gestão do filho atrapalhasse seus planos à Presidência dois anos depois. Pode-se acusar Bolsonaro de tudo, menos de se iludir com a capacidade de governante no sangue da família.

Também não se ilude sobre o que lhe aguarda caso se concretize, neste ano, o segundo fracasso em sua história eleitoral. O temor de serem presos assombra Bolsonaro e integrantes do grupo político, a ponto de espernearem de todas as formas para se manterem no poder, custe o que custar.

A ameaça de um golpe, respaldado pelas Forças Armadas, já deixou de ser velada ou subreptícia, com ataques diários ao TSE e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Não bastou a derrota no Congresso quando os parlamentares rechaçaram o projeto bolsonarista de retorno ao voto impresso - este sim, demonstradamente sujeito a fraudes.

Introduzido em 1996, o voto eletrônico brasileiro deu agilidade à votação e à apuração, facilitou o acesso a eleitores de baixa escolaridade, reduziu a margem para o erro humano, para a quebra do sigilo de voto e pôs fim a uma longa trajetória de falcatruas eleitorais que remonta aos primórdios da República. Do voto de cabresto, das adulterações de resultado em atas às engordas de urnas, que amanheciam com mais sufrágios do que os efetivamente depositados na véspera.

O retrocesso não passou. Mas Bolsonaro busca encontrar de todos os modos uma maneira de interferir no trabalho já de caráter independente do TSE. Diferentemente dos Estados Unidos, onde os políticos influenciam a administração e a justiça eleitoral, dando margem a favorecimentos e controvérsias - como na eleição de George W. Bush em 2000 - o Brasil tem no TSE e nas urnas eletrônicas uma instituição e um modelo de votação reconhecidos internacionalmente.

Nada disso importa para o projeto de poder e o instinto de sobrevivência de Bolsonaro, cuja novidade agora, anunciada ontem, na live que faz nas noites de quinta-feira, é a contratação de uma empresa para fazer uma auditoria externa “antes das eleições” de outubro. Ao avançar mais uma casa no terreno do golpe, o ex-capitão apela ao apoio dos militares. Antes inclinado ao legalismo, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, tem dado demonstrações de estar no bolso do presidente. “As Forças Armadas não vão fazer o papel de chancelar apenas o processo eleitoral e participarem como espectadores”, disse Bolsonaro.

O presidente alegou suposta defesa de “eleições livres de qualquer suspeita e de ingerência externa”. Não por coincidência, ontem o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, disse que os Estados Unidos “confiam muito nas instituições democráticas do Brasil”. “O país tem um histórico sólido de eleições livres e justas, com transparência e altos níveis de participação dos eleitores”, afirmou. A declaração se dá também em meio à revelação, segundo a agência Reuters, de que o diretor da CIA, William Burns, disse a autoridades de alto escalão do Brasil, em julho do ano passado, que Bolsonaro deveria parar de questionar o sistema eleitoral do país. Quem vai pará-lo?

Valor Econômico

A herança bolsonarista é profunda




Em algum momento a população cobrará resultados e não adiantará mais falar em nome de Deus, da Pátria e da Liberdade ou chamar os adversários de comunistas

Por Fernando Luiz Abrucio* (foto)

Assumir a cadeira presidencial em 2023 será bem mais difícil do que em qualquer outro período da história recente. Claro que sempre é complicado governar o Brasil, um país complexo, desigual, com um sistema político que exige muitas negociações e com parte dos parlamentares interessados mais em negociatas do que no interesse público. Isso faz parte do jogo. Mas o bolsonarismo deixou uma herança que amplia os obstáculos à governabilidade em dois sentidos: ele não resolveu ou aprofundou os problemas do país e, pior, criou travas para a resolução das grandes questões nacionais.

O primeiro sentido da herança negativa do bolsonarismo está expresso no conjunto de problemas que ele deixou ou agravou em quatro grandes áreas de políticas públicas. A primeira refere-se às políticas sociais, cujas estruturas construídas em décadas foram desmontadas. Pegue-se o exemplo da saúde e da educação e se constata que o desastre foi enorme, com consequências de curto e longo prazo.

