
Charge do Jônatas (politicadinamica.coml)
Danandra Rocha, Wal Lima,
Alícia Bernardes e Fernanda Strickland
Correio Braziliense
O PL da Dosimetria chega à semana decisiva, pois começará a ser analisado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na quarta-feira. E a queda de braço promete ser pesada, pois se não for à votação agora, as chances de ser sepultado em 2026 se potencializam.
Naquilo que depender dos bolsonaristas, será aprovado na CCJ e vai a plenário logo em seguida. A tropa do Palácio do Planalto, porém, trabalhará para impedir as duas coisas. Na pior hipótese — a de que passe na comissão — , virão pedidos de vista a fim de jogar a análise pelo conjunto da Casa para 2026. Até lá, o governo ganha tempo para tentar sepultar o PL. Além disso, pretende avaliar a repercussão das manifestações de ontem, pelo país, contra o substituivo.
DERROTAS – Depois de uma sequência de contundentes derrotas — a mais recente foi a retirada, por determinação do governo dos Estados Unidos, do nome do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e da mulher, da lista de sancionados pela Lei Magnitsky —, o bolsonarismo aposta todas as fichas na aprovação do PL para tentar reduzir as penas do ex-presidente e dos condenados pela tentativa de golpe de Estado depois das eleições de 2022. A janela de oportunidade seria a relatoria do substitutivo nas mãos do senador Espiridião Amin (PP-SC), que já anunciou que pode aproveitar a tramitação para reintroduzir o debate sobre a anistia.
Apesar de ter criticado o substitutivo elaborado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) aprovado na Câmara — disse que era “muito ruim” —, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) assegura que o jogo da anistia não está perdido, nem o bolsonarismo derrotado. Ele, inclusive, faz uma leitura sobre a decisão do governo dos EUA de retirar o nome do ministro Moraes e da mulher da lista de sancionados com a Magnitsky.
“O presidente Donald Trump faz um gesto gigantesco pela anistia no Brasil. Em suas palavras, um ‘primeiro passo’ em direção ao fim dos excessos praticados por Alexandre de Moraes e o ‘início de um caminho’ para que a relação Brasil/EUA volte à normalidade democrática”, comentou o senador, em uma postagem nas redes sociais. “Vamos votar o projeto de lei da anistia no Senado. Sendo aprovado, não tenho dúvidas de que os EUA retirarão totalmente as sobretaxas dos produtos brasileiros exportados para lá. A bola está com a gente!”, acrescentou Flávio.
MANOBRA – Questionado sobre a possibilidade de a dosimetria se converter em anistia numa manobra no Senado, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), respondeu ao Correio com a imagem de uma postagem feita por ele no X (antigo twitter), comentando os efeitos da Magnitsky.
“Não se trata de vingança, nem de nomes. Trata-se de Constituição, limites institucionais e Estado de Direito. Ou o Brasil reage agora ou normaliza o autoritarismo togado. ‘Ai dos que decretam leis injustas e dos escrivães que prescrevem opressão’ (Isaías 10:1)”, diz a publicação.
O PL da Dosimetria vem sendo citado como alternativa à anistia desde a semana passada pela oposição. O projeto foi aprovado no plenário da Câmara na madrugada de 10 de dezembro, um dia depois de Flávio Bolsonaro se reunir com líderes do Centrão tão logo colocou um “preço” para retirar a pré-candidatura à Presidência da República como sucessor do pai. A fatura foi paga com a colocação do substitutivo na pauta de votação pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
PROPOSTA – Ao receber o texto aprovado pela Câmara, Amin afirmou que defende a anistia e disse ter entregado uma proposta de perdão de penas, elaborada pelo então deputado Carlos Alberto Caó a Paulinho, anos atrás. Apesar da posição pessoal, o senador frisou que pretende ouvir os dois lados, acolher sugestões e apresentar um relatório final dentro do prazo, ressaltando que o Senado não deve apenas chancelar o texto aprovado pelos deputados.
A movimentação ganhou mais força após o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmar que pretende levar o projeto à votação ainda neste ano, depois de assumir com os líderes partidários o compromisso de deliberar sobre o tema. Ele também defendeu a necessidade de ajustes na legislação referente aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Os bolsonaristas pressionam pela rápida tramitação da proposta. O líder da oposição no Senado, Izalci Lucas (PL-DF), por exemplo, defende uma aprovação célere no Parlamento e associa a discussão à pauta mais ampla da anistia.
SEM ATROPELO – No campo dos apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo trabalha para reduzir a marcha da tramitação e atrasar o projeto. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que não há necessidade de atropelar os prazos regimentais.
“Queria ponderar que isso não é uma coisa que vai mudar em 24 ou 48 horas. Há um afã. Alguns dizem que essa dosimetria é um primeiro passo para a anistia. Eu não vou discutir isso, porque não vou falar de futurologia, mas queria me associar ao senador presidente da CCJ no sentido de que se dê à Casa o tempo mínimo necessário”, disse.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), foi ainda mais explícito ao anunciar a estratégia de tentar barrar o avanço do texto na CCJ. Segundo ele, o Executivo pedirá vista — mais tempo para análise — com o objetivo de empurrar a discussão para 2026 e, assim, esfriar o tema. Ele afirmou ainda que, caso a proposta avance, o governo defenderá o veto presidencial.
CRÍTICAS – O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também fez duras críticas ao projeto. “Sou absolutamente contra qualquer tentativa de relativizar um dos episódios mais graves da história da nossa democracia. O que aconteceu no 8 de Janeiro foi uma tentativa organizada de ruptura institucional, que deve ser punida à altura. Lutarei para impedir esse vergonhoso retrocesso”, adiantou.
O cientista político Celso Fernandes, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, avaliou que a tramitação acelerada do PL levanta preocupações sobre o uso da pauta legislativa. “A percepção acerca do movimento político que levou à aprovação do PL da Dosimetria não é das melhores. Primeiro, pela agilidade pouco comum empregada na tramitação legislativa. Segundo, porque, se confirmada a informação de que a decisão de pautar o projeto teria sido fruto de um ‘acordão’ como condição para a retirada da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro, estaríamos diante de um desvirtuamento da função representativa da Câmara”, lamentou.
MANIFESTAÇÕES – Movimentos sociais, partidos de esquerda e centrais sindicais promoveram, ao longo de todo o dia de ontem, manifestações em diversas cidades do país contra o projeto de lei que altera a dosimetria das penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito. Desta vez, porém, a adesão foi menor do que a manifestação de 21 de setembro, quando houve a convocação para pressionar o Congresso contra a PEC da Blindagem — que pretendia aumentar as prerrogativas dos parlamentares contra investigações.
Em São Paulo, segundo cálculo da equipe do Monitor do Debate Político e a ONG More in Common, que utiiza imagens da multidão capturadas por drones para estimar o número de participantes, o protesto contra o PL da Dosimetria na Avenida Paulista teve, no ápice, 13,7 mil pessoas. A margem de erro de 12% indica um público entre 12,1 mil e 15,4 mil. O ato anterior, que ocorreu no mesmo lugar, reuniu cerca de 42,4 mil pessoas, segundo as mesmas projeções. O ministro Guilherme Boulos (Secretaria da Presidência) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) foram os principais políticos presentes.
No Rio de Janeiro também aconteceu um protesto menos concorrido. De acordo com a mesma equipe que fez o cálculo de participantes e São Paulo, na Praia de Copacabana reuniram-se, no ápice da manifestação, 18,9 mil pessoas. Pela mesma margem de erro de 12%, isso indica um público entre 16,7 mil e 21,2 mil participantes. Na manifestação de 21 de setembro, os cariocas apresentaram o segundo maior público, com aproximadamente 41,8 mil pessoas.
TRIOS ELÉTRICOS – Para incentivar os manifestantes, apresentaram-se nos trios elétricos os artistas Duda Beat, Tony Bellotto, Fernanda Abreu, Lenine, Leila Pinheiro, Fafá de Belém, Xamã, Baco Exu do Blues, Chico Buarque, Moreno Veloso, Paulinho da Viola e Gilberto Gil. A atriz Fernanda Torres e o deputado Glauber Braga (PSol-RJ) — suspenso na semana passada na mesma sessão que manteve o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP, leia mais na página 3) — fizeram discursos críticos ao Congresso. Compareceram, ainda, os deputados Lindbergh Farias (PT-RJ), Talíria Petrone (PSol-RJ), Benedita da Silva (PT-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Pela manhã, ao menos 13 capitais já tinham atos confirmados, entre elas Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis, João Pessoa, Maceió, Manaus, Natal, São Luís e Teresina. Na capital federal, a concentração começou às 10h, ao lado da Biblioteca Nacional, e seguiu em marcha até o Congresso. A Polícia Militar estimou a participação de cerca de 5 mil pessoas. O protesto transcorreu de forma pacífica, sem registro de ocorrências. Além da rejeição ao PL da Dosimetria, manifestantes também defenderam o fim da escala de trabalho 6×1, direitos trabalhistas e criticaram o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Durante o ato, o deputado distrital Fábio Félix (Psol) afirmou que a mobilização popular é decisiva para evitar acordos políticos que levem à impunidade. “O decisivo para que não tenha um acordo nacional para livrar Bolsonaro e a extrema direita da cadeia é o povo na rua. A população precisa estar na rua”, disse, pára acrescentar: “Vimos pessoas que tentaram dar um golpe de Estado e, agora, estão pagando o preço. A gente não pode deixar isso acabar em anistia e em pizza. A gente não quer anistia, a gente não quer PL da bandidagem. A gente quer o fim da escala 6 por 1, direitos para os trabalhadores e um Congresso que tenha coragem de legislar a favor do povo”, completou.
MAIORIA – O deputado distrital Chico Vigilante (PT) também discursou e defendeu maioria progressista no Legislativo. “Não basta só eleger o Lula. Para dar governabilidade, precisamos eleger um Congresso comprometido com o povo”, exortou.
No Recife, o ato reuniu parlamentares, militantes e movimentos sociais em pressão direta sobre o Senado, onde o PL da Dosimetria deve ser analisado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de seguir ao plenário. A senadora Teresa Leitão (PT) destacou o momento estratégico da mobilização. “O projeto chega ao Senado e pode ser votado às vésperas do recesso. Precisamos cobrar os senadores”, afirmou. O deputado federal Túlio Gadêlha (Rede-PE) alertou para o risco de emendas que ampliem o alcance da proposta. “Independentemente disso, precisamos ocupar as ruas e mostrar nossa indignação”, disse. Para a deputada estadual Dani Portela (PSol), “a dosimetria é uma anistia disfarçada”.
Também houve manifestações em Salvador, onde manifestantes caminharam da orla da Barra até o Farol. Cartazes com dizeres como “Sem anistia” e críticas à redução de penas marcaram o ato, que abordou outras pautas, como a defesa dos povos indígenas. As mobilizações, segundo os organizadores, devem continuar nos próximos dias, com foco em pressionar senadores antes da votação do PL da Dosimetria.