Além de se desvencilhar de processos judiciais em plena campanha, ex-presidente terá de diminuir sua alta rejeição
Com as primárias partidárias de Iowa, na terça-feira, teve início uma campanha eleitoral que promete ser a mais tumultuada em décadas nos Estados Unidos. Antes mesmo do início do calendário da disputa, dois Estados, Maine e Colorado, impediram que Donald Trump, candidato preferido pela maioria dos republicanos, segundo as pesquisas, tivesse seu nome inscrito na cédula. Motivo: participação em insurreição, em referência à invasão do Capitólio para impedir o democrata Joe Biden de tomar posse. A Suprema Corte julgará o caso. Ao longo da campanha, pelo menos três processos contra Trump poderão ser julgados - o de que incitou uma insurreição contra a democracia será feito em breve, 4 de março. Há inclusive a possibilidade de Trump ser condenado, ir preso, vencer as eleições, e governar até em prisão domiciliar. Como presidente, poderia perdoar seus próprios crimes, segundo juristas, mas poderia haver também questionamentos legais. Como isso nunca ocorreu, a hipótese nunca foi testada na prática.
Donald Trump começou sua caminhada eleitoral com grande e previsível vantagem, 51%, sobre seus concorrentes, o governador da Flórida, Ron DeSantis (21%), a ex-embaixadora americana na ONU Nikki Haley (19%) e o empresário de biotecnologia Vivek Ramaswamy (7,7%). Haley, que quer se firmar como a principal rival do ex-presidente, pode ir melhor nas primárias de New Hampshire, na terça-feira, 23. Pesquisas a colocam como preferida de 30% dos eleitores, ante 43,5% que pretendem votar em Trump e apenas 5,4% em DeSantis.
Iowa era um território amigo para o radical republicano: pesquisa de boca de urna mostrou que mais da metade dos que foram às urnas acredita que Biden não ganhou legitimamente as eleições de 2020. Nacionalmente, é igual a fatia dos republicanos que acreditam na narrativa de fraude, para a qual não existem mínimos indícios ou provas.
Haley tenta se manter na corrida porque sabe que Trump é um candidato vulnerável. Os processos judiciais que se desenrolarão durante a campanha trazem forte narrativa contra o republicano, não só por atentados contra a democracia, como por fraude corporativa, com multa pedida pela promotoria de Nova York de US$ 370 milhões. As desventuras judiciais de Trump podem afastar apoio de republicanos moderados, os quais Haley diz representar. Além disso, Haley, em pesquisa da CBS News/YouGov, é a candidata do partido que venceria Biden por maior margem se as eleições fossem hoje: 53% contra 45%, ante 50% a 48% de Trump e 51% a 48% de DeSantis.
Sem reviravolta radical no cenário, Haley não é páreo para Trump. O ex-presidente tem uma média de 63% de apoio no partido, ante 12% da candidata, de acordo com o agregador de pesquisas FiveThirtyEight. Por mais estapafúrdias que sejam as histórias de Trump sobre a eleição que perdeu, são elas que prevalecem em um partido no qual boa parte acha válido recorrer a métodos antidemocráticos para impedir a posse de um rival.
Trump promete ir à forra contra seus inimigos, encastelados no “pântano” de Washington, assim como aprofundar políticas protecionistas, desta vez não só contra a China, mas contra todos - ele tem dito que imporá uma tarifa de 10% sobre todas as importações. Nos processos sobre suas ações para desvirtuar eleições e impedir a posse de Biden, Trump mostra sua concepção de democracia ao alegar que, pela lei, nunca poderia ser processado como presidente por seus atos, fossem eles quais fossem. É uma visão que se assemelha a de um país sem instituições, não aos EUA. A Justiça dará a palavra final.
Biden é um candidato fraco, embora não tenha cometido grandes erros. A economia se manteve em boa forma durante seu mandato até agora, com nível de emprego recorde. Sua política econômica, embora protecionista, é mais ampla e sofisticada para criar empregos, estimular e modernizar a indústria americana e preparar o país para mudanças climáticas. O ritmo da economia deve diminuir a partir de agora, o que é um problema para um presidente cujo trabalho não foi bem avaliado quando ela caminhava bem. A agregação de pesquisas mostra que 56% dos americanos desaprovam a atuação de Biden, enquanto 38,6% a aprovam. Sua popularidade agora é a menor que a dos últimos presidentes que tentaram a reeleição no início do ano da disputa.
Mas, apesar disso, está em pé de igualdade com Trump nas pesquisas, nas quais a diferença segue mínima e dentro da margem de erro. Isso porque há o outro lado da moeda: Trump não é um valentão amado. Pouco mais da metade dos americanos (52%) tem uma opinião desfavorável em relação a ele e 42,3%, favorável, uma avaliação que varia muito pouco nos últimos dois anos (FiveThirtyEight). Se o quesito é impopularidade, Biden e Trump também estão empatados na margem de erro. Com o início da campanha, o democrata vai concentrar seu fogo na ameaça autoritária que Trump e radicais republicanos representam. A seu favor terá a exposição pública das peripécias do rival na prestação de contas à Justiça, pelo mesmo motivo. Se isso será suficiente para vencer Trump só o futuro dirá.
Valor Econômico
Postado há 10 hours ago por Brasil Soberano e Livre