O fracasso na saúde ficou bem claro com a má condução da política nacional contra a pandemia de covid-19. Se não fosse o SUS, com seus profissionais qualificados e sua estrutura que ajudou a construir os serviços nos estados e municípios, talvez tivéssemos um número mais próximo de 1 milhão de mortes. Mas se não tivesse havido o negacionismo e a descoordenação federativa produzida por quem deveria zelar para cooperação entre os níveis de governo, a quantidade de óbitos teria sido bem menor. Especialistas calculam que em torno de 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas, para não falar daqueles que estão até hoje sofrendo sequelas terríveis da doença.

Os problemas da política sanitária bolsonarista não estão apenas no combate à covid-19. A cobertura vacinal do país está caindo vertiginosamente e a dengue explodiu neste ano, o que revela que o país não tem estratégias para combater doenças que atingem muita gente. Igualmente desastrosa é a gestão dos insumos de saúde, com a falta de vários medicamentos básicos no SUS, como não acontecia desde o início da década de 1990. E os programas para grupos mais vulneráveis, como a população indígena, tiveram um retrocesso gigantesco.

O fato é que o país está menos preparado agora para epidemias ou pandemias que podem nos assolar nos próximos anos, algo que, infelizmente, tem condições críveis de ocorrer. O esgarçamento do SUS vai aumentar a mortalidade e piorar a saúde dos mais pobres, com fortes efeitos sociais, além de afetar o capital humano disponível, com consequências ruins para a produtividade da economia.

Na educação, a situação é ainda pior. O bolsonarismo lavou as mãos para a crise educacional gerada por quase dois anos de escolas fechadas, com cerca de 5 milhões de alunos não tendo acesso ao ensino remoto. O governo federal teria de ter ajudado governos estaduais e municipais num país com grande desigualdade territorial, do mesmo modo que desde o governo FHC a União tem atuado para reduzir tais disparidades. As grandes questões educacionais foram deixadas de lado para que discussões sem nenhum impacto no aprendizado dos estudantes ganhassem centralidade. Junto com o abandono da educação básica houve a redução drástica do apoio à ciência e à tecnologia, o que nos condena ao subdesenvolvimento.

Para fechar esse ciclo de maldades, o MEC se tornou um antro de corrupção por meio do uso de emendas do Orçamento Secreto. Cabe frisar que o desastre bolsonarista na educação tem mais efeitos de longo prazo do que qualquer erro de política econômica. Perder quatro anos de política educacional significa reduzir a capacidade de desenvolvimento econômico e social do país, com menos oportunidades, ascensão social e produção de capital humano. Imagine oito anos num cenário como esse, qual seria o resultado?

A segunda herança perversa do bolsonarismo reside no fracasso das políticas ambientais. O meio ambiente é um ativo do país para o seu futuro econômico, para sua posição geopolítica e para garantir a diversidade natural que faz parte da civilização brasileira. O que temos tido nos últimos anos é o desmonte dos órgãos ambientais federais, o aumento do desmatamento, o crescimento do garimpo ilegal na Amazônia e a ameaça constante à preservação de todos os ecossistemas. O país estava virando uma referência internacional e já se tornou um mau exemplo.

Toda a população brasileira irá sofrer com isso: os mais pobres e os ruralistas, com a mudança climática que afetará a produção de alimentos; os trabalhadores e os bancos, pois o Brasil está perdendo muitos investimentos e financiamentos por não ter um selo verde no momento; os povos indígenas e os que moram no Sudeste, porque o que se perde de floresta pode significar menos água para os que vivem nos grandes centros.

A política externa é a terceira herança nefasta produzida pelo governo Bolsonaro. Em poucas palavras, o Brasil se isolou completamente dos principais circuitos geopolíticos e é visto como um pária pelos países mais importantes do mundo ou de nossa região. Já não é mais chamado para as reuniões do G7 - para a próxima, o Senegal foi convidado e nós, não.

O isolacionismo tem vários efeitos negativos, como deixar de participar de decisões globais de grande relevância, receber menos investimentos ou mesmo ter a possibilidade de sofrer sanções explícitas ou implícitas dos governos ou de suas sociedades, reduzir os intercâmbios científicos, em suma, ser desimportante e malvisto lá fora cobra um preço interno de menor desenvolvimento no presente e no futuro.

O desenvolvimento econômico e social fecha o ciclo de problemas estruturais que foram ampliados durante o bolsonarismo. No curto prazo, a inflação só aumenta e está fora do controle, e só voltará a níveis razoáveis em 2024 (se tudo der certo). Para reduzir esse problema, os juros foram aumentados, o que vai implicar um custo fiscal alto para o quadriênio que vem, num Orçamento já apertado, que não consegue garantir recursos adequados nem para investimento nem para evitar o sucateamento da máquina pública federal.

