Publicado em 1 de abril de 2022 por Tribuna da Internet
Bernardo Mello Franco
O Globo
A Argentina parou nesta quinta-feira para celebrar o Dia da Memória. O feriado foi criado há duas décadas. Relembra o golpe de 24 de março de 1976, que instalou uma ditadura militar no país. Com lenços brancos sobre a cabeça, mães e avós de desaparecidos marcharam até a Praça de Maio, no coração de Buenos Aires.
A caminhada começou na antiga Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), centro de torturas no regime militar e que hoje abriga um museu de direitos humanos.
ACERTO DE CONTAS – Os argentinos restauraram a democracia em 1983, mas ainda acertam contas com os responsáveis pelo terrorismo de Estado. Desde que os processos foram retomados, em 2006, a Justiça condenou 1.058 acusados.
Outros 165 foram absolvidos, 964 morreram sem julgamento e 22 estão foragidos, segundo a Procuradoria de Crimes contra a Humanidade.
O réu mais notório foi o ex-ditador Jorge Rafael Videla. Ele confessou ter ordenado a morte de 8 mil pessoas e disse não se arrepender de nada. Perdeu a patente de general e foi condenado à prisão perpétua. Morreu na cadeia aos 87 anos, sentado num vaso sanitário.
OUTRO CAMINHO – Os torturadores argentinos só foram punidos porque a Suprema Corte do país anulou a Lei do Ponto Final, que blindava acusados de torturas, assassinatos e sequestros de bebês.
O Brasil poderia ter seguido o exemplo, mas escolheu outro caminho. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal manteve a validade da Lei da Anistia para agentes da repressão que praticaram crimes de lesa-humanidade.
Defensores da decisão argumentaram, na época, que o país não deveria mexer em feridas cicatrizadas. O relator do caso, ministro Eros Grau, disse que seria impossível “reescrever a História”. Essa tese não resistiu à era Bolsonaro.
REVISIONISMO HISTÓRICO – A impunidade dos torturadores abriu caminho para que um herdeiro dos porões fosse candidato à Presidência. Eleito, ele pôs o governo a serviço do revisionismo histórico.
Os quartéis voltaram a festejar o aniversário do golpe de 1964 — agora rebatizado de “marco para a democracia”. O passado autoritário não passou: debochou das vítimas e se reinstalou no poder.
Neste ambiente, o ministro da Defesa, Braga Netto, sentiu-se à vontade para declarar que não houve ditadura militar. Na Argentina, o general já teria sido varrido da vida pública. No Brasil, deve ser premiado com uma vaga na chapa do presidente à reeleição.