Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado/Arquivo
O jurista Miguel Reale Jr foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso30 de dezembro de 2024 | 17:00Ex-ministros da Justiça reagem a governadores e saem em defesa do decreto de Lula sobre armas
Sete ex-ministros da Justiça elaboraram um manifesto de apoio ao decreto do governo Lula que regula o uso das forças por agentes das polícias.
A iniciativa é uma resposta à resistência de governadores alinhados à direita, que resistem às medidas e afirmam que vão ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubá-las.
Para os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), o governo tenta interferir nas políticas de segurança dos estados ao determinar que recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) só poderão ser acessados por unidades federativas que cumpram as regras do decreto.
“Ainda que o debate raso a respeito de uma suposta interferência de um ente sobre outro [como dizem os governadores] possa ressoar num ambiente de antagonismo político, jamais poderia guiar a análise séria sobre o tema. Entendemos, com o devido acatamento, que as reações exacerbadamente negativas ao texto podem ser fruto de um embate na arena política ou mesmo de desconhecimento do inteiro teor do decreto”, afirmam os ex-ministros no manifesto.
“Por essa razão, para além do discurso de caráter meramente ideológico, é difícil não perceber que o decreto representa uma evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à construção de uma sociedade mais segura, justa e pacífica”, seguem.
“Que reste claro para quem não leu o inteiro teor do decreto: não se está a defender criminosos! O que se visou, claramente, foi defender um modelo de segurança pública moderno, com o respeito à dignidade da pessoa humana e a promoção da justiça social”, completam.
O manifesto é assinado pelos ex-ministros da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, Nelson Jobim e Miguel Reale Jr., que ocuparam o cargo nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Tarso Genro, que foi ministro no primeiro governo de Lula, Luiz Paulo Barreto e José Eduardo Cardozo, da gestão Dilma Rousseff, e Raul Jungmann, ministro de Michel Temer.
Governadores do Nordeste também divulgaram uma carta aberta em apoio à regulação.
O decreto, assinado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirma, entre outras coisas, que o uso da força pelos agentes estatais somente poderá ser empregado quando outros recursos de menor intensidade não forem suficientes.
Diz ainda que o nível de força utilizado deve ser compatível com a gravidade da ameaça apresentada pela conduta das pessoas envolvidas. O uso de armas de fogo fica restrito a situações de último recurso.
O decreto foi publicado em um momento em que polícias sofrem forte questionamento pelo uso abusivo e indiscriminado da força, fazendo vítimas inocentes e desarmadas —inclusive crianças.
Os ex-ministros afirmam que o país vive “dias desafiadores” no combate ao crime, mas que o Estado deve avançar sem “descuidar dos excepcionais desvios porventura cometidos por agentes policiais”.
“A violência desmedida não deve ser a solução ao combate à violência, inclusive porque, como temos visto nos últimos tempos, eventualmente, ela se volta contra brasileiros inocentes, que pagam com suas vidas e com as suas saúdes físicas e mentais”, afirmam.
Eles relembram que o decreto regulamenta uma lei “publicada há uma década” para disciplinar o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, e dizem que ela “representa um avanço civilizatório sem precedentes no Brasil”.
Os ex-ministros dizem também que as normas beneficiam as polícias.
“Entendemos que o novo decreto também avança em termos de segurança e proteção dos próprios policiais, ao incluir diretrizes específicas para a criação de programas de atenção à saúde mental para profissionais envolvidos em ocorrências de alto risco, além de medidas para a redução da letalidade policial, de maneira a evitar o envolvimento em novas tragédias”, escrevem eles no manifesto.
“É preciso que, no oceano de problemas que vivemos, consigamos evitar que brasileiros inocentes sejam vitimados sob a justificativa de combate ao crime. Não podemos mais tolerar a máxima do primeiro atirar para depois perguntar! Inocentes estão sendo vitimados”, finalizam.
Leia, abaixo, a íntegra do manifesto dos ex-ministros da Justiça:
“Nós, ex-ministros da Justiça e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de distintos governos, apresentamos manifestação favorável ao Decreto 12.341/2024, o qual, sem limitar a necessária e adequada atuação policial, foi editado para regulamentar uma lei publicada há uma década (Lei 13.060/2014), que disciplinou o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, representa um avanço civilizatório sem precedentes no Brasil.
Por certo, vivemos dias desafiadores no nosso País, que ensejam a atuação presente e constante do Estado brasileiro em busca de um ambiente de melhora na segurança pública. Inegavelmente, o tráfico de drogas, o crime organizado e a violência urbana cotidiana impactam negativamente a vida de cada cidadão e do Estado brasileiro.
Por outro lado, enquanto avança no combate à criminalidade nas suas mais diversas formas, o Estado não pode descuidar dos excepcionas desvios porventura cometidos por agentes estatais.
A violência desmedida não deve ser a solução ao combate à violência, inclusive porque, como temos visto nos últimos tempos, eventualmente, ela se volta contra brasileiros inocentes, que pagam com suas vidas e com as suas saúdes físicas e mentais. Não temos dúvidas de que o Decreto 12.341/2024, dentre as medidas adotadas por este e por outros governos, representa uma evolução na relação entre a população em geral e as nossas polícias.
Com efeito, a violência policial – por envolver os relevantes temas da segurança pública, dignidade da pessoa humana e direitos humanos – é um desses assuntos delicados que exigem uma análise equilibrada de especialistas no assunto, da classe política e da população em geral. No entanto, ainda que o debate raso a respeito de uma suposta interferência de um ente sobre outro possa ressoar num ambiente de antagonismo político, jamais poderia guiar a análise séria sobre o tema.
Entendemos, com o devido acatamento, que as reações exacerbadamente negativas ao texto podem ser fruto de um embate na arena política ou mesmo de desconhecimento do inteiro teor do decreto. Por essa razão, para além do discurso de caráter meramente ideológico, é difícil não perceber que o decreto representa uma evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à construção de uma sociedade mais segura, justa e pacífica.
Que reste claro para quem não leu o inteiro teor do decreto: não se está a defender criminosos! O que se visou, claramente, foi defender um modelo de segurança pública moderno, com o respeito à dignidade da pessoa humana e a promoção da justiça social!
É preciso que a sociedade brasileira avance para combater a violência nas suas mais diversas e cruéis formas, de maneira que a segurança pública seja sinônimo de proteção e respeito à vida e não de violência e opressão!
Nesse sentido, não é demais assinalar que a violência policial não é apenas um problema brasileiro. Outros países lidam com ele. Até mesmo por isso, as diretrizes internacionais, que visam padronizar e orientar as ações dos agentes de segurança pública, são elaboradas e frequentemente incorporadas na legislação brasileira.
Bons exemplos disso são a Convenção Contra a tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova Iorque, promulgada pelo Decreto 40 de 15/02/1991, assim como o Guidance on Less-Lethal Weapons in Law Enforcement da ONU, que fornece diretrizes para o uso de armas menos letais por agentes de aplicação da lei, assegurando a conformidade com os direitos humanos internacionais.
Quer dizer, o Decreto 12.341/2024 também se fundamenta, dentre outros, nos instrumentos internacionais mencionados acima, que escancaram a necessidade de uma constante revisão para assegurar o alinhamento com os padrões internacionais de direitos humanos e das melhores práticas globais, de modo a garantir a eficácia, a legalidade e a legitimidade das ações concernentes à segurança pública.
Sem medo de errarmos, o que se buscou com o recente decreto foi fortalecer a transparência, com a previsão de diretrizes para a criação de mecanismos de monitoramento e transparência nas ações policiais, promovendo a divulgação de dados sobre operações e intervenções, bem como a implementação de programas de capacitação voltados para a formação de policiais, focando em direitos humanos e mediação de conflitos.
Ademais, é de se louvar o estabelecimento claro de protocolos sobre o uso da força, buscando garantir que as intervenções policiais sejam proporcionais e adequadas à situação, com ênfase na proteção dos direitos civis.
Como se vê, não é um decreto que se volte contra as legítimas ações policiais. Pelo contrário, visa a promoção de uma segurança pública mais cidadã e respeitosa, em benefício, ao fim e ao cabo, de toda a população brasileira, bem como a vida dos nossos policiais de todas as hierarquias e das suas famílias.
Nessa senda, entendemos que o novo decreto também avança em termos de segurança e proteção dos próprios policiais, ao incluir diretrizes específicas para a criação de programas de atenção à saúde mental para profissionais envolvidos em ocorrências de alto risco, além de medidas para a redução da letalidade policial, de maneira a evitar o envolvimento em novas tragédias.
É preciso que, no oceano de problemas que vivemos, consigamos evitar que brasileiros inocentes sejam vitimados sob a justificativa de combate ao crime.
Não podemos mais tolerar a máxima do primeiro atirar para depois perguntar! Inocentes estão sendo vitimados!
Tarso Genro, Aloysio Nunes Ferreira, José Eduardo Cardozo, Luiz Paulo Barreto, Nelson Jobim, Miguel Reale Jr., Raul Jungmann”.
Mônica Bergamo/FolhapressPoliticalivre