Completa esse quadro um alto desemprego, que não cairá para menos de 10% nos próximos dois anos, e uma queda da renda real da população, com maior impacto entre os mais pobres, cada vez mais pauperizados e sem acesso a bens básicos, além de terem perdido a esperança de ascensão iniciada com o Plano Real - na verdade, é pior do que isso: a fome voltou a ser um fenômeno amplo no Brasil.

Essas dificuldades de curto prazo alimentam-se da ausência de um projeto econômico e social de longo prazo. O governo Bolsonaro não tem um plano estratégico para o país, movendo-se mais pelos humores populistas do presidente frente às intempéries políticas. Num dia, propõe-se a privatização da Eletrobras - num modelo que vai aumentar o custo da energia no país -, enquanto noutro se intervém na direção da Petrobras. Numa semana o assunto é a liberdade econômica, na seguinte é a criação de um auxílio aos caminhoneiros - embora o que se mantém mesmo no Brasil são os subsídios às empresas, método já assimilado por Paulo Guedes. E o tema das várias desigualdades brasileiras? Este só aparece como estratégia populista e assistencialista. Com mais quatro anos de bolsonarismo, seremos mais pobres, mais desiguais e menos ricos.

É possível pensar que uma mudança de governo poderia alterar essa situação. Os mais esperançosos poderiam, ademais, acreditar que um segundo governo Bolsonaro seria capaz de evitar parte dos problemas criados por ele mesmo - o tom da campanha vai mostrar que é preciso ser muito Poliana para embarcar nessa tese. De todo modo, qualquer uma dessas hipóteses enfrenta um obstáculo maior. Existe uma segunda herança do bolsonarismo que não advém dos seus erros e fracassos nas políticas públicas. O pior legado bolsonarista é ter criado uma lógica política que dificulta bastante a saída da crise atual.

Paul Pierson, um grande cientista político americano, definiu um conceito que cabe bem a essa segunda herança do bolsonarismo, a mais profunda de todas. Trata-se do termo “path dependence”, cujo significado é que algumas trajetórias ganham uma força institucional e/ou social difícil de ser revertida. Bolsonaro estabeleceu uma lógica política que será um obstáculo à mudança quem quer que seja o novo presidente.

Entre seus elementos estão a (re)politização das Forças Armadas, o fortalecimento de uma oligarquia parlamentar pela constitucionalização do jogo individualista (quando não secreto) das emendas orçamentárias, a produção de uma visão autoritária contra as instituições em pelo menos 20% da população, o fortalecimento de grupos religiosos que atuam contra a secularização do Estado e o incentivo ao armamentismo da sociedade, facilitando inclusive à formação de milícias políticas e de bandidagem.

Esse “path dependence” retrógrado e autoritário criado por Bolsonaro será uma barreira às grandes transformações pelas quais o Brasil precisa passar para dar certo no século XXI. A saída dessa armadilha política será o maior problema do próximo presidente, talvez até para Bolsonaro, porque em algum momento a população cobrará resultados de políticas públicas, e não adiantará mais falar em nome de Deus, da Pátria e da Liberdade ou chamar os adversários de comunistas.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas

Valor Econômico

O bom, o mau e o feio




O salto dos fed funds para 3,5% até meados de 2023 pode levar os EUA à recessão e não trazer a inflação de volta a 2%

Por Armando Castelar Pinheiro* (foto)

Em geral, três preços ditam muito do que ocorre na economia mundial: o do petróleo, o do dólar, e o dos fundos disponibilizados pelo Banco Central (BC) americano, a taxa do Fed funds. No último ano e, em especial, no primeiro quadrimestre de 2022, os três se mexeram bastante, com fortes impactos no cenário econômico global.

O preço do barril de petróleo, em dólares, subiu incríveis 62% nos últimos 12 meses, sendo que 2/3 dessa alta se deram nos primeiros quatro meses deste ano. Não foi só o petróleo que ficou mais caro. O índice de preços do FMI para commodities não energéticas, por exemplo, subiu 23% nos 12 meses até março, sendo que a alta para as commodities de alimentos foi de 28%.

A alta no preço de commodities em geral é boa para o Brasil, elevando nossas exportações e estimulando a produção doméstica desses produtos. Nos 12 meses até março, o preço de nossas exportações subiu 30%, sendo 17% apenas no primeiro trimestre de 2022. A alta deve ter continuado em abril.

