Quem são os heróis de 8 de janeiro? Começamos 2024 sob a pesada sombra de uma tentativa de golpe de Estado que ocorreu há exato um ano e que impõe a pergunta inescapável a este governo, mas não só, pois com ela se defronta toda sociedade que passou por um evento traumático como o 8 de janeiro: qual é o lugar que se deve dar à memória?
Por ora, um ato oficial, ao qual devem atender mais de 500 autoridades, incluindo os chefes dos três poderes e das Forças Armadas, na tarde desta segunda-feira no Senado Federal, deve ser o ápice de um esforço ainda tímido para superar nossa tentação eterna ao “deixa pra lá” nacional – esforço esse que encontrou resistências no próprio governo, resmungos entre os generais e até um manifesto da oposição, assinado por 30 senadores que criticam “abuso de poderes” do STF, penas “abusivas” àqueles que sabiam estar servindo de bucha de canhão para um golpe, e ainda pedem “a volta à normalidade democrática”, ou seja, que voltemos a ser o maravilhoso país das anistias.
Não que tenhamos avançado muito: até agora, foram 30 os condenados pelos atos, sendo que nenhum dos financiadores e, em especial, nenhum dos generais que se engajaram na conspiração golpista chegou a ser punido – e nem devem ser, pois não há notícia de investigação sobre a “omissão e ação” dos fardados que enfiaram as Forças Armadas na tramoia bolsonarista, como bem colocou o professor Francisco Teixeira em entrevista à Agência Pública divulgada ontem.
A cerimônia, então, nos deixa no meio do caminho, por marcar a data, mas estar longe de ser uma resposta da sociedade à altura da gravidade do que ocorreu.
Se o peso é pequeno nessa nossa efeméride, é ainda menor no dia a dia de Brasília. Como mostramos em outra reportagem, apenas o Judiciário, dentre os três poderes atacados, mantém um “tour” que rememora aquelas horas tenebrosas.
A memória faz parte da visita pública conduzida no prédio do STF a cidadãos interessados, aquela mesma pela qual passam milhões de adolescentes do ensino médio – como essa que vos escreve fez na sua época –, turistas, curiosos de todo tipo. Agora, a visita oficial tem um “ponto de memória” com imagens da invasão. Mas não só isso; segundo nossa repórter Laura Scofield, as lembranças estão por toda parte – seja no prédio, seja nas peças danificadas, guardadas com zelo, seja nos relatos dos guias. O objetivo é que “esse dia não caia no esquecimento”.
Eu me pergunto por que somos uma nação que esquece tão rápido. Afinal, os ecos daquele dia histórico reverberam, ainda, dentro daqueles que sabiam que o que estava em jogo era o destino do nosso país. Como o coronel da PM que enquadrou os militares do Batalhão da Guarda Presidencial que faziam corpo mole diante da invasão do Palácio do Planalto. Como o ex-ministro da Justiça Flavio Dino, que foi cobrar a prisão dos golpistas no acampamento e viu, consternado, que o comandante do Exército, muito pelo contrário, havia dado ordens para um embate com a polícia do DF.
“Quando me viro, vejo a polícia do Exército em formação, duas ou três linhas, mas não de frente para o acampamento, de frente para a PM. E eu vi também uns blindados do Exército se locomovendo, saindo de vias e se agrupando ali com soldados aparatados como se fossem para um combate”, disse ele aos jornalistas Julia Duailibi e Rafael Norton para o documentário 8/1: A Democracia Resiste, da Globonews.
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