Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS DE ARAÚJO
Publicado em 15/12/2024 às 09:32
Alterado em 15/12/2024 às 09:32
Você já viu um pato nadando? Pois é, quem vê a leveza desta ave sobre a superfície de um lago não imagina que suas patas estão em um movimento desordenado e furioso para manter o corpo em equilíbrio. O contraste entre uma falsa aparência de sucesso e os conflitos imanentes à realidade caracterizam a “síndrome do pato”. É o que acontece historicamente com a participação dos militares na vida política brasileira.
Desde o fim do Império, quando proclamaram uma República sem povo, os militares se colocaram como fiadores do novo regime. Nesta condição, não se furtaram a assumir o protagonismo da cena política sempre que acreditaram que os civis falhavam em conduzir a nação. Por isso, ao longo do século XX, houve vários golpes de Estado, alguns fracassados, como a intentona liderada pelo coronel Jurandir Mamede, em 1955, para impedir a posse de JK, outros bem-sucedidos, como o golpe militar de 1964.
Em qualquer circunstância, todavia, os militares tentam projetar a imagem de que atuam em benefício da nação, sacrificando seus interesses pessoais, quando não a própria vida. Com seus uniformes alinhados, medalhas e sapatos lustrados, procuram transmitir uma imagem de seriedade, austeridade e honestidade que muitas vezes não condiz com a realidade.
O caso Braga Netto é lapidar. Aliado de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu candidato a vice na chapa derrotada por Lula e Alckmin em 2022, o general da reserva foi preso neste sábado, 14/12, pela Polícia Federal, acusado de ser um dos articuladores do golpe de Estado que pretendia impedir a posse de Lula, matar o presidente eleito, seu vice e também o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Aos 67 anos, Braga Netto era uma das figuras mais reluzentes do Exército. Mas sua imagem começou a ruir quando comandou a malfadada intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, acusado de participar de fraudes na compra de equipamentos de segurança. Posteriormente, junto com outros militares de alta patente, como o general Luiz Eduardo Ramos, foi acusado de receber proventos ilegais de quase um milhão de reais em plena pandemia de Covid-19, quando, como ministro da Casa Civil, também teve uma atuação desastrosa. Mas agora o buraco é mais em baixo.
Golpe de Estado é um crime contra a ordem democrática. Mesmo estando na reserva, Braga Netto tem sua imagem plasmada nas Forças Armadas, em particular no Exército, de modo que sua atuação política não está dissociada de sua carreira militar. Portanto, sua intentona golpista é mais uma lamentável ação militar contra a democracia brasileira, em especial naquilo que envolve oficiais de alta patente, muitos dos quais então na ativa, como o almirante Almir Garnier, que ao tempo comandava a Marinha.
Lugar de militar é no quartel! Sempre que buscam um protagonismo indevido, misturando vida militar e participação política, terreno que desconhecem, esses maus militares desonram suas forças e prejudicam o país. A prisão de Braga Netto é mais uma reação das instituições democráticas contra a lamentável tradição golpista que perpassa setores das Forças Armadas, mesmo após a redemocratização.
Como os patos de lagoa, sob a aparência de tranquilidade e sucesso, a participação dos militares na política é um show de horrores. A prisão Braga Netto, o primeiro general de quatro estrelas a ir para o xilindró, talvez indique que o golpe de 1964 de fato chegou ao fim. Pelo curso das investigações da PF, inclusive, parece razoável supor que outros oficiais de alta patente poderão também amargar um período na cadeia. A pergunta do milhão é saber o quanto a prisão de Braga Netto irá impactar Bolsonaro e sua família. Mas isso ainda é uma incógnita. O certo que o ex-capitão já não dorme com a mesma tranquilidade. Visivelmente, o cerco está se fechando…
Lier Pires Ferreira, PhD em Direito. Pesquisador do LEPDESP/UERJ.
Renata Medeiros de Araújo, Mestre em Ciência Política. Advogada.
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