Normalmente, a melhora que isso gera em nossas contas externas, e a entrada de capital externo para os setores beneficiados, leva à valorização do câmbio, que mitiga o impacto inflacionário dessa alta de preços. O resultado é mais crescimento, com inflação comportada e melhoria de bem estar, conforme o câmbio mais apreciado barateia as importações. Não foi, porém, o que se viu desta vez, ou pelo menos não na escala necessária: nos 12 meses até abril, o real se valorizou 14,4% frente ao dólar, o que foi bom, mas não o bastante para compensar a alta de 21,8% no preço das importações, menos ainda na do petróleo.

Essa dinâmica é surpreendente, porém, dada a forte valorização do dólar nesse período. O DXY, índice que reflete a variação do dólar frente às moedas das outras principais economias desenvolvidas, teve alta de 13% no último ano, sendo metade disso apenas em 2022. Desde a semana passada, o DXY gira no mais alto patamar desde 2002.

Quando do dólar se valoriza, em geral o preço das commodities (em dólar) cai e as moedas de emergentes se enfraquecem, e vice versa quando ele se desvaloriza. Entre meados de 1995 e início de 2002, o DXY experimentou uma forte escalada, subindo cerca de 40%. Nesse período, o preço das commodities agrícolas caíram -15,4%, das commodities metálicas -25,1% e dos insumos industriais -33,5%. As moedas de economias emergentes foram fortemente pressionadas, com crises cambiais na Ásia, no Brasil e na Argentina, por exemplo.

Por outro lado, entre os inícios de 2002 e de 2008, o DXY despencou incríveis 37%. Nesse período, o preço das commodities agrícolas subiu 93%, o dos insumos industriais 220% e o das commodities metálicas teve alta de 271%, tudo isso em dólar. O real se valorizou fortemente nesse período, caindo de uma taxa de câmbio de R$ 2,93/US$ em julho de 2002 para R$ 1,59/US$ seis anos depois, a despeito da inflação acumulada no Brasil nesses anos ter sido 29 pontos percentuais mais alta do que nos EUA.

Há, portanto, uma pressão subjacente no sentido de queda dos preços das commodities e desvalorização das moedas de emergentes. Esse cenário, que já tende a ser desafiador, pode ficar mesmo feio com a alta nas taxas de juros praticadas pelo Fed, o BC americano.

Esta semana o Fed elevou a taxa do Fed funds em meio ponto percentual, para o intervalo entre 0,75% e 1,00%. Também sinalizou que nas próximas duas reuniões deve promover altas semelhantes de juros e que deve começar a reduzir seu balanço, ao ritmo de US$ 47,5 bilhões por mês, no trimestre junho-agosto, acelerando para US$ 95 bilhões por mês a partir daí.

À primeira vista, essas soam como medidas fortes. Fazia quase exatos 22 anos que o Fed não subia sua taxa em meio ponto percentual em uma reunião, sendo que desde 2006 ele não eleva essa taxa em duas reuniões seguidas. Por outro lado, quando se considera que a inflação em 12 meses está em 8,5%, uma taxa abaixo de 1% ao ano mostra o quão atrás da curva o Fed está. Como também a venda de papéis precisa ser colocada em contexto: no último biênio, o BC americano ampliou seu balanço em quase US$ 5 trilhões.

Os mercados hoje esperam que a taxa do Fed funds suba para 3% no final deste ano e para 3,5% em meados de 2023. Uma escalada dessa magnitude vai gerar bastante barulho, levando a novas altas do dólar e quedas nos preços das ações e dos títulos de dívida, em um contexto em que a alavancagem aumentou muito. É bem possível que os EUA acabem entrando em recessão. E, pior, é quase com certeza uma alta insuficiente para trazer a inflação para a meta de 2%.

Eventualmente, esse cenário vai pesar no preço das commodities, que deve cair também. No curto e médio prazo, porém, a guerra na Ucrânia, que ameaça se arrastar por bastante tempo, e as novas sanções que vão sendo impostas, tendem a manter esses preços elevados. O petróleo é um bom exemplo: com a perspectiva de bloqueio na União Europeia ao petróleo russo, e o eventual esgotamento da oferta extra trazida pela redução do estoque estratégico americano, ambos previstos mais para o final deste ano, é difícil esse preço cair.

Um cenário feio, ruim e com pouca coisa boa para celebrar.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre 

Valor Econômico

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