Publicado em 2 de janeiro de 2024 por Tribuna da Internet
Marcus André Melo
Folha
“O preço da liberdade do Supremo é a eterna desconfiança pública quanto à formação de sua pauta”. A afirmação é de Diego Werneck em “O Supremo entre o direito e a política”. Se o STF expandiu vertiginosamente seu escopo de atuação coletiva e individual, o “ativismo processual” dos juízes, como denominou Joaquim Falcão, mina a sua legitimidade.
Se o STF, através de decisões monocráticas de seus juízes, pode decidir virtualmente sobre qualquer tema e a qualquer momento, o tribunal será visto pela sociedade como arbitrário e ilegítimo. As decisões serão cada vez mais interrogadas por suas motivações individuais, políticas, estratégicas.
DÚVIDA PERMANENTE – “Em um tribunal sem limites, amarras, ou critérios claros para explicar sua agenda, a dúvida se tornou permanente”, diz Diego Werneck. A mudança recente do regimento limitando os pedidos de vista visa conter os danos causados pelo ativismo processual para a imagem do tribunal ou miram a atuação individual de ministros indicados por Bolsonaro?
Muito do crescente hiperprotagonismo do Supremo atual estava escrito na pedra. Ou melhor, na Constituição. Foram vastos os poderes delegados à corte. Foi também vasta a lista de legitimados a apresentar demandas diretamente ao STF.
Aqui outra contradição: o gigantesco passivo de processos não afeta a liberdade dos ministros de escolher o que priorizar. Pelo contrário, fornece um álibi permanente para a discrição. Este passivo ao invés de minar sua eficiência, o empodera.
ALTA VOLTAGEM – É a agenda de alta voltagem que o sobrecarrega. Nenhum outro tribunal na história enfrentou: o julgamento de centenas de réus, da elite política (ainda no poder) à empresarial do país; o impeachment de um presidente; o julgamento de outro por crimes comuns e eleitorais; a contenção de um populista iliberal.
Aqui teve que escolher a batalha a travar, o que levou a abandonar a luta pela corrupção, e até aumentar a colegialidade. De forma inédita, tornou-se objeto de ataques violentos.
Juízes que decidem sobre estes casos, empoderam-se para decidir sobre quaisquer outras questões. Até praticam o que chamei de anistia judiciária: o exercício de uma anômala prática de ‘pacificação política’.
OBJETIVO SUPREMO – Controlar o STF tornou-se objetivo político supremo dos atores políticos.
A força do tribunal ancora-se de forma importante na sua jurisdição criminal, sobretudo sobre os membros das duas Casas do Congresso, que têm foro privilegiado. E aqui se localiza um equilíbrio perverso que mantém o status quo. Cabe ao Senado a seleção de juízes e o controle de abusos.
Mas os senadores não têm incentivos para exercê-lo sobre ministros que podem vir a ser seus julgadores. Ao contrário de James Madison, um dos criadores da Constituição dos EUA, a ambição atiça a ambição, não se contrapõe a